“Não há solução econômica, sem prévia solução sanitária.”
(Benito Salomão, Junho de 2020)
A sentença acima foi escrita em meu texto na Revista Política Democrática de Junho de 2020, repetida em outro artigo meu de setembro do mesmo ano. No ano de 2020 o Brasil se colocou diante de um falso tradeoff (escolha), salvar vidas ou salvar a economia? Acabou não salvando nenhum, nem o outro e chegou em janeiro com uma taxa de 130 mortos por 100 mil habitantes (mais do que o dobro da média mundial que foi 62 óbitos por 100 mil) somado a uma queda acumula do PIB de -4,1%. Queda esta que só não foi maior devido à expansão sem precedentes da política macroeconômica, evidenciada na queda da taxa Selic de 4 pontos percentuais e uma expansão do gasto público de 12 pontos percentuais do PIB.
Um ano se passou desde que o Coronavírus ganhou status de pandemia e exigiu enormes esforços dos governos nacionais para proteger suas populações e já há dados suficientes para inferir algumas conclusões. Matéria recente do jornal Folha de São Paulo, se valendo de uma amostra para 60 países que já apresentaram dados do PIB em 2020, mostra nitidamente que aqueles que optaram por adotar um enfrentamento sério e preventivo ao vírus tiveram desempenho econômico sensivelmente melhor em termos da contração econômica apresentada. É o caso de China, Vietnã, Nova Zelândia, Noruega, Finlândia, Nigéria, entre outros países cujo PIB variou em 2020 entre -2% e 2%. Muito acima, portanto, da mediana dos 60 países que apresentou retração de -4,1%. Desempenho também muito superior a países que negligenciaram a doença no início como Reino Unido, México, Itália, França e Espanha que apresentaram retrações do PIB entre -8% e -10%.
A matéria da Folha de São Paulo apenas confirma o que eu escrevi meses antes, não se resolve a economia sem prévia solução para o problema de saúde. E onde está o Brasil neste contexto? O país apresentou um mergulho do PIB de -4,1% em 2020, o maior da sua história e, paralelamente a isto, apresenta uma taxa de óbitos de 130 para cada 100 mil habitantes, o dobro da média mundial de 62 mortes por 100 mil, enquanto países como Nova Zelândia, Coreia do Sul e Vietnã têm taxas próximas de 0 mortes por 100 mil. Há, portanto, uma clara correlação entre número baixo de mortes e amortecimento dos impactos sobre a atividade produtiva.
O desempenho do Brasil é ainda pior ao se considerar a expansão fiscal patrocinada pelo governo no exercício de 2020. Ao todo, o pacote fiscal brasileiro para o enfrentamento da COVID-19 teve magnitude de 12% do PIB, algo muito semelhante à Turquia que gastou 12,8%, porém teve uma taxa de mortos de 40 para cada 100 mil habitantes e um crescimento econômico de 2% em 2020. O pacote fiscal brasileiro foi o dobro do governo de Israel que gastou 6,1% do PIB e quase o triplo da Noruega com 4,3% do PIB. Em outras palavras, o Brasil gastou, mas não gastou com efetividade, a política fiscal nem suavizou o ciclo econômico e nem tão pouco evitou as perdas humanas que tornam o país um mal exemplo internacional.
Tirando os olhos do retrovisor e traçando diagnósticos para 2021, se verifica uma intensa segunda onda que abateu todo o ocidente, os países estão se movimentando para ampliarem a oferta das vacinas a tempo suficiente para evitar uma terceira onda. E o Brasil neste contexto, mais uma vez deixa a desejar. O país vacinou, até o momento em que este artigo foi escrito cerca de 4,1% da sua população, desempenho muito pior do que países muito mais pobres como Sérvia, 16,8%, Marrocos 11,1%, Turquia 9,2%, Estônia 8,3%, entre outros. Em meu artigo “Riscos para 2021” de fevereiro deste ano, argumentei que a letargia na vacinação da população pode se tornar um risco para o desempenho econômico deste ano. Menos de 60 dias se passaram e está evidente que o ritmo posto da segunda onda vai prejudicar o crescimento da economia brasileira que pode entrar em nova recessão nos dois primeiros trimestres deste ano.
Toda esta tempestade de proliferação da pandemia favorecendo o surgimento de novas cepas do Coronavírus, atraso proposital do cronograma de vacinação, estagnação da economia brasileira, tende a ser agravada com a elevação da inflação e dos juros, com a saturação da dívida pública no horizonte futuro e com um possível efeito de histerese da economia brasileira, isto é, quando a queda econômica que deveria ser cíclica, altera a tendência de longo prazo e o país passa a apresentar um péssimo desempenho econômico de forma permanente. É preciso evitar esta tempestade!
Benito Salomão – Economista