Alexandre Grenfell
Não gosto muito de ideias simplórias, principalmente em economia. Uma que particularmente muito me incomoda é a de que uma pessoa vive em situação extrema de pobreza se vive com menos de US$ 2 por dia. Entendo a necessidade técnica de uma divisão como essa, mas ela acaba nos levando a soluções igualmente simplórias que serão eternamente paliativas e jamais irão solucionar de fato o problema da desigualdade. Olhemos com mais atenção o caso brasileiro.
O governo federal tem investido bastante em distribuição de renda via Bolsa Família. Isso retira uma parcela considerável da população da situação de extrema pobreza (os US$ 2 por dia). É uma solução definitiva para o problema? Não! Mas vejo com tristeza que cada vez mais isso é visto como ponto final para a desigualdade brasileira. Uma redistribuição de renda mais equitativa é apenas um ponto do problema, mas jamais será a solução final. De que adianta retirar o individuo da situação de extrema pobreza, mas não dar condições para que ele se sustente nesse novo patamar, e busque patamares maiores e melhores? Não quero aqui usar o velho e fraco argumento de que e preciso ensinar a pescar, e não dar o peixe. Quero dizer que o Estado não pode ser um pai eterno, em nome da redução da desigualdade. Ele deve intervir quando necessário sempre, mas o ser humano precisa viver por seus próprios meios.
Enxergo o Bolsa Família dando um passo nesse sentido, porém um passo um tanto limitado. Veja bem, pelas regras do programa para se ter acesso ao benefício dado às crianças e adolescentes é preciso que estes estejam matriculados na escola, e tenham mais de 75% de presença escolar. Ele tem que ir a escola para receber o benefício. Isso é, teoricamente, perfeito. Porém a situação das escolas públicas brasileiras é temerária. A educação pública como um todo é precária.
Em seu célebre livro Desenvolvimento como Liberdade, Amartya Sen nos diz que o desenvolvimento de uma nação está pouco relacionado com nível de renda per capta e mais com as oportunidades e liberdades que os cidadãos de determinada nação possuem.
O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência de serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos (SEN, 2010. p. 16).
Eu acredito que, na ausência dessas liberdades e na ausência de um ambiente socioeconômico que garantam essas liberdades, o Estado precisa garantir. Não falo aqui de um Estado autoritário e interventor, mas de um Estado que entende seu papel de promotor do desenvolvimento, na ausência das demais instituições incumbidas disso. Por mais que o Bolsa Família caminhe nesse sentido, as demais garantias estão ameaçadas. Como evitar a “carência de oportunidades econômicas” sem educação de qualidade? O Bolsa Família atua no sentido de garantir acesso a educação, principalmente àqueles que precisariam trabalhar desde cedo para ajudar no sustento de casa. Mas que adianta ter acesso à educação, se ela é de baixa qualidade? O problema da educação é apenas um dos vários pontos que precisam ser discutidos. Se olharmos para a saúde temos o mesmo dilema. O Bolsa Família tem atuado na diminuição da mortalidade infantil e vem garantido acesso a vacinação infantil. Porém o sistema de saúde brasileiro é frágil e de péssima qualidade. Existem casos de mortes em filas de hospitais pelos motivos mais torpes e evitáveis. Problemas de saneamento básico que ameaçam o desenvolvimento de nossas crianças. Problemas característicos de países que, em questão de renda, nós já estamos demasiados afastados.
Estamos no início de um governo. Temos pela frente quatro anos que certamente irão impactar a vida de todos os brasileiros. Por isso precisamos deixar as simplificações de lado e encarar o problema como um todo. É chegada a hora de repensar se apenas o fortalecimento de programas de transferência de renda será suficiente para erradicar a miséria e reduzir as desigualdades. Devemos reconhecer os limites de atuação dos governos federal, estadual e municipal, mas não podemos usar isso como desculpa. Passamos da hora de discutir uma política educacional eficiente, uma política de saúde pública certeira e fincar as bases rumo ao desenvolvimento com liberdades individuais bem estabelecidas e garantidas.
Alexandre Grenfell é economista pela FMU
As opiniões aqui emitidas são de responsabilidade dos autores
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