Você no terraço | por Estado Mínimo
Donald Trump foi eleito o novo presidente dos EUA. Numa campanha recheada de acusações, reviravoltas e nervos à flor da pele, Trump se destacou por adotar uma retórica protecionista, anti-globalização e anti-imigração. No país conhecido por sua tradição de defesa da economia de livre mercado, do comércio internacional e da abertura[1], como pôde um candidato com esses ideias fazer tanto sucesso? A resposta está no maior fenômeno das últimas décadas: a globalização.
Entendendo a globalização
A globalização teve seu auge no período de 1989 (com a queda do muro de Berlim) a 2008 (com a crise do subprime americano). De lá para cá, o mundo experimentou rápido crescimento econômico, queda expressiva das tarifas e barreiras não-tarifárias, liberalização dos mercados, celebração de centenas de acordos de livre-comércio, bem como uma redução da pobreza jamais antes vista em toda a nossa história.
Entretanto, esses benefícios não foram iguais para todos. Veja no gráfico abaixo:
O gráfico mostra o crescimento real acumulado da renda de diversos percentis da distribuição de renda global, desde 1988 até 2008. Note como os grandes vencedores dos anos de ouro da globalização foram os pobres e a classe média global, bem como os muito ricos.
Os primeiros, por óbvio: bilhões de pessoas na Ásia e na América Latina experimentaram rápido crescimento econômico nesses 20 anos. Como resultado, mais de um bilhão de pessoas saíram da pobreza absoluta nesse período, de tal sorte que já se espera (sob determinadas condições de crescimento, claro) o fim da pobreza em escala global.
Ademais, com a expansão global de seus negócios, entrando em países onde o custo de produção é menor, os mais ricos conseguiram se aproveitar de imensos ganhos de escala.
Porém, note outra coisa: veja como aqueles localizados na faixa 80-90 observaram ganhos quase inexistentes em suas rendas; afinal, quem são essas pessoas? Esses indivíduos representam, exatamente, a classe média dos países ricos. Bingo!
O fenômeno Trump
É justamente esse pouco ganho de renda, aliado ao deslocamento de empresas, empregos e investimentos para países mais baratos (offshoring) , que ocasionaram esse descontentamento da classe média dos países desenvolvidos com a globalização.
Não à toa, uma das principais acusações é de que a globalização promove desemprego – algo que não conta com embasamento empírico. A isso, Frédéric Bastiat deu o nome de a falácia do visto e do não-visto. O que é visto é, por exemplo, os americanos que perderam o emprego no setor de manufatura para trabalhadores chineses mais baratos. O que não é visto, porém, é que essa mudança – além de, obviamente, beneficiar os tais trabalhadores chineses – também beneficia os americanos, que agora podem adquirir produtos com preços mais baixos.
As empresas americanas, por suas vezes, passam a enfrentar essa maior concorrência externa, sendo forçadas a se tornarem mais competitivas e eficientes. As companhias velhas, improdutivas e ultrapassadas, dão lugar a empresas mais novas, mais eficientes e inovadoras. Ganha-se em produtividade e em qualidade de vida. Os dados não mentem: hoje, apenas 9,6% da população mundial vive na situação de pobreza absoluta, contra 37,1% em 1990.
Todavia, como fica evidente, os ganhos são difusos, espalhados entre a grande maioria invisível, enquanto os custos são concentrados e sentidos por aqueles que perderam seus empregos.
Como dito, Trump se elegeu com um discurso contra o livre-comércio, acusando principalmente o México (via NAFTA) e a China de “roubarem” empregos americanos. O que ele não nos conta é que, como mostram os dados, os maiores beneficiários do livre-comércio são, justamente, os mais vulneráveis, já que estes consomem mais bens “transacionáveis”.
Um estudo recente do Peterson Institute for International Economics avaliou as políticas comerciais de Trump sob diferentes cenários, e os resultados encontrados não foram nada animadores: sob o cenário mais caótico (definido pelos pesquisadores como full trade war, onde os EUA impõem grandes tarifas e são retaliados na mesma proporção), o PIB americano sofreria uma queda de 0,1% em 2019, com o desemprego atingindo um pico de 8,6% no ano seguinte. Os estados mais afetados, em termos de perda de emprego, seriam, na ordem: Washington, California, Massachusetts e Michigan.
Imigração
Outro ponto importante da candidatura de Donald Trump foi a imigração. Ele acusa o México, por exemplo, de enviar estupradores, traficantes e bandidos aos EUA. Além disso, acusa imigrantes muçulmanos de serem terroristas e/ou ligados, de alguma forma, ao Estado Islâmico. Também diz que os imigrantes roubam os empregos e diminuem os salários do povo americano.
Analisando a composição da população americana, nota-se que, de fato, os EUA têm consideravelmente mais imigrantes do que outros países (e bem acima da média global). O que o discurso de Trump não revela é que isso não é algo ruim. Estudos revelam que, na verdade, os ditos “nativos” se beneficiam da imigração, inclusive em termos de salário. Afinal, os imigrantes que entram nos EUA não são substitutos perfeitos da mão de obra americana; são, na verdade, complementares aos trabalhadores americanos. Além dos imigrantes serem contribuintes líquidos (i.e. contribuem mais do que recebem impostos), a entrada deles promove uma melhor alocação de recursos, beneficiando a produtividade média da economia.
ConclusãoO que elegeu Donald Trump foi seu discurso de apelo àqueles que pouco ganharam com a globalização, nos EUA: a classe média do país, formada majoritariamente por brancos. Essa tese encontra sólida aderência aos dados e à evidência histórica.
Entretanto, é preciso lembrar da transição demográfica pela qual os EUA passam: hoje, o país é de maioria branca, coisa que deverá mudar nas décadas à frente. Como resultado, o populismo focado na parcela branca da população deverá render cada vez menos frutos eleitorais.
Não por acaso, o Partido Republicano (GOP) tentou, ao longo de suas primárias, se caracterizar como “o partido da diversidade”, já que contava com candidatos de origem latina, imigrantes, mulheres e negros. Foi o caso, por exemplo, de Jeb Bush e Marco Rubio, famosos no estado da Flórida (conhecido por sua influência latina), assim como Ted Cruz, descendente de imigrantes, Ben Carson, negro, e Carly Fiorina.
O futuro da maior potência global dependerá da capacidade de Trump de colocar suas políticas em prática. Caso ele consiga, os EUA experimentarão uma antítese daquilo tudo que sempre fizeram e que rendeu tão bons resultados.
Aperte o cinto, caro leitor: o mundo passará por mudanças profundas.
Notas
[1] http://www.economist.com/news/leaders/21702750-farewell-left-versus-right-contest-matters-now-open-against-closed-new