Você no Terraço | por Mariano Andrade
O governo FHC consolidou a estabilidade da moeda e institucionalizou o tripé econômico de meta inflacionária, regime de câmbio flutuante e equilíbrio fiscal. Ou seja, trouxe enormes benesses de longo prazo para o Brasil. Certo? Não necessariamente: a foto pode ter sido boa, mas o filme não é.
A gestão da economia dos mandatos de FHC, capitaneada por Pedro Malan na Fazenda, atacou o problema fiscal com uma cartilha simples – aumentar impostos para cobrir qualquer rombo. Malan tirou vários esqueletos fiscais do armário, é verdade. Mas aproveitou o ensejo para aumentar grosseiramente os impostos, instituindo um pretenso fiscalismo: gasto mais, mas fecho as contas aumentando as receitas. É o mesmo que o trabalhador jantar todos os dias num restaurante chique e, no fim do mês, conseguir que o patrão aumente seu salário para que termine o mês no azul. Obviamente isso não existe no setor privado, e o fiscalismo de Malan e FHC foi uma falácia que passou ao largo da imprensa especializada.
De forma a garantir o aumento de receitas, Malan e sua equipe informatizaram a arrecadação, tornando a secretaria da receita federal extremamente eficiente. Criaram, de fato, uma máquina de coletar impostos.
As estatísticas diferem conforme fonte e metodologia, mas durante a gestão FHC, a carga tributária aumentou de aproximadamente 28% do PIB para cerca de 33%. Mesmo considerando que parte disso veio da redução da evasão fiscal – fruto da maior eficiência na arrecadação – trata-se de uma enormidade. Deveríamos ter tido um upgrade nos serviços públicos para níveis nórdicos, mas infelizmente isso não aconteceu.
Os mais otimistas poderiam seguir argumentando que a foto era boa. Afinal, o equilíbrio fiscal era necessário.
Mas o filme é péssimo. Malan notabilizou a noção de que disciplina fiscal é aumentar impostos. Com sua credibilidade, tornou auspicioso ao mercado o fatídico entendimento de que aumentar o tamanho do estado é o caminho para a estabilidade. Errado! O estado deve ter o menor tamanho possível para prestar os serviços que lhe cabem: educação, saúde e segurança.
A foto virou filme, e o fato é que os sucessores de Malan – Palocci e Mantega – abraçaram a fórmula de “fiscalismo com o dinheiro dos outros” e fizeram uso prolífico dela. Na era PT, atingimos arrecadação de cerca de 37% do PIB e ainda não paramos.
O filme fica ainda pior, pois outro legado da era FHC foi a emenda da reeleição. O esforço para aprová-la comprometeu a pauta do Congresso e a aprovação de reformas que eram urgentes e que, até hoje, patinam na agenda política. FHC teve que fazer concessões a diversas bancadas para angariar apoio à reeleição, comprometendo capital político e dotação orçamentária. Conseguiu. Mas, no desenrolar do filme, quem mais se beneficiou do instrumento da reeleição foi o PT…
O governo de FHC também nos deixou a Lei de Responsabilidade Fiscal. Na foto era uma formosura, pois limitava os gastos de municípios, estados e união. Quando virou filme, foi um desastre: os políticos brasileiros não são afeitos a cortar desembolsos, especialmente tendo recebido o presente de poderem concorrer à reeleição enquanto controlam a máquina pública. Com a vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, a saída para fazer frente a esta nova “necessidade orçamentária” foi… aumento de impostos!
A sinopse do enredo é: FHC criou uma máquina arrecadadora e a entregou para o PT, que soube usá-la para financiar programas de transferência de renda e se reeleger duas vezes com base neles. Filme de terror…
Hoje, com Levy, o país enfrenta mais um ajuste fiscal, novamente sendo conduzido com a fórmula de aumentar impostos. Vamos novamente pelo caminho errado, aumentando um estado que já ultrapassou o status de paquidérmico. Estamos assistindo ao governo ter níveis altíssimos de tributação sem conseguir poupar ou investir em infraestrutura, à classe média ser destruída com a compressão de renda discricionária e, no fim da linha, ao Banco Central aumentar juros sem que haja inflação de demanda. A economia está congelada: aumentar impostos neste momento é o mesmo que pegar um paciente com falta de ar e tapar-lhe nariz.
Não se engane, leitor: a recente queda na arrecadação deve-se à retração da economia. O apetite arrecadador do governo em nada arrefeceu.
O Brasil precisa viver seu momento supply-side, seu plano Reagan. O caminho é cortar impostos, reduzir a arrecadação de curto prazo e as despesas do governo. No nosso caso, isso seria bastante benéfico, obrigando uma racionalização do escopo dos planos sociais e o redimensionamento das despesas correntes do governo. E, no médio e longo prazos, colheríamos os bons frutos. Teríamos novamente um ambiente viável para investimento, inovação, produção e trabalho, sem que o governo seja sócio majoritário em tudo.
Muda o filme, Levy!
Mariano Andrade é engenheiro pela PUC-RJ e sócio da Polo Capital