A racionalidade das escolhas: políticas econômicas para crescer e qualidade dos gastos públicos (parte 2)

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No meu texto anterior, relatei a primeira parte do evento realizado no Insper sobre temas atuais da economia brasileira. Naquele bloco, discutiu-se o tema da produtividade e como algumas medidas do governo (ou falta delas) a tem afetado. Agora, nessa segunda parte, o foco será a qualidade dos gastos, passando principalmente pelo funcionalismo publico e a educação.

Diferentemente do primeiro bloco, no qual José Alexandre Scheinkman expôs sua apresentação sozinho, esse bloco foi estruturado por meio de um “bate bola” entre Ricardo Paes de Barros (também conhecido como PB) e Ana Carla Abrão com a mediação do prof. Mauro Rodrigues. PB é professor do Insper, possui Pós-Doutorado na Universidade de Chicago e de Yale e poucas pessoas sabem tanto quanto ele no campo de desigualdade social, educação, pobreza e mercado de trabalho no Brasil e na América Latina. Já Ana Carla Abrão, por trabalhar na Secretária da fazenda do governo de Goiás, contribui ao debate dando informações de como são estruturadas as políticas sociais e contando um pouco dos desafios de realizar o ajuste fiscal no governo de Goiás atualmente.

– funcionalismo público

Para começar o debate, Mauro Rodrigues pergunta aos participantes: como gastar com eficiência, ou seja, como gerar mais resultados com menos recursos? Quem responde é Ana Carla que relata sua experiência no governo de Goiás. No estado goiano, os gastos com pessoal são cerca de 75%, deixando os 25% restantes para saúde, educação, serviço da dívida etc. Além de ser o maior, o gasto com a folha salarial tem vários problemas no sentido de poder ser ajustado, pois o funcionário público é concursado e não pode ser demitido, recebe salário altíssimo (muitos já cortados pelo teto salarial) e tem direito de recomposição salarial (reajustes pela inflação) garantido pela Constituição.  Portanto, produzir o mesmo, gastando menos é impossível.

Por outro lado, produzir mais gastando o mesmo também é difícil, porque o incentivo  do funcionário público para aumentar sua produtividade é quase nulo: estabilidade no trabalho, proibição de pagar bônus por produtividade em algumas atividades (e mesmo que recebesse os salários já são altos) e falta de mensuração de resultados (muitos funcionários não batem ponto, por exemplo).

Apesar de o relato ser em Goiás, ela afirma que vários outros estados têm o mesmo problema. A grande questão para a secretária da Fazenda, é que o ajuste fiscal no país tem que passar por esses problemas dos estados, que cada vez têm menos recursos para oferecer serviços básicos para a população, porque gastam cada vez mais em pessoal.

Para fechar esse tópico, PB comenta que o problema não é o tamanho do gasto com pessoal em si, mas o avanço desse gasto em relação à economia como um todo. Como o governo é um prestador de serviços, é natural que ele seja intensivo em mão de obra e que o gasto com pessoal seja realmente maior que os outros custos. No entanto, a inflação da folha salarial do setor publico é maior que a inflação do custo de produção do resto da economia. À medida que a economia enriquece, os salários dos professores, dos policiais etc crescem mais que a produtividade física da economia. Isso acaba aumentando o custo relativo e sem que haja aumento de impostos em relação ao PIB, as contas não fecham. Os países todos, não só o Brasil, têm de lidar com esse problema para os próximos anos.

– educação

Já entrando em outro tema, PB começa a falar sobre educação mostrando um fato curioso. O Índice de Gini (que mede a desigualdade salarial) dos professores de rede pública do Ensino Médio é 0,32 [1], número tão baixo quanto o de ocupações manuais muito pouco diferenciadas. Isso quer dizer que o tipo de serviço do professor de rede pública é tão homogêneo quanto de um capataz de obra ou um lanterneiro de automóvel. O que PB quer mostrar com isso é que há uma trava de meritocracia para que o professor seja mais produtivo. Alguma estrutura de incentivos parece ser necessária na educação.

No entanto há um problema. Estudos feitos pela Academia Nacional de Ciências dos EUA mostram que programas de incentivo ao professor para ensinar melhor fazem com que o estudante mediano (percentil 50) de uma escola onde existem esses incentivos estaria no percentil 53 de uma escola idêntica sem esses incentivos, ou seja, o ganho é muito, muito pequeno. O resultado chega a ser decepcionante. A conclusão desses estudos é que, apesar de ser óbvio que é importante ter um sistema de incentivos, o seu desenho é muito complicado, porque a mensuração de resultados é muito difícil de ser feita (você não consegue observar aquilo que precisa ser observado no momento certo). E ainda não há uma pratica totalmente correta desse sistema no mundo para que possamos copiar.

Outra forma de aumentar a eficiência na educação, aponta PB, seria contratar o setor privado para realizar o serviço. Quem contrata os professores é o setor privado, que acaba promovendo os incentivos corretos para que o sistema funcione, cabendo ao governo apenas fiscalizar a qualidade do ensino.

Nesse ponto, o problema novamente é a experiência mundial. Vários países seguiram esse caminho, mas nem todos tiveram os mesmos resultados. Na Holanda e Suécia, por exemplo, o sistema é provido pelo setor privado, mas ninguém paga nada, ou seja, um serviço público, mas não estatal. O gráfico abaixo mostra o avanço do desempenho da Suécia em Matemática de 2000 a 2012 no ultimo relatório do PISA [2]:

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Apesar de o Brasil ainda estar entre os piores países no mundo em Matemática, foi o que mais progrediu. Já na ponta oposta, está a Suécia, que privatizou suas escolas.

Entretanto, o professor reitera que o caminho é esse: desestatizar a educação, que a princípio nunca precisou ser estatal (apenas pública). Ele cita como exemplo que não há como o governo de São Paulo gerenciar 200 mil professores. O governo terá que contratar agentes que proverão esse serviço, mas controlando a qualidade do ensino.

Outro ponto que PB toca, é a qualidade do professor dentro de uma mesma escola. O fato de um professor ser bom ou ruim acarreta no aprendizado do aluno. No entanto, as famílias não parecem se importar com isso; apenas se importam se a escola é boa ou não. Para esclarecer seu argumento, ele citou exemplos como a escolha de um médico para realizar uma cirurgia e a de um advogado para realizar uma defesa. Essas escolhas são feitas com cuidado, porque, uma vez feita, não há ponto de retorno. Com o professor deveria ser a mesma coisa, pois a criança só terá aquela idade para aprender aquela matéria naquele ano. Há um prejuízo permanente se ela pegar um professor ruim.

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Portanto, se as pessoas tivessem consciência desse prejuízo, haveria uma pressão social contra os professores ruins, e isso, por si só, já faria com que o professor fosse melhor, mesmo sem aumentar a remuneração. Muitos professores que poderiam dar aulas boas simplesmente não dão, porque não tem incentivo para isso.

Outra questão que é frequente no debate de educação pública é se somos bons para ensinar. Nesse quesito entra a diferença entre capacitação e habilidade. Um professor que academicamente é brilhante pode ser um péssimo professor. Em outras palavras, ele pode ter a capacidade, mas não tem a habilidade de ensinar. Além disso, experiência mostra que pagar mais apenas por profissionais com melhores diplomas não resolve. Então, temos um desastre educacional no Brasil porque ninguém sabe ensinar? Teremos que importar profissionais para darem aulas?

Para responder a essas perguntas, PB mostra alguns dados:

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O gráfico acima mostra todas as escolas brasileiras relacionando o nível socioeconômico dela com a sua nota no IDEB [3] no Ensino Fundamental. O que o professor destaca é que a escola Maria Leite de Araújo, que fica em Brejo Santo (tríplice fronteira entre Ceará, Paraíba e Pernambuco), município que tem apenas como renda per capita R$ 270,00, tem uma nota no IDEB maior que 7. O nível de educação da Europa é equivalente a nota 6.

Maria Leite de Araújo poderia ser um ponto fora da curva, mas pegando todas as notas das escolas de Brejo Santo, a média da cerca de 5,5, quase a da Europa.

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Esses dados mostram que tem gente que sabe fazer educação no Brasil. E esses dados são públicos. A prefeitura de Brejo Santo até cita em sua página virtual que a melhor escola pública é a Maria Leite de Araújo. Se perguntarem a essa escola o que fizeram, eles contam que só fizeram coisas básicas, como prover livros, demitir professor que não aparece etc. No entanto, apesar de suas práticas serem boas e simples, não são difundidas para as outras escolas. O MEC sequer menciona Brejo Santo em sua página.

A conclusão que se chega é que temos pessoal qualificado para ensinar no Brasil. As práticas estão aí e são simples, nada perto de ser uma ciência espacial. Basta copiá-las.

O que o professor quer dizer com tudo isso é que nosso sistema educacional é um sistema estatal, onde as melhores ideias não são difundidas e não há incentivo de ninguém copiar ninguém. O resultado só pode ser um sistema totalmente ineficaz.

O tempo desse bloco tinha terminado, mas percebe-se que há muita coisa a ser feita, algumas mais fáceis, outras mais difíceis de serem implementadas, mas todas factíveis. O governo tem as ferramentas, basta querer usá-las em pequenos experimentos e ver se o caminho está certo.

obs1: todos os gráficos foram tirados da apresentação do Insper

obs2: há um terceiro bloco que deixarei para o próximo texto (esse já está muito grande), onde Marcos Lisboa e Bernardo Guimarães falam um pouco de como é feito política econômica no Brasil.

china

link da apresentação: http://livestream.com/insper/A-racionalidade-das-escolhas

[1] Quanto mais próximo o Indice de Gini for de 1, mais desiguais são os salários. Pelo lado oposto, quanto mais próximo de 0, mais iguais são os salários.

[2] Programme for International Student Assessment

[3] Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

Victor Wong

Mestrando pela Escola de Economia de São Paulo da FGV. Já trabalhou no mercado financeiro na área de Pesquisa Econômica. Interessa-se pelas questões fiscais e monetárias, além do fator político de cada uma das decisões tomadas no âmbito nacional e internacional. Em outras palavras, a "macro" é com ele! Porém, bons argumentos nem sempre são suficientes para ganhar discussões. Dessa forma, utiliza-se de suas (poucas) habilidades de barman para embriagar as contrapartes: nada como saber o ponto fraco de seus adversários. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2015.

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