Do ponto de vista ideológico, sempre me posicionei naquele espaço mais ou menos impreciso da social-democracia, um espaço suficientemente abrangente em que cabem mercado e Estado, liberdades individuais e progressismo, bem-estar e competição. Na geografia ideológica, o território da social-democracia compartilha o continente político na fronteira do centro – à esquerda, porém. Se estivesse nos Estados Unidos, seria um liberal; aqui no Brasil, sou um petralha esquerdista mortadela ralé. Infelizmente, o debate ideológico brasileiro de hoje só admite o vocabulário do extremismo.
Acompanhar o cenário político atual a partir da centro-esquerda é duplamente melancólico. De um lado, há a discordância ideológica com a inclinação política hoje majoritária – penso que a participação do Estado na economia é indispensável para civilizar e qualificar a competição mercadológica, inclusive para corrigir imperfeições eventuais no ambiente de competição (o Estado regulador). Não só isso, o Estado exerce uma legítima faculdade de redistribuição de renda e promoção de bem-estar social, e que deve ser exercida, evidentemente, dentro dos limites incontornáveis da responsabilidade fiscal e da eficiência dos gastos.
A discordância ideológica, no entanto, é o eixo fundamental que arquiteta as instituições da democracia, de sorte que reconhecer a pluralidade de inclinações políticas é o mais contundente testemunho de cidadania. Se a maioria eleitoral de 2018 escolheu um projeto de país do qual discordo, cabe a mim o papel legítimo e indispensável de vigilância democrática.
A despeito disso, é o extremismo bolsonarista que assusta minha tendência ao centro político, principalmente quando sufragado pela maioria inconteste do eleitorado. Jair Bolsonaro, na condição de presidente eleito, personifica as mais urgentes pretensões e anseios da população, e eu lamento por isso. Lamentaria, com igual intensidade, uma vitória da extrema esquerda, pela simples razão de reconhecer no centro ideológico – à esquerda ou à direita – o espaço privilegiado para a gestação de consensos mínimos, o pressuposto para qualquer projeto razoável de nação.
O extremismo, qualquer que seja sua configuração ou tonalidade, aprisiona os adversários em uma jaula de ódio e incomunicabilidade, prejudicando, ou mesmo impedindo, o engajamento comum – não um ideal ingênuo de harmonia e concórdia na distopia da unanimidade, mas a submissão dos conflitos ao imperativo da institucionalidade. Sendo improvável que os antípodas compartilhem a mesa da civilidade, que seja o centro democrático o espaço de convergência possível para um projeto republicano de nação.
Nas eleições, o radicalismo submeteu as paixões nacionais à ditadura da polarização. Agora que a tempestade consentiu uma mirada sobre o horizonte – ela não passou, mas talvez tenha amenizado –, é hora de as fileiras do centro se projetarem no debate político. É indispensável, portanto, que os brasileiros do centro democrático verbalizem os consensos mínimos que a institucionalidade republicana determina – não só o respeito ao resultado das eleições, mas o compromisso com exercício estritamente constitucional dos cargos eletivos.
Nosso dever para com o país, é o de resgatar o debate político do pântano extremista em que a radicalização eleitoral o atolou, de modo que o Brasil retome uma agenda positiva de prosperidade econômica e distribuição de renda, os verdadeiros desafios civilizacionais que o horizonte político reclama. No final do dia, o silencioso centro democrático deve assumir para si a responsabilidade histórica e urgente de conduzir as paixões para a trilha da constitucionalidade, a única que atravessa as margens do progresso. A agenda do desenvolvimento econômico, social e democrático passa necessariamente pela defesa apaixonada das instituições, e todo progressista deve gritar esse dever de cidadania.
Felipe Eduardo Lázaro Braga