His financial system is a work of genius, I couldn’t undo it if I tried, and I tried – Thomas Jefferson
He took our country from bankruptcy to prosperity. I hate to admit it, but he doesn’t get enough credit to all the credit he gave us – James Madison [1]
Para os não aficionados por história econômica, história norte-americana ou mesmo musicais da Broadway, o destaque a um dos personagens da independência dos EUA (conhecidos como founding fathers) no longínquo século XVIII pode parecer estranho. Porém, a verdade é que a vida política e o legado econômico construído por Alexander Hamilton têm muito a nos ensinar, mesmo a quilômetros e séculos de distância.
Pedindo perdão ao pleonasmo, comecemos do começo. Nascido em Charlestown (Caribe) e morto com apenas 49 anos em Nova Iorque, no então recém independente Estados Unidos da América, Hamilton pode ser caracterizado por muitos aspectos de sua vida: imigrante, militar e herói de guerra, pai de 8 filhos, acadêmico, advogado, autor dos documentos históricos Federalist Papers [2] ou mesmo um dos pais da Constituição dos EUA. Mas é seu trabalho como Secretário do Tesouro norte americano que nos traz aos dias atuais.
A convite do primeiro presidente dos EUA, George Washington, Hamilton fora o primeiro secretário do Tesouro norte-americano, ocupando a posição no conturbado período entre 1789 e 1795. Enquanto no campo militar os anos que se seguiram à guerra de independência dos EUA foram marcados por relativa calmaria após a retirada completa das tropas britânicas do continente, no campo político-econômico, a tarefa de construir uma nova nação provou-se mais difícil do que imaginado por muitos dos que a planejaram nos campos de batalha.
Agora independentes, não era preciso apenas definir uma Constituição estabelecendo direitos e deveres de cada cidadão e Estado Federativo. A antiga colônia deveria também determinar como passaria a reger as finanças da nova nação, além de reerguer seu fraco estado após anos de dispêndio com uma guerra da qual saíram vitoriosos, porém, falidos. Não pense você, leitor, que ir à guerra em 1780 era tão diferente do que fazê-lo nos séculos XX ou XXI – em sentido estritamente econômico. Com trincheiras, bombas nucleares, drones ou cavalos, Estados invariavelmente recorrem ao bom e velho bolso interno e externo para financiar suas causas. Brigar custa caro.
Para Hamilton e seus contemporâneos Founding Fathers não fora diferente. Ao longo dos anos em que se estendeu a guerra contra a terra do Rei George, o Congresso Continental e os Estados Federativos da então colônia financiaram os gastos de sua independência a partir da emissão de títulos públicos. Para o pagamento destes, que não poderiam ser de muito longo prazo devido tanto ao risco atrelado ao conturbado cenário político quanto à incipiência do sistema financeiro-bancário, o Congresso ou os Estados emitiam papel moeda. Porém, a medida em que a situação da guerra deteriorava-se, o preço do financiamento subia, uma vez que a percepção quanto ao risco de derrota e um possível calote tornavam-se mais latentes.
Para cumprirem com suas obrigações, mais papel moeda era requerido . O resultado é um velho conhecido de nós brasileiros: o descontrole inflacionário. Afinal de contas, quanto mais dinheiro em circulação, menor o valor dele.
Ao fim dos anos de 1780, a situação tornou-se tão preocupante que uma unidade monetária conhecida como “Continental” virou medida de piada (ele não vale nem um continental) e George Washington resumiu o estado das finanças norte-americanas da seguinte maneira: um caminhão cheio de dinheiro não é capaz de comprar um caminhão cheio de suprimentos [3]. Inflação pura e simples.
Foi então que Hamilton desenhou um novo plano financeiro para o país. Com base na criação de um banco de alcance nacional (que seria então chamado de Primeiro Banco dos Estados Unidos), Hamilton propôs a centralização do crédito nacional, de modo que o governo federal assumiria as dívidas estaduais até então pulverizadas e desiguais entre os Estados Federativos.
O objetivo do então Secretário do Tesouro? Honrar cada centavo da dívida contraída e tornar o crédito norte-americano competitivo. Em suas palavras, pagar os credores da guerra era o preço da liberdade. Em longo ensaio apresentado ao Congresso, Hamilton também frisava que estabelecer e manter uma dívida nacional, cuidando para que esta não se torne excessiva, será uma dádiva, a base para a prosperidade econômica da nação [4]. Era preciso garantir a solvência intertemporal das finanças da nascente potência.
É claro que a história de Hamilton e do sistema financeiro norte-americano como conhecemos hoje não termina aí. Hamilton enfrentou ferrenha oposição após a saída de George Washington, seu Primeiro Banco fora extinto (sem, entretanto, deixar de servir como principal base para o atual FED, estabelecido em 1913) e seu maior opositor político o matou em um duelo à beira do Rio Hudson. Porém, pedimos licença para extrairmos deste exato ponto o paralelo à realidade brasileira de hoje – e infelizmente de amanhã também, se nada for feito.
Estabelecer um crédito nacional competitivo e uma dívida sustentável e não excessiva, para que esta sirva de base para a prosperidade econômica. Qualquer dissociação com o cenário recente brasileiro não é mera coincidência.
O Brasil de hoje enfrenta o mesmo debate que os Estados Unidos de mais de 200 anos atrás. Da mesma maneira em que Hamilton lutou pelo estabelecimento de uma base sólida para garantir não somente a independência, mas também a credibilidade e consequente prosperidade da economia norte-americana, nós lutamos hoje pela solvência fiscal e pela garantia da retomada do crescimento sólido e sustentável.
Nos últimos 3 anos, a dívida brasileira cresceu mais de 10 pontos percentuais em relação ao PIB, atingindo os 72%, segundo dados do Banco Central do Brasil – fruto principalmente da guinada na política fiscal ao final do segundo mandato de Lula e do verdadeiro descontrole fiscal dos anos de Dilma Rousseff.
Felizmente, entretanto, o Brasil finalmente dá os primeiros passos na direção de um arcabouço institucional capaz de garantir o pagamento de seus credores. Como ilustrado no gráfico abaixo, a trajetória da dívida pública hoje pode não ser mais considerada insustentável, já sendo possível vislumbrar um ponto de inflexão em que o crescimento dá lugar à queda. Diferindo de cenários vislumbrados há dois anos atrás, podemos até arriscar destacar a inexistente probabilidade de um calote.
O grande marco desta mudança de trajetória foi a aprovação da medida que ficou conhecida como o teto de gastos. A emenda constitucional 55 limita a zero o crescimento real dos gastos do governo por um máximo de 20 anos (com revisão prevista quando completar 10), tendo sido essencial para a mudança nas expectativas do crescimento da até então explosiva dívida pública brasileira. Porém, sozinha ela não será o suficiente. Como já abordado por um dos autores deste texto, a reforma da previdência é agora um segundo passo essencial para que se alicerce a confiança em nossa trajetória fiscal. Na ausência desta, a credibilidade dará lugar à incerteza, e o governo se verá obrigado a cortar despesas essenciais, como saúde, educação e segurança pública.
E o que o teto de gastos ou a reforma da previdência tem a ver com a dívida e a filosofia hamiltoniana? Tudo. Lembre-se da hiperinflação temida por George Washington, e a luta de Hamilton por uma dívida unificada e crível. É exatamente a partir do controle do crescimento dos gastos do governo que será garantida a credibilidade da dívida pública brasileira, provendo as mesmas bases corretamente diagnosticadas e tão almejadas por Hamilton para uma economia saudável e próspera.
Torçamos então para que o Brasil abrace a filosofia Hamiltoniana e continue a honrar seus compromissos e garantir a seus credores (cuja grande maioria é o próprio povo brasileiro) que o Estado se manterá solvente e a funcionar em prol da nação. Mas é bom frisar: atenham-se ao Hamilton, pois a julgar pelas últimas trapalhadas de Trump no terreno fiscal, melhor ficarmos nos aprendizados de nossos companheiros do norte do século XVIII. Afinal, talvez a maior lição da história seja mesmo de que ninguém aprendeu as lições da história [5].
Rachel Borges de Sá, editora Terraço Econômico
Victor Candido, editor Terraço Econômico
Referências
[1] Frases em licença poética atribuídas a Thomas Jefferson e James Madison em Hamilton, An American Musical, Lin-Manuel Miranda, 2016
[2]Federalist Papers foram uma série de 85 ensaios de autoria de Alexander Hamilton, James Madison e John Jay elaborados em defesa da recém elaborada Constituição dos EUA e publicados no Independent Journal em 1787.
[3]Tradução livre, Arquivo The Museum of American Finance
[4] Tradução livre, The Report on Public Debt, 1790, Arquivo The Museum of American Finance
[5]Frase atribuída à Aldous Huxley