Você no Terraço | por Rafael Kasinski
Tenho um amigo fascista. Pronto, falei. Pior: além de fascista, ele é católico fervoroso posta no Face orações à Santa-não-sei-das-quantas e gosta de dizer que deus gosta dele mas não de mim, já que, ateu e libertino, hei de arder no inferno. E vai além: como bom fascista, adora armas, acha que bandido bom é bandido morto (mas apenas depois do Suplício, claro), considera a Itália de Mussolini uma excelente oportunidade perdida, e tem pouco paciência para quem discorda dele. Pensando bem, tenho dois amigos assim, o outro sendo menos religioso, mas abertamente racista e homofóbico.
Nos tempos de hoje, é considerado um crime lesa-humanidade dar-se com pessoas dessa estirpe. Esses meus amigos são, segundo muitos dos posts que vejo no Facebook, pessoas que nem aspas na palavra “pessoa” deveriam ter. Em primeiro lugar porque o fascismo é uma doutrina odiosa (o que não deixa de ser verdade); em segundo lugar, porque quem preza pela razão e pela sensatez (gosto de pensar que me incluo nesse grupo) não deveria chegar a 100m dos discípulos de Mussolini e Franco.
Aqueles que na minha Timeline condenam fascistas e seus amigos tendem a denominar-se “de esquerda”. Dizem saber o que é melhor para o Povo Brasileiro; são experts no receituário do rumo ao Paraíso. Chuto que menos de cinco porcento já leu as grandes obras do pensamento “de esquerda”; sabem citar Marx porque viram um pôster no CA da de alguma faculdade, ou talvez porque leram o Manifesto da Liga Comunista enquanto no cursinho, pensando que tratava-se de um livro (é um panfleto).
São também ferozes e argutos críticos culturais: sabem (é, segundo eles, um fato), que na mídia conservadora brasileira não há um pensador que valha a pena ler ou ouvir, e entendem que o último grande compositor brasileiro foi Chico Buarque, já que ele não mudou de lado, entregando-se ao Grande Capital (ou capital financeiro, tanto faz), como o fizeram Caetano e Lobão.
Dotados da mais pura vontade de fazer o bem, tornaram-se também economistas e financistas: leram na faculdade metade do primeiro capítulo de O Capital Vol. 1, viram The Corporation e algum documentário de Michael Moore e constataram: o Capital é o Armageddon como mercadoria. Tão certos estavam de suas convicções que nunca se deram ao trabalho de ir além desse curso intensivo: deram-se por satisfeitos acompanhando os pronunciamentos de importantes filósofos como Marilene Chauí e destacados jornalistas como Luis Nassif. Passaram a considerar o estudo da Teoria de Preços como passé: para quê tanto trabalho quando a pensamento de Maria Rita Khel já bastava para ilustrar o funcionamento do mundo? Para que dar-se ao trabalho de ler Milton Friedman, Murray Rothbard ou Thomas Sowell quando uma resenha positiva qualquer (qualquer uma mesmo, literalmente) a respeito da Teoria Geral de Keynes já parecia o suficiente?
Aqueles que corretamente condenam meus amigos fascistas de serem não razoáveis, de trabalharem com a ignorância (e por vezes o ódio) como carro chefe de suas propostas, estão agora, nessas eleições, fazendo exatamente a mesma coisa que seus proclamados inimigos.
Não que o façam por mal: a esquerda mundo afora proclama-se disposta a corrigir os males deste mundo, e tem em seu histórico conquistas importantíssimas. Foi a esquerda que trouxe ideias importantes à tona ou a imaginação popular, como guerra de classes (que de fato existe), exploração do trabalho, desigualdade de renda e riqueza como perigosos, a necessidade de acesso universal à saúde e à aposentadoria e o fim do trabalho infantil, para citarmos apenas alguns exemplos. E foi a esquerda, naquilo que é provavelmente sua conquista mais importante, que humanizou e racionalizou discursos a respeito de classe, raça e etnia, sexo e orientação sexual. Não fosse a esquerda, em especial a Nova Esquerda estadunidense, dificilmente vislumbraríamos o casamento entre raças, credos e pessoas do mesmo sexo; em parte por causa dela, talvez cheguemos ao dia em que não mais falaremos de raças e sexo, mas apenas de pessoas.
Contudo, essa mesma esquerda cometeu equívocos épicos. O maior deles talvez tenha sido a ideia de que força de vontade e boas intenções podem resolver qualquer problema e solucionar qualquer embate. Podemos, inclusive, usar um exemplo recente e ainda em curso, alvo preferido dos colunistas apocalípticos conservadores do Brasil e ex-darling da esquerda nacional: a Venezuela. A esquerda de lá tomou o poder porque Chavez e seus apoiadores prometiam acabar com as desgraças que abatiam a sociedade venezuelana. À época, tratava-se de um país com mais de 60% da população abaixo da linha da pobreza, uma minúscula elite que se eternizava no poder através de dois partidos fajutíssimos, e um histórico de oportunidades históricas jogadas no lixo. Tanto quando tentou um golpe como quando em campanha, Chavez prometeu tirar a maioria dos venezuelanos da invisibilidade e dar-lhes não só dignidade como oportunidade. Em parte, atingiu alguns de seus objetivos, mas deixou ao seu torpe sucessor e ao país uma economia em frangalhos. Não respeitou minimamente conceitos básicos de economia, como prudência fiscal, diversificação de exportações e atenção à políticas monetárias. Por fim, numa atitude tipicamente esquerdista, depositou sobre seus inimigos e desafetos, reais e imaginários, todos os seus fracassos.
Não tem sido diferente com o governo Dilma. Em quatro anos, seu governo tem não apenas agido de forma fiscal- e monetariamente irresponsável como tem também posto a perder os ganhos e as vitórias dos dois governos anteriores: a estabilidade e confiabilidade da primeira moeda verdadeira que o Brasil teve, como as vitórias e conquistas sociais que tanto essa moeda como políticas do próprio PT vinham acumulando. O máximo que seu pseudo-projeto de País tem conseguido é fazer voltar as compras do mês, jogar dinheiro fora em obras eternamente inacabadas e superfaturadas, ignorar toda e qualquer demanda por mudança na política nacional, fincar o país no noticiário internacional como piada pronta e trazer de volta um nível de desconfiança e pessimismo a respeito do futuro do Brasil como não se via há muito tempo.
A resposta de seus apoiadores tem sido tipicamente de esquerda: a culpa é do mundo, do Capital Financeiro, da Oposição, do demônio, da elite branca, dos EUA, de qualquer um, mas nunca de Dilma nem do PT. Seus apoiadores e eleitores enxergam um futuro brilhante, paradisíaco, que só não chega mais cedo por causa das forças de reação e ódio. Continuam, mesmo contra todos os indícios históricos, a acreditar que boas intenções, surdez à razão e discussão aberta e a certeza da verdade histórica serão suficientes para transformar o Brasil. É absolutamente irrelevante à essas pessoas que o PT, depois de doze anos, tem demonstrado ser insolitamente incompetente em termos administrativos; adepto do mais desbaratado capitalismo de estado; e propenso ao mais extraordinário desperdício de recursos, seja com PAC’s que não acabam, seja com pseudo-empresários metidos a Donald Trumps tupiniquins. Os apoiadores de Dilma e do PT têm, contra toda a série histórica, acreditado na competência e benevolência do Estado e seus funcionários. Eles têm aceitado dois presidentes, um partido, e toda uma classe de intelectuais que, em nome do paraíso socialista, mentem, manipulam e distorcem sem a menor vergonha. Por fim, em nome de boas intenções e certezas absolutas (aquelas mesmas das quais gozam fascistas e outros seres “de direita” que a esquerda nacional tanto xinga), os “de esquerda” brasileiros querem continuar a permitir que Dilma, Lula e seus asseclas prossigam no seus roteiro de tornar o Brasil, de novo, na República de Bananas que tanto teimam querer destruir.
A melhor coisa que poderia acontecer à esquerda nacional seria Dilma perder. Haveria uma oportunidade de ouro para o PT parar e repensar a miriade de besteiras que tem feito e a infinidade de bobagens que tem proferido. Caso Dilma ganhe, creio que não sobrará espaço nem para o PT nem para a esquerda após 2018. Não há porque acreditar que, caso a presidenta vença, seu governo mudará de trajetória; certezas absolutas das quais tanto ela quanto seus apoiadores desfrutam só podem levar ao fracasso.
[caption id="attachment_2027" align="aligncenter" width="620" class=" "] Assim como o autor, Eduardo Jorge tem profunda desconfiança com a esquerda atual.[/caption]Rafael Kasinski Músico, produtor, formado no Berklee College of Music, tem 33 anos
As opiniões aqui emitidas são de responsabilidade do autor
Ler isso em 2021 é tão esclarecedor e, até certo ponto, confortante.