Talvez nenhum jogo seja tão icônico como símbolo da juventude contemporânea quanto o Minecraft. Quem nunca se aventurou no modo sobrevivência, construindo castelos e vendo-os ser destruídos por um creeper? Ou teria visto um dos quase infinitos vídeos no Youtube sobre tutoriais de construção ou aventuras malucas engajadas pelo mundo sandbox? É quase certo que você já tenha visto ou jogado Minecraft até o presente momento. Todavia, devo dizer que Minecraft é muito mais que um jogo sobre construção e sobrevivência. Poucas pessoas percebem, mas a lógica desse jogo juvenil ensina uma importante lição sobre teoria econômica e a lógica das economias de mercado.
Muitos leitores devem estar pensando que isso é um completo absurdo, mas vamos fazer um experimento mental breve para comprovar isso, que tal? Vamos supor que estamos jogando necessariamente o modo sobrevivência do Minecraft. Nesse modo, nosso avatar (chamado Steve) está num mundo de recursos limitados, em oposição ao mundo de perfeita abundância do modo criativo. Quando entramos nesse mundo, nos encontramos em um estado primordial em que Steve não possui absolutamente nada. Ele se encontra sem comida, sem abrigo, totalmente desprotegido e vulnerável a todos os perigos ao seu redor, incluindo zumbis e aranhas.
Steve se encontra, quando o jogo é iniciado, totalmente alimentado e isso dura por dois dias (o equivalente a 40 minutos no jogo). Assim, se ele (ou seja, o jogador) tivesse que escolher entre procurar alimento e construir um abrigo, iria preferir primeiramente construir um abrigo. Sendo assim, Steve teria somente duas ações possíveis em um cenário como esse: procurar recursos ou simplesmente andar pelo mundo aleatoriamente.
Em seu lugar de spawn (lugar no mapa onde o seu avatar “nasce”) existe, convenientemente, uma quantidade quase infinita de árvores, as quais podem lhe dar o material necessário para a construção de seu abrigo. Vamos dizer que Steve não tenha nenhuma ferramenta e que esteja, por isso, limitado a um período de produção extremamente curto. Digamos que nesse período ele pode conseguir 4 blocos de madeira por minuto e que ele trabalhe 10 minutos de seu dia coletando madeira e os outros 10 minutos andando pelo mundo (o que os economistas chamariam de lazer).
Nesse cenário, Steve enfrenta somente um tipo de escolha: produzir mais madeira ou ter mais lazer. Se ele escolher um, estará, necessariamente, deixando de fazer o outro em função da limitação de tempo. Ou seja, se ele decidir ter 11 minutos de lazer terá o custo de abrir mão da produção de 4 blocos de madeira e se ele decidir produzir 44 blocos de madeira por dia então ele terá que ter apenas 9 minutos diário de lazer. Existe aí o conceito econômico do custo de oportunidade, segundo o qual o custo de uma determinada ação humana (como consumo ou não de um bem) é igual ao valor de tudo aquilo que você deixou de realizar para que essa ação fosse realizada.
Muitos poderiam contestar a existência de tal custo de oportunidade para Steve, uma vez que ele é praticamente um ser imortal. Logo, a passagem de tempo lhe é indiferente e ele pode, teoricamente, realizar todas as ações que desejar. Entretanto, vale lembrar que Steve é uma personagem virtual controlada do jogador. Logo, por mais que uma determinada ação seja praticamente sem custos para Steve, ela tem custos para o próprio jogador. O tempo gasto construindo algo no Minecraft poderia ser despendido com outras ações: arrumar o quarto, ler um livro, estudar para uma prova ou sair com a namorada. O custo de cada segundo de Steve é o custo de cada segundo da vida real do jogador. Vamos dizer que o tempo máximo que o jogador pode gastar jogando até que continuar lhe custe mais do que os benefícios seguir nessa atividade seja exatamente de 20 minutos.
Suponhamos que Steve tenha conseguido 44 blocos de madeira em seu primeiro dia e que seja necessário exatamente 44 blocos para a construção de um abrigo, capaz de protegê-lo dos perigos da noite. Ele poderia consumir todos os blocos na construção de seu abrigo, porém ele enfrenta uma escolha: consumir todos seus insumos com essa construção ou construir um abrigo parcialmente seguro com 40 blocos e usar os 4 blocos restantes para fazer uma mesa de trabalho.
Ele escolhe a segunda opção, incorrendo no risco de ficar vulnerável aos perigos da noite. Por sorte, Stevie sobrevive ao segundo dia (seu abrigo quase foi invadido por zumbis vorazes). Ele continua com sua produção usual e faz, no segundo dia, mais 44 blocos, completa a casa e ainda fica com o excedente de 40 blocos para serem utilizados. Esses 40 blocos já teriam um uso certo, pois são a quantidade exata necessária para fechar a passagem da caverna onde estão saindo as criaturas que lhe atormentam. Todavia, Steve tem um problema de curto prazo mais urgente: a fome [1].
Assim, nosso jogador enfrenta outra escolha: utilizar a madeira excedente para fechar a caverna ou ir caçar alguma coisa? Ele poderia utilizar, claro, toda a madeira para fechar a caverna e depois ir caçar alguma coisa. Porém, vamos dizer que isso consumisse 25 minutos. Tal tempo adicional de 5 minutos acaba criando para o jogador um custo de oportunidade adicional, o que torna o jogo custoso demais face aos seus benefícios.
Assim, Steve terá as seguintes possibilidades: i) não fechar a caverna e ir caçar consumindo os 10 minutos de produção de seu dia; ii) fechar a caverna, produzir mais madeira e ir caçar, porém perdendo todo seu tempo de lazer ou uma combinação dos dois;
Contudo, vamos dizer que ele escolhe uma terceira opção: deixar de fechar a caverna e usar a madeira excedente para confeccionar algumas ferramentas de caça. Num cenário sem ferramentas, sua produção seria de 1 unidade de alimento por período de produção (o suficiente para lhe alimentar por um dia), enquanto que com ferramentas seriam 3 unidades. Ou seja, usando ferramentas Steve pode produzir mais quantidade de bens com o mesmo período de tempo. Essas ferramentas seriam o que os economistas chamam de bem de capital e essa elevação de produção de aumento de produtividade.
Steve escolhe a terceira opção e consegue 3 unidades de alimento. Mas, ele só precisa de 1 unidade por dia para sobreviver. Assim, surge outra escolha: consumir tudo no momento presente ou poupar o restante de alimento para que no outro dia ele não precise caçar, dispondo de mais tempo para outra atividade (p. ex., fechar a caverna). Estamos falando de uma escolha sobre as preferências temporais do uso de seu excedente entre consumo presente e poupança.
Veja como que numa narrativa simples abordamos vários conceitos-chave da teoria econômica. Vimos a importância do custo de oportunidade do tempo, como ele se relaciona com os recursos limitados na criação da necessidade de se fazer múltiplas escolhas (a popular escassez), a importância do capital e do excedente e como as nossas preferências temporais moldam nossa escolha entre consumo e poupança.
Poderia expandir a linha de raciocínio aqui, mas tomaria proporções demasiadamente complexas conforme adicionasse os infinitos usos do capital dado suas necessidades. Aumentando o número de jogadores, idem. Imagine esse mesmo cenário com interação entre diversos jogadores sujeitos aos mesmos recursos limitados de Steve [2]!
Ainda assim, não apresentei nada de novo. Os primeiros economistas neoclássicos, como Eugen Bohm-Bawerk, adoravam usar o exemplo de Robinson Crusoé para ilustrar a lógica catalática de uma economia de mercado e o seu surgimento num mundo com apenas UMA pessoa. Parece um modelo bobo, mas admitidamente didático e, a melhor parte, se aplica hoje com um jogo maravilhoso.
Notas
[1] ROTHBARD, Murray N. Man, Economy and State . Instituto Ludwig von Mises, 2009.
[2] BARRO, Robert J. European Macroeconomics. Macmillan International Higher Education, 2007.
Artigo muito didático. Parabéns!