Assis Chatô-Briand: o capitalismo tupiniquim a máxima potência

“Ser prudente é antes de tudo ser medíocre” – Assis Chateubriand  Chatô – O rei do Brasil – Companhia das letras 1994 Chatô – O rei do Brasil – Guilherme Fonte Filmes – 2016 – Disponível na Netflix  Assis Chateaubriand –o Chatô – foi dono das duas primeiras estações de TV do Brasil (inaugurando a televisão no “terceiro mundo”), controlou dezenas de estações de rádio e criou o gigante Diários Associados – uma rede com mais de 27 jornais que controlava a imprensa nacional de ponta a ponta, de norte a sul, de leste a oeste. Informação é poder, e Chatô controlava o poder na primeira metade do século XX em terras tupiniquins.

Se você considera as organizações Globo poderosa hoje em dia, você não faz a menor ideia do que é poder na mídia. Os Diários Associados tinham em sua esfera os jornais mais vendidos das principais cidades do Brasil, em alguns casos mais de um jornal por cidade. Como no caso do Rio de Janeiro, onde circulava O Jornal e o Diário da Noite. Sendo o primeiro um jornal mais sóbrio em termos de conteúdo, e o segundo um folhetim escrachadamente popular. Os veículos cariocas de Chatô dialogavam tanto com as classes altas quanto com as baixas, tendo amplo alcance independente do estrato social.

Não precisamos lembrar que em boa parte do século XX a informação circulava com pouca velocidade. Textos eram enviados por telégrafos, filmes fotográficos que haviam registrado importantes eventos tinham de ser transportados por correio, via malotes, em navios e depois em aviões. Logo, controlar dois jornais diários no Rio, que basicamente eram a principal fonte de informação das massas, era quase que controlar o mundo. E Chatô percebeu isso rapidamente.

O menino gago, que nasceu em Umbuzeiro na Paraíba em 1892, construiu seu império de forma pouco ortodoxa. Bacharelou-se em direito em Recife e foi ao Rio de Janeiro em busca de apoio político do então presidente Wenceslau Braz. O objetivo? Resolver uma peleja relacionada à sua nomeação como professor da faculdade de direito. Fez tantos amigos no Rio de Janeiro que, mesmo nomeado professor em Recife, decidiu ficar no Rio e advogar. Advogou para grandes nomes como Alexandre Mackenzie e Percival Farquar, os homens mais poderosos do país na época, que controlavam ferrovias e a companhia de luz Light. Estranhamente, Chatô nunca quis cobrar honorários. Queria criar uma poupança, não financeira, mas sim de favores que seriam cobrados à grandes juros poucos anos depois.

Quando lhe surgiu a chance de comprar O Jornal, aliás o grande sonho de sua vida, correu atrás de todos aqueles que poderiam lhe ceder algum dinheiro. Era a hora de converter a poupança de favores juntada ao longo dos anos em muitos contos de réis. O preço pedido pelo empreendimento era de 6000 mil contos de réis, algo em torno de 10 milhões de dólares hoje. Chatô começou uma verdadeira romaria atrás de amigos ricos e banqueiros, principalmente os últimos. Sua ideia era completamente maluca:  pegar o dinheiro emprestado e trocar por ações do jornal conversíveis em um prazo que ele não fazia a menor ideia, sem ao menos saber se o jornal daria algum trocado de lucro. Por incrível que pareça, o plano funcionou. Entretanto, se todos os seus credores foram pagos, pouco se sabe. Para Chatô, pouco importava se seriam ou não.

Quem controlava a imprensa, controlava o poder. Logo, Chatô tinha poder para pressionar qualquer um, no momento que quisesse, pra conseguir captar mais recursos. Em um conhecido episódio, fez uma campanha em seus jornais paulistas contra o empresário alemão Oscar Flues, cujos associados deviam mais de 3 milhões de dólares em pagamentos atrasados referentes à compra de equipamentos gráficos. O tom da campanha difamatória contra Flues foi tão grande, que ele chegou a ser chamado de “nazista estuprador” em artigos assinados pelo próprio Chatô. Revoltado, Flues contra atacou nas páginas do Estado de São Paulo. No final, cansado de usar sua principal arma (seus jornais), Chatô optou por um método que considerou mais prático e eficaz: mandou um capanga usar uma arma de verdade, não para matar, mas para castrar o empresário. Um escândalo, o qual Chatô saiu incólume.

No campo político, sua principal atuação foi o apoio aberto à tomada de poder por Getúlio Vargas em 1930. Chatô até viajou para o Rio Grande de Sul, de forma a se juntar às movimentações da ALN – Aliança Libertadora Nacional, que rumava em direção a São Paulo e Rio. Afinal de contas, para um homem que conseguiu recursos apenas passando o chapéu entre banqueiros e industriais, ter um aliado no Palácio do Catete não seria ruim; aliás, seria bastante lucrativo. Em suas manobras políticas ele dizia que “acender uma vela para cada santo para, assim, garantir ao seu império sempre uma porta aberta em cada lado”. Um lema bastante ilustrativo de seus métodos.

[caption id="attachment_6443" align="aligncenter" width="620"] Chatô e Getúlio, nos anos 1940. Fonte: acervo Estadão[/caption]

Em sua decisão de criar a televisão no Brasil, precisava captar mais de 5 milhões de dólares para pagar os equipamentos. Criativamente, mais uma vez, propôs aos fabricantes dos equipamentos que pagaria uma parte parcelada e o restante em anúncios dos produtos em seus veículos. Naquele momento a impressa já era em cores, e Chatô controlava a principal revista semanal do Brasil (“O Cruzeiro”), além de dezenas de estações de rádio e, claro, os Diários Associados. A parte referente às prestações foi, mais uma vez,  paga por banqueiros e industriais poderosos, que naquele momento nem amigos eram. Temendo ser inimigos do homem mais poderoso da mídia nacional logo abriram generosamente suas carteiras. Assim surgia a TV Tupi em São Paulo, a primeira estação de Televisão da América Latina.

[caption id="attachment_6444" align="aligncenter" width="1413"] Nasce a TV-Tupi, canal 3 de São Paulo. Fonte: acervo Estadão[/caption]

Chatô, mais do que um homem poderoso, foi um sujeito que aprendeu rapidamente a navegar nas águas turvas do capitalismo brasileiro do século XX. Entendeu como intimidar aqueles que poderiam lhe ceder vultosos recursos e a morder e assoprar aqueles que estavam no poder, de forma a conseguir o que quisesse. Quando decidiu ser senador, conseguiu que o presidente Vargas manobrasse politicamente de forma a lhe conseguir uma vaga pela Paraíba, em uma eleição fora de época. Após apoiar JK nas eleições de 1950, praticamente mandou que o presidente o fizesse embaixador do Brasil em Londres, para espanto do Foreign Office britânico. Afinal de contas, o que um homem baixinho, que falava um inglês praticamente ininteligível, poderia fazer na corte de Saint James – como o próprio Chatô se referia à terra da Rainha? Quando Getúlio se matou, antes de qualquer expressão de dor por aquele que tanto lhe ajudou, Chatô disse: “vou me candidatar à vaga dele na Academia Brasileira de Letras”. De fato, acabou se elegendo imortal.

[caption id="attachment_6445" align="aligncenter" width="1417"] JK foleando um exemplar de “O Cruzeiro”. Fonte: acervo Estadão[/caption]

Porém, todo carnaval tem seu fim e o império dos Diários Associados começou a ruir junto com seu dono. Vítima de uma paralisante trombose, Chatô só conseguia se comunicar com a sociedade a partir de seus artigos nos Associados, digitados com imenso esforço em uma máquina de escrever adaptada à sua degradante condição física. Incapaz de intimidar seus parceiros, a paralisia financeira veio junto à paralisia de seu dono. Os anunciantes foram um a um deixando os veículos controlados por Chatô e a concorrência, que crescia a passos largos, foi a cereja no bolo do fim do império.

Ao fim, deixou um condomínio acionário para sua família e principais colaboradores dos Associados. Vale notar que os Diários Associados existem até hoje. Com um centésimo da força que exibiu anteriormente, controla dois importantes jornais em Minas Gerais e DF – o Estado de Minas e o Correio Brasiliense.

Observações de um fã do material bibliográfico de tão fascinante história: ative-me a falar sobre Chatô homo economicus. Vale muito a pena se debruçar sobre as mais de 500 páginas do livro de Fernando Morais sobre o incrível personagem, mulherengo, maluco e, acima de tudo, um brasileiro completamente sem noção – daqueles que a gente acha graça e até quer imitar em certa medida.

Se tiver preguiça do livro, recomendo o filme de Guilherme Fontes, que demorou 20 anos para ser feito, com captação via Ministério da Cultura: mais um exemplo da concubinagem do Estado com o capital privado. O filme é excelente, divertidíssimo, muito bem filmado e editado e (viva a Internet!) está disponível no Netflix.

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