A falácia do país desenvolvido

Recentemente assisti a uma aula cujo tema era Inovação nas Organizações. Dentre todos os argumentos do professor-palestrante, o que mais se destacava era o fato de que a maior parte dos produtos com tecnologia avançada eram desenvolvidos e produzidos por empresas estrangeiras. Telefones celulares, tablets, televisores entre outros produtos e suas tecnologias, todos eles desenvolvidos no exterior. O Brasil, no máximo, tem alguma subsidiária dessas empresas.

Desse modo, ganha força a antiga falácia de que o Brasil não é um país desenvolvido justamente porque não produz esse tipo de mercadoria ou porque empresas de alta tecnologia não nascem aqui. Esses são argumentos, infelizmente, corriqueiros, não só no meio acadêmico, mas na mídia mainstream e, inclusive, perigosamente, na política.

Austrália, Nova Zelândia e países da Europa, pertencentes ou não pertencentes à União Europeia, são exemplos por não desenvolverem ou exportarem essas tecnologias, mas são países prósperos e em crescimento. Na verdade, países como esses têm seus mercados e a origem de suas riquezas em outros produtos para além da tecnologia num sentido popular.

O Japão, por exemplo, país que muitos adoram citar como referência em desenvolvimento tecnológico, mas não necessariamente em inovação, não é referência em exportação de agricultura e pecuária por diversos motivos. Entre os mais óbvios está o fato do país sequer ter espaço para isso. O comércio japonês se destaca de acordo com as exigências e capacidades do seu mercado. 

O Brasil é um país imenso, mas sem uma cultura de negócios para o desenvolvimento de alguns produtos em específico. Historicamente pecuarista e agricultor, o Brasil tem dotação para isso. Lembro e enfatizo que a inovação, tanto em processos como em tecnologias, precisa estar presente em qualquer área, não somente para quem desenvolve softwares ou celulares. 

O movimento natural do mercado e do desenvolvimento de um país está de acordo com as capacidades e limitações de suas regiões, clima, povo, cultura e até mesmo história e influência de potências estrangeiras no decorrer do tempo. Não é tão simples quanto obrigar uma nação a tornar-se especializada em produtos de alta tecnologia, sob o argumento de que um país majoritariamente produtor de agricultura, pecuária e minérios seja em “inferior” a países que desenvolvem tecnologias como as citadas. 

Essa ideia intrínseca à mentalidade do brasileiro médio, uma necessidade de transformar o Brasil forte em mineração, pecuária, agricultura em um país industrializado já trouxe péssimas consequências na história.

O Grande Salto Adiante, política econômica desenvolvimentista de Mao Tsé Tung na China, que visava justamente isso, transformar forçadamente um país com potencial principalmente em pecuária e agricultura em um país industrializado, foi responsável pela Grande Fome Chinesa e, consequentemente, na morte de quase 45 milhões de pessoas. 

Esse crescimento através da industrialização deve ser natural e gradual, de acordo com os mercados globais e desenvolvimento local, o que fará desenvolver também, naturalmente, todo o setor de serviços. O mundo se equilibra a partir de mercados, através das necessidades das pessoas e dos países que tendem a uma estabilidade natural, parafraseando aqui Adam Smith e David Ricardo.

Se todas as empresas, de todos os países, produzissem somente produtos tecnológicos, haveria um colapso econômico por falta de material para o desenvolvimento desses produtos, ou até mesmo para a alimentação dos trabalhadores que os fabricam.

O argumento centrado na necessidade de especialização em alta tecnologia como o único caminho para o desenvolvimento é, portanto, falacioso. Uma falha comum cometida até mesmo por alguns economistas famosos. 

O desenvolvimento de empresas e, consequentemente, da economia está, sim, ligado à inovação, otimização produtiva e novas ideias, mas creditar isso, exclusivamente, a produtos de destaque tecnológico para a grande massa é um argumento fraco há um bom tempo. A inovação nas áreas de agricultura, pecuária, alimentos, biotecnologia e áreas afins avançam a passos largos e mudarão a forma como o mundo funciona em escalas cada vez mais profundas e revolucionárias.

Obviamente, os fatores fundamentais que influenciam a inovação são a concorrência e o livre fluxo de ideias e criações. Em nosso país, infelizmente, as limitações impostas pelo excesso de impostos, regulamentações e uma série de outros obstáculos consequentes de burocracias e pelo governo, limitam o processo de inovação.

Na inovação, conceitos internos e culturais da própria empresa são limitantes. Gestores não atualizados e com visão cada vez mais retrógrada também limitam o fluxo de ideias, muitas vezes impedindo a contratação de funcionários mais atualizados e perceptivos com as necessidades de clientes e mercados. 

Burocracias internas, processos defasados, turnover por falta de uma estrutura empresarial de crescimento, carreira e da dita inovação. Tais fatores limitam o desenvolvimento da empresa e colocam seu futuro em xeque.  A inovação não é somente o motivo para o desenvolvimento de mercados e crescimento de empresas, mas também influencia a qualidade de vida, o acesso à informação, a cultura e o crescimento da humanidade como um todo. 

Perante empresas que não conseguem se adaptar aos mercados e sair do seu fluxo limitado de funcionamento, enquanto outras empresas se modernizam e inovam (sejam empresas de plantação de soja ou de criação de foguetes), terão que enfrentar uma mão implacável e impiedosa do mercado sobre elas. Ainda bem que é assim, em um mercado exigente de inovação, qualidade e escalabilidade é a lei do mais adaptado e a alegria do mundo.

Michael Sousa

Mestre em Comércio Internacional pela European Business School de Barcelona, MBA em Gestão Estratégica pela FEA-RP USP, é graduado em Ciência da Computação e especialista em Strategic Foresight. Possui extensão em Estatística Aplicada pelo Ibmec e em Gestão de Custos pela PUC-RS. Trabalha com Gestão de Projetos, Análise de Dados e Inteligência de Mercado. Entretanto, rendendo-se aos interesses pelas teorias freudianas, foi também estudar Psicanálise no Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, e especializar-se no assunto e na clínica. Quando não passa seu tempo livre tentando desenvolver seu péssimo lado artístico, encontra-se estudando o colapso político-econômico das nações ou lendo vagos e curiosos tomos de ciências ancestrais.
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