O Radicalismo de Schrödinger e o duplipensamento da opinião pública

Pela voz de Humberto Gessinger, os Engenheiros do Hawaii já nos alertaram que “a dúvida é o preço da pureza, e é inútil ter certeza” ao longo das curvas dessa Infinita Highway que é a existência. 

De fato, a postura cética e liberta de preconceitos é a mais virtuosa quando se pretende analisar os fenômenos. Sócrates, o menos famoso, filósofo grego também nos alertara: “Só sei que nada sei, e o fato de saber isso, me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa”. 

Convém supor que, historicamente, a flexibilização e relativização do rigor dos métodos científicos é positivamente correlacionada e contribuiu com o surgimento de novas forma de saber, igualmente necessárias.

O Gato de Schrödinger é uma experiência mental, que no fim das contas representa um verdadeiro paradoxo, desenvolvida pelo físico austríaco Erwin Schrödinger com a intenção de ilustrar as interpretações da mecânica quântica em elementos corriqueiros do dia-a-dia. No experimento conclui-se que o gato, que está dentro de uma caixa, pode estar vivo e morto simultaneamente. Esse paradoxo tem o intuito de evidenciar nossa incapacidade de observar e interpretar as consequências mais profundas das ciências naturais.

Em seu romance distópico 1984, George Orwell trabalha o conceito do que parece ser a aplicação do paradoxo do Gato de Schrödinger em um contexto das ciências humanas e sociais. No continente de Oceânia, local onde se passa a trama, os personagens são acometidos pelo chamado fenômeno do “duplipensar”: acreditar em dois argumentos completamente contraditórios e logicamente inconcebíveis se pensados simultaneamente. 

Exemplificando de maneira muito simples, é como acreditar que o copo de água que vai matar sua sede é o mesmo que vai te deixar com sede, ao mesmo tempo. Por definição, é um argumento ilógico e sem fundamentação prática.

Curiosamente, a opinião pública no Brasil parece estar envolta por um véu de magia nos últimos anos. O cenário político ainda se encontra na direção de uma extrema polarização, com radicalismos ambidestros, cirurgicamente simétricos, iguais em módulo, apenas com o sinal invertido. Vivemos os tempos do Radicalismo de Schrödinger e o duplipensamento da opinião pública.

Os setores mais sectários do espectro político à esquerda consideram plausível o argumento de que o lulopetismo é o suprassumo, a melhor coisa da história quando se fala de distribuição de renda, progressividade social e combate à pobreza, ao mesmo tempo que concedeu bilhões de reais em subsídios para o setor privado que não lograram desenvolver pontos estratégicos do Brasil. Ineficiência de alocação e distribuição de recursos é dizer o mínimo. 

Acreditam que o lulopetismo consiste na materialização do Robin Hood da política brasileira, e qualquer crítica a este endereçada é um imperdoável ataque aos direitos do trabalhadores, ao mesmo tempo que o setor financeiro no Brasil viveu anos dourados nas últimas duas décadas.

Este mesmo grupo acredita fielmente na hipótese maniqueísta, da luta do bem contra o mal, onde o impeachment (de fraquíssima base legal, verdade seja dita) de Dilma Rousseff foi um grande movimento coordenado pelas grandes rodas do poder para esmagar ainda mais os pobres do país. O fim dos anos de lulopetismo representaria o encerramento do sonho de uma noite de verão Shakespeariana do projeto de socialdemocracia brasileiro, ao mesmo tempo que sabem que o PMDB fora base aliada do governo federal por todos esses anos, e a política dos “Campeões Nacionais”, manifestação pura e simples do patrimonialismo brasileiro, manteve-se à todo vapor. 

Há também os que questionam o funcionamento das instituições democráticas no Brasil ao mesmo tempo que defenderam ferrenhamente o regime ditatorial de Nicolás Maduro na Venezuela.

Entretanto, o Radicalismo de Schrödinger é um tipo de patologia que é transmitida pelo ar, e aparentemente não escolhe lado no espectro político. 

Os setores mais sectários do espectro político à direita conseguem acreditar que o regime de Nicolás Maduro na Venezuela é uma ditadura ao mesmo tempo que apoiam correntes tenentistas e autoritárias no Brasil que defendem o fechamento do Congresso e do STF, sendo saudosistas do período Pinochet.

Conseguiram criticar a fidedignidade e neutralidade do processo eleitoral, ao mesmo tempo que vibraram com os resultados das urnas. 

Conseguem também relatar de maneira detalhada a forma como o lulopetismo destruiu o Brasil e é responsável por todas as nossas mazelas ao mesmo tempo que todo o equívoco do atual governo é facilmente relativizado com o argumento de que as mazelas do Brasil tem raízes profundas e que não podem ser profundamente combatidas em uma janela de tempo inferior à de algumas décadas.

Há também os que percebem as movimentações do marxismo cultural, da dita nova ordem mundial e da internacionalização do comunismo, onde o nacionalismo ferrenho é a única saída ao mesmo tempo que aplaudiram de pé os acordos comerciais entre Mercosul e UE.

Os exemplos poderiam continuar por mais algumas horas…

Pelo visto, no front do debate político brasileiro entender que o Gato de Schrödinger pode estar simultaneamente vivo e morto, e que a água pode matar e criar a sede ao mesmo tempo, não é muito difícil. Schrödinger provavelmente vibra com a nossa crescente capacidade de observar e interpretar as consequências mais profundas das ciências naturais, ao mesmo tempo que Orwell sente-se orgulhoso de ver como a vida imita a arte.

Como diria Macunaíma, o anti-herói brasileiro de Mário de Andrade, “Ai que preguiça”. Tem mais não. 

Thierry Chemalle

 

 

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