Brasil: independência ou previdência?

O problema crônico escondido pela discussão sobre a Previdência

Nossa, olha só o que temos aqui: mais um texto falando sobre a Previdência Social. A partir desta frase, o leitor já poderia tirar conclusão sobre a minha ideologia. Se eu argumento que há déficit, sou um coxinha explorador das camadas mais pobres da sociedade. Porém, se eu tenho a coragem (bota bastante “coragem” e tira bastante racionalidade) de usar o acalorado discurso de que não há déficit, certamente sou um mortadela e/ou massa de manobra. Apesar de estar de saco cheio desses rótulos, que mais atrapalham do que ajudam, ainda insisto em falar do assunto. Por mais que eu acredite que a Previdência está sim no vermelho (e que vermelho!), não é bem sobre esses números especificamente que eu quero conversar.

O que nem todos sabem é como funciona nossa Previdência Social. Apesar de não ser economista de formação, sou curioso o suficiente para ler sobre o sistema. Trata-se de um sistema de repartição, que, em bom português, significa sistema de pirâmide. Aqui ponho um fim a essa conversa de que o dinheiro da sua contribuição durante seus anos trabalhando estará lá bonitinho para ser retirado quando você se aposentar. Pelo sistema de repartição, bem resumidamente, o dinheiro arrecadado hoje é usado para pagar os atuais aposentados. Estima-se que a relação esteja entre 8 e 9 trabalhadores pagando a aposentadoria de uma pessoa. Porém, em breve, pesquisas mostram que este número cairá para 4. Acho que ficou claro que temos um encontro marcado com uma verdade bem inconveniente, sendo que o tempo não está do nosso lado. Um dia a conta chega, e esse dia não vai demorar.

Pronto, eis o cenário atual, analisado com o meu máximo de frieza. Mas até agora, 99% dos debates que tenho visto apenas conseguem enxergar uma solução dentro da Previdência Social, e quero ressaltar que essa deveria ser uma grande preocupação. Apenas conseguimos olhar um problema na famosa ponta do iceberg, e percebo isso em várias senão todas as esferas da vida dos brasileiros. Quando a esfera em foco é a política, muitos dos argumentos são assustadores pelo mesmo e assustador motivo: tudo passa pelo Estado. Esse é disparado um dos piores e mais crônicos problemas deste povo: pensar que o governo vai resolver tudo. Só candidatos bastante mentirosos e mal intencionados vão vender esta promessa, e infelizmente muita gente acredita.

Mas onde quero chegar? Senão o Estado, quem poderá nos defender?

Vamos lá. Previdência vem do latim previdentia, que significa “previsão”, “prevenção”. Ora, quem melhor para elaborar uma prevenção para um indivíduo? Meu sonho é a resposta do país da jabuticaba seja “o próprio indivíduo”. Existem diversas formas de se prevenir, em termos de finanças pessoais, para os tão desejados anos de aposentadoria. Os mais conservadores provavelmente vão preferir os famosos títulos de renda fixa, previdência privada e algumas opções de tesouro direto – sim, existe um mundo de opções para conservadores além da poupança. Aqueles mais arrojados já darão uma maior atenção a aplicações de renda variável, como alguns tipos de fundos de investimento e ações, por exemplo. O autoconhecimento aqui é muito importante para saber até onde seu estômago pode suportar (sem terrorismo, por favor). A partir daí, a questão é a disciplina que todo genuíno capitalista tem como mantra: disciplina para poupar e investir. Hoje já podemos até conhecer nosso perfil de investidor conversando com robôs! (Sim, robôs já investem). Diga-se de passagem, robôs de investimento podem ser uma excelente opção para aqueles que não possuem tanta perícia com aplicações, pois um algoritmo escolherá as melhores opções – dentro do portfólio de cada robô – de acordo com seu perfil. Com esse pensamento “poupador”, podemos sim alcançar uma aposentadoria com menos estresse. Parece lindo, não? É óbvio que nem tudo são rosas nos campos elísios.

A realidade brasileira é dura e cruel. Começaremos por onde guardamos nosso dinheiro: bancos. Por mais que já tenhamos avançado bastante, dados recentes do Banco Mundial mostram que 32% do adultos brasileiros não possuem uma conta bancária, e esse número aumenta significativamente se analisarmos os estados do Norte e Nordeste individualmente. Os obstáculos não são pequenos. Em 2015, dos 5570 municípios brasileiros, 1989 não possuíam nenhuma agência bancária e 310, sequer posto de atendimento. O Nordeste, a região mais atrasada neste aspecto, tinha 881 cidades sem agência de um total de 1794 segundo outra pesquisa realizada em 2015. O pior é que notícias mais recentes não são nada animadoras. Essa rede de agências, pasme, está encolhendo. Entra mais uma variável nesta história: segurança. Assaltos fizeram cidades menores ficarem sem agências, inclusive onde algumas foram fechadas hoje há pastos de bodes.

Pensa que o problema acaba por aí? Com certeza, não. Vamos um pouco mais fundo no nosso iceberg canarinho. Será que o brasileiro sabe gerir suas finanças? Não trago notícias boas. Segundo SPC Brasil, em 84% dos domicílios com renda mensal de até R$ 1.330,00, o (a) chefe da família tem pouco ou nenhum conhecimento das finanças da própria casa. Esse percentual recua para 76% para famílias com renda até R$ 3.141,00, mas ainda é extremamente elevado. E não pense que as classes sociais mais altas não sofrem deste mal, pois também as atinge. Tampouco os de maior grau de escolaridade estão isentos. Mesmo que em diferentes níveis (nem tão diferentes assim), as pesquisas convergem para o mesmo diagnóstico: o brasileiro tem uma dificuldade alarmante para controlar suas finanças pessoais. Muitos só tomam atitudes quando já estão no vermelho (lembra da verdade inconveniente da Previdência?), ao invés de adotarem medidas preventivas. Alguns podem até argumentar que os índices de inadimplência estavam em queda. Porém, estudiosos afirmam que isso não é contraditório. O que aconteceu, na realidade, foi uma maior cautela do sistema financeiro para aprovação de novos créditos. Percebam que o problema já atingiu uma situação em que a confiança do sistema sobre os indivíduos já está muito abalada.

Cansou? Calma (sério que estou pedindo calma?), esse iceberg é dos grandes. Lembra quando eu falei do pensamento de poupar e investir? Então, pouquíssimos são os que aprenderam isso antes de chegar à fase adulta. Nossa educação básica falha e muito no ensino de finanças pessoais para os alunos. Não há matéria sobre o assunto e poucas são as escolas que estimulam essa curiosidade. Saímos do colégio na maioria das vezes despreparados para controlar nosso orçamento para os futuros anos que trabalharemos e com péssimos hábitos na hora de decidir como usar o dinheiro. Como vamos ensinar para os nossos futuros filhos algo que nem sabemos exatamente? E a situação corre o risco de atravessar gerações de famílias das terras tupiniquins. Acha mesmo que conseguiremos administrar nosso próprio caixa na aposentadoria, sem nem nos preparar adequadamente ao longo da vida para ela?

Chegamos onde eu queria, no famoso clímax. É claro que torço por uma reforma no sistema previdenciário. Mas esse não é o maior problema. Longe disso. Na realidade, acredito ser uma solução para sintomas, mas não trata de problemas crônicos na escala micro.  Eu poderia ter argumentado também a respeito da imensa máquina pública e dos gastos obscenos e desnecessários cometidos pelos 3 poderes, e todos nós sabemos que tudo deve sim ser levado em consideração no debate sobre a reforma do sistema previdenciário e sobre os gastos públicos. Porém, sei que há bastante gente muito embasada já falando disso. Dessa forma, resolvi nesse texto, para enriquecer a reflexão, chamar a atenção para questões de educação, infraestrutura e protagonismo de cada indivíduo. As pessoas precisam ter a consciência de que é perfeitamente possível se planejar para a aposentadoria sem colocar todas as fichas na Previdência Social e no famoso paternalismo estatal. Mas isso não se muda de um dia para o outro ou na base da “canetada” – eles não querem que você saiba, mas quanto mais gente acreditar que o Estado consegue resolver tudo, melhor para eles.

Assim como para plantar árvores, são necessárias sementes. Sementes de uma educação voltada para finanças pessoais desde muito cedo, na escola mesmo, pois o tempo sempre joga a favor dos mais novos. Sementes de uma democratização do sistema bancário e a garantia de um acesso seguro. Em nenhum momento falei que seria fácil, mas Muhammad Yunus já mostrou que é possível com o Grameen Bank. São sementes de longo prazo, e uma das lições mais fundamentais sobre finanças é ter paciência. O desafio fica ainda maior, porque sei que meu povo verde e amarelo não costuma ter muita paciência para soluções e/ou propostas visando o longo prazo. Um dos meus objetivos é não iludir ninguém. Demora, assim como uma árvore também demora para se tornar imensa e dar bons frutos. Mas, por outro lado, sabe do que serão esses frutos? Eu te digo: eles têm o sabor da independência. Vamos colhê-los ou ficaremos esperando apenas a previdência prometida pelo Estado?

Eduardo Scovino Estudante de Engenharia Química na UERJ, mas apaixonado por Economia e Política. Acredita que a livre iniciativa e que uma forte educação em finanças pessoais são fundamentais para a prosperidade de uma nação e de seu povo. Notas e Referências https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/02/04/Muitos-vivem-sem-conta-bancária.-O-Banco-Mundial-quer-acabar-com-isso http://www.worldbank.org/en/news/press-release/2013/10/11/universal-financial-access-vital-reducing-poverty-innovation-jim-yong-kim http://www.worldbank.org/en/topic/financialinclusion/overview#1 http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,o-brasil-que-nao-tem-conta-em-banco-imp-,1120256 http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2015-07/populacao-brasileira-com-conta-bancaria-atinge-863-milhoes-de-pessoas http://www.grameen.com/method-of-action/ http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2575 http://porque.uol.com.br/como-poupar-mais-afeta-a-economia-2/ https://www.youtube.com/watch?v=8w8iht6cP-k&t=2s

Eduardo Scovino

Estuda Engenharia Química na UERJ e é outro economista de coração. Já trabalhou em Operação no meio fabril, mas acabou se rendendo ao jargão “It’s the Economy, stupid!”. Dentre as principais causas que defende, estão a Economia de Mercado, a Destruição Criativa, Finanças Pessoais e Reciclagem. Acredita ainda que é possível uma solução que englobe essas duas últimas. Nas horas vagas, também é remador, frequentador de shows de metal e está sempre pronto para uma roadtrip.
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