Brexit, polarização e parlamentarismo x presidencialismo: o que tudo isso tem a ver?

Você no Terraço | por Renan Chicarelli Marques*

Sem dúvida estamos diante de um marco histórico, estes que casualmente são seguidos por momentos de profunda incerteza. O referendo da quinta-feira dia 23 de junho de 2016 no Reino Unido deu a vitória para o “Brexit”. Com 17.410.742 votos a favor e 16.141.241 votos contra, o mundo assistiu a vontade da sociedade britânica se expressar da maneira mais democrática possível, 51,89% da população da Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte, País de Gales, 14 territórios britânicos ultramarinos e três dependências da Coroa sinalizaram a seu primeiro-ministro, através das urnas, que estariam optando por deixar a União Europeia após 43 anos. [1]

Diante deste cenário e da renúncia de David Cameron, que deve deixar o cargo até outubro, não há dúvidas de que o caminho a percorrer pelo futuro primeiro-ministro britânico e toda população será complexo e incerto. Conforme foi dito por Andrea Biondi, professor da Kings College London, “The long and winding road. This is what now confronts the UK (…)” [2]

Nesse contexto seria possível fazer uma analogia desse turbulento processo britânico com um sentimento que renasce no Brasil durante o ano de 2014? E mais, com outro sentimento que ganhou força no fatídico dia 17 de abril de 2016, no qual nossos deputados federais votaram pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff? Ouso dizer que sim, a polarização da sociedade não é uma exclusividade nossa. Muito menos os questionamentos acerca da representatividade nos diferentes sistemas de governo.

Polarização da sociedade

A marca da polarização na sociedade está estampada no resultado numérico do referendo, mas suas raízes vão muito além de um mero “remain” ou “leave”. As campanhas se ativeram mais às emoções do que aos fatos. Assistimos a uma sociedade britânica extremamente dividida. A violência, infelizmente ultrapassou todas as barreiras possíveis, culminando no assassinato da deputada Jo Cox, do Partido Trabalhista britânico, exatamente uma semana antes da votação.

As linhas tênues que geraram essa divisão do Reino Unido são inúmeras – das cidades com maior grau de escolaridade que votaram pela permanência até os grupos menos abastados que votaram pela saída; dos mais jovens que escolheram acreditar em Bruxelas aos mais velhos e nostálgicos que vislumbram retomar o controle; dos que são a favor da entrada de imigrantes aos que receosos acreditam na necessidade de um controle maior no fluxo de pessoas. [3] O acirramento da disputa foi visto até mesmo nos meios de comunicação que noticiaram o fato de diversas maneiras. O The Daily Telegraph noticiou o acontecimento como “um motivo de orgulho”, já o The Guardian se referiu ao resultado como uma “catástrofe”. [4]

Em 2014 vimos um processo semelhante envolvendo as urnas brasileiras, em um segundo turno acirradíssimo das eleições presidenciais, Dilma Rousseff assumiu a presidência com 51,64% dos votos. [5] Novamente estava colocada uma forte disputa interna na sociedade brasileira. Por mais que as pautas fossem diferentes das do Reino Unido, a polarização no Brasil também ganhou as ruas e as manchetes. Travestidos pela profunda desigualdade social e econômica, atos de intolerância e violência se alastraram durante todo processo de impeachment, posterior às eleições. A ponto de ser erguida uma barreira de aço com 80 metros de extensão que dividiu a Esplanada dos Ministérios na cidade de Brasília em duas para que os manifestantes pró e contra o impeachment não entrassem em confronto.

Evidentemente há cada vez mais um sentimento de inclemência em diversas partes do mundo, visto claramente até mesmo nas campanhas presidenciais desse ano nos Estados Unidos. Segundo Christian Dunker, professor titular da Universidade de São Paulo, “A exclusão dessa possibilidade de diálogo aconteceu de tal forma que o antagonismo político agora gera medo, ódio e ressentimento social” [6]. É nesse âmbito de divergência que surgem propostas que se dizem milagrosas. Porém, cegas pela falta de questionamentos profundos e diálogos respeitosos entre os opostos. Perde-se a capacidade de ponderação.

O discurso que ganhou força após as deploráveis declarações dos deputados federais ao votarem pelo afastamento da presidente, reacenderam no Brasil o debate acerca do grau de representatividade do nosso sistema de governo: o presidencialismo. A sociedade brasileira debruçada sobre a televisão assistiu horrorizada às falas que não a representava, porém que em sua maioria foram permitidas pelo voto da mesma. Abrindo espaço para a discussão de vias alternativas, como seria o caso do parlamentarismo adotado em alguns países.

De forma análoga os 17 milhões de britânicos que votaram pelo “leave” não se sentiam representados pelo primeiro-ministro, David Cameron, que abertamente defendia a permanência, além do fato de três quartos dos parlamentares defenderem a campanha pelo “remain”. [7] Por mais que por lá a mudança de cargo se dê de forma mais imediata, será mesmo que o parlamentarismo seria a forma mais representativa para nós do outro lado do Atlântico?

As insatisfações podem ser coincidências pontuais, mas não há dúvidas de que vivemos mais um período inóspito da história. Alguns optam por crer que o mundo se encontra em situação diversa, porém não distante dos anos trinta do século passado.

Prefiro acreditar que o motor da história esteja passando por alguns problemas mecânicos rápidos, mas que em um horizonte próximo consiga retomar sua caminhada para frente ou onde quer que a utopia se encontre.

Renan Chicarelli Marques Graduando em Ciências Econômicas pela UNICAMP [1] http://www.theguardian.com/politics/ng-interactive/2016/jun/23/eu-referendum-live-results-and-analysis [2] http://www.kcl.ac.uk/newsevents/news/newsrecords/2016/06%20June/Kings-experts-on-the-EU-Referendum.aspx [3] https://inews.co.uk/essentials/news/divided-kingdom-brexit-brutally-exposes-fault-lines-british-society/ [4] http://www.dn.pt/media/interior/imprensa-britanica-divide-se-entreo-orgulho-e-a-catastrofe-5246153.html [5] http://placar.eleicoes.uol.com.br/2014/2turno/ [6] http://www.cartacapital.com.br/politica/polarizacao-politica-reflexo-de-uma-sociedade-murada [7] http://www.thetimes.co.uk/_TP_/article/pity-voters-deceived-by-the-pied-pipers-of-brexit-vz3hpfm9x

Terraço Econômico

O seu portal de economia e política!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Yogh - Especialistas em WordPress