Como chegamos ao ajuste fiscal?

 Leonardo Palhuca | Terraço Econômico Como chegamos ao ajuste fiscal - Imagem1

Sim, a resposta para a pergunta do título parece óbvia: porque gastamos mais do que arrecadamos e agora precisamos economizar, já que dinheiro não dá em árvore.

Mas, obviamente, seu professor de Economia Política não aceitaria isso como uma resposta completa. O buraco é mais em baixo! E desde o artigo de William Nordhaus [1], a teoria de que políticos tentam injetar uns esteroides na atividade econômica antes das eleições vem sendo aperfeiçoada.

A ideia principal é: com a aproximação das eleições, políticos tentarão expandir a atividade econômica via política fiscal e/ou monetária frouxa para se reelegerem. Após a eleição, há uma queda na atividade econômica e/ou um aumento na inflação (um efeito tardio da expansão fiscal/monetária). Eleitores podem ou não reagir a tais estímulos de acordo com suas expectativas e, ainda mais importante, instituições podem ser criadas para impedir tal prática, seja para tornar o jogo eleitoral mais equilibrado, seja para evitar os efeitos maléficos de tal prática – expansão fiscal/monetária sem resultados em termos de produto, somente causando maior inflação.

Empiricamente, Alberto Alesina e Nouriel Roubini (isso mesmo, o Dr. Doom) analisaram diferentes teorias, com e sem expectativas dos agentes econômicos, do que os economistas chamam de Ciclo Econômico Político (Political Business Cycle). Entretanto, os autores se valeram somente de dados de países membros da OCDE e isso lá em 1990!

As conclusões extraídas indicam que as teorias que levam em conta as expectativas dos agentes explicam melhor os Ciclos Econômicos Políticos, ou seja: políticos não conseguem geram um boom econômico antes das eleições, mas há maior inflação no período das eleições e corte de gastos após a corrida eleitoral, já que previamente os gastos foram expandidos para tentar dar um ânimo à economia. O que fica de lição é que os eleitores não são trouxas e o nível de atividade econômica não é alterado significativamente com a manipulação de políticas econômica pré-eleições.

Bom, será que o Brasil sofre desse problema e, por isso, temos tentado alguns arcabouços legais como a Lei da Responsabilidade Fiscal e a Independência do Banco Central para evitar que nossos políticos tentem “manipular” a economia às vésperas de eleições? Temos alguma evidência que já sofremos, estamos sofrendo ou vamos sofrer desse mal?

Utilizando dados trimestrais de Inflação (IPCA), Superávit Primário do Governo Central, Taxa SELIC e PIB Real Trimestral, vejamos como essas variáveis se comportaram durante os ciclos eleitorais. Como nossas eleições acontecem em Outubro, optamos por mostrar o ciclo eleitoral iniciando em Abril e terminando em Março do ano seguinte. As barras azuis indicam que naquela eleição o PSDB era o partido no poder e as barras vermelhas indicam incumbência do PT.

Vamos ao que interessa:

– Inflação [caption id="attachment_3815" align="aligncenter" width="607"]Fonte: Banco Central do Brasil Fonte: Banco Central do Brasil[/caption]

Parece que o IPCA em todos os períodos eleitorais analisados termina em um patamar acima daquele observado no início do ciclo (últimos e primeiros pontos dentro das áreas sombreadas).

Curioso notar também que após a instituição das Metas de Inflação (as linhas vermelhas indicando o centro e o intervalo de tolerância em cada ano), regime que trouxe certa autonomia e independência ao Banco Central,  a inflação não oscilou tanto e se comportou satisfatoriamente durante os ciclos eleitorais (exceto em 2002, mas sabemos o que era…).

Porém, nas eleições de 2014 o IPCA aumentou consideravelmente após as eleições. Efeitos do controle de preços praticado anteriormente e, talvez, efeitos da expansão fiscal pré-eleitoral…

  – SELIC Fonte: Banco Central do Brasil Fonte: Banco Central do Brasil

Bem, aqui não temos um padrão claro. Nas eleições de 2002 o Banco Central aumentou a taxa de juros básica no período eleitoral com uma “paulada”! Já nos demais ciclos, nada de muito anormal. Somente para as eleições de 2014 quando a SELIC foi mantida estável no início do ciclo eleitoral quando a inflação insistia em namorar com o “teto da meta”…mesmo com os controles dos preços administrados.

  – Superávit Primário (com alquimia) [caption id="attachment_3817" align="aligncenter" width="611"]Fonte: IBGE - dessazonalização do autor Fonte: IBGE – dessazonalização do autor[/caption]

Para a variável fiscal, é bom lembrar que estamos de cabeça para baixo. Quanto mais para cima nossos pontos, menos estamos gastando em relação ao PIB e à arrecadação. E aqui o que observamos é que durante o período eleitoral (exceto em 2010), o superávit primário cai para depois ser recuperado. Agora reparem em 2014…o resultado primário já era um déficit grande no início do ciclo eleitoral e isso terá um efeito violento no ajuste fiscal que vamos enfrentar…

    – PIB [caption id="attachment_3818" align="aligncenter" width="612"]Fonte: IBGE Fonte: IBGE[/caption]

Mas e a atividade econômica, ela sofre alguma alteração? Bom, muito difícil observar qualquer diferença significativa no PIB Real. Nossos colegas Alesina e Roubini descobriram empiricamente que não há alteração grande do produto, corroborando teorias que incluem expectativas racionais dos eleitores. Então não somos iludidos pelos políticos? Bom, isso eu não sei…caberia um estudo mais detalhado e controlado por outras variáveis. Mas a ideia está ai…

Com tudo isso, onde chegamos? Ao necessário Ajuste Fiscal que deverá ser um pouco severo por alguns fatores:

(i) eleições mais acirradas podem gerar mais incentivos para que o partido no poder aumente os gastos fiscais para tentar a reeleição. Se tem alguma dúvida, vejam esse post no blog do Mansueto Almeida para alguma evidência. Provavelmente temos uma confirmação dessa teoria. O ciclo eleitoral de 2014 é o período que observamos com maior consistência a previsão teórica e quando tivemos maiores gastos fiscais;

(ii) sem efeitos no produto, ou seja, sem crescimento, o ajuste para retornarmos a um nível saudável no front fiscal será sobre a base de um produto estagnado. Ou seja, por meio de cortes de gastos mesmo e não no crescimento mais lento do gasto público em relação ao crescimento do produto/arrecadação;

(iii) um dos instrumentos para evitar que os ciclos políticos afetem de forma muito forte a economia é a Lei de Responsabilidade Fiscal. Bom, não precisa refrescar muito a memória para lembrar que em 2014 a lei foi, digamos, flexibilizada! Nos “livramos” de um ótimo mecanismo de inibir a prática de gerar booms seguidos de recessões durante eleições;

(iv) outro bom instrumento (mas que talvez retire o prato de comida da mesa da família brasileira) é o Banco Central independente. Imagine que, caso o gasto fiscal aumente o BC preveja que isso vai sobreaquecer a economia e adote medidas para conter a inflação e deixá-la próxima à meta. Bom, isso só é possível com o BC independente. Agora, conviveremos com uma inflação por volta de 8% em 2015. Dava para evitar o ano perdido…

 Tínhamos dois bons instrumentos para evitar um severo ajuste fiscal, mas preferimos o caminho mais difícil, afinal “no pain, no gain”.

palhuca      

Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.

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