Como vencer um debate (em economia) sem ter razão – cinco técnicas

Na última semana, o Terraço Econômico teve a honra de contar com duas contribuições externas de elevado quilate. Mônica de Bolle e Marcos Fernandes Gonçalves da Silva vieram à nossa página para responder uma das tantas controvérsias do mundo econômico: economia é ciência? Economistas são seres afeitos a discutir, e quem gosta de economia não tem hora nem lugar para iniciar um debate.

Depois de ter sido derrotado em diversos embates econômicos (mesmo tendo razão em absolutamente todos eles…), eu gostaria de usar estas linhas para prestar uma boa ação à posteridade. Após atenta observação dos ardilosos estratagemas empregados por meus oponentes, reuni cinco técnicas eficazes de como se ganhar um debate em economia sem ter razão. Até porque, caro leitor, vencer um debate quase nunca é uma questão de ter razão, nem mesmo na mui científica ciência econômica.

Estratagema 1 (hum) – selecione os exemplos corretos

Qualquer teoria maluca possui alguma evidência que a confirme. Sempre vai haver aquele país que estabilizou os preços quadruplicando a base monetária, aquela economia que soçobrou após abertura comercial e aquela – esse é nível hard – empresa estatal bem administrada.

A verdade é que exemplos anedóticos são um guia enganoso para quem busca o conhecimento. Seria como recepcionar a volta de um navio lotado de soldados e concluir que ninguém morreu na guerra: os mortos são silenciosos, assim como os fracassos da miríade de experimentos aplicados nas sociedades mundo afora. O verdadeiro cientista deve buscar as fraquezas de sua explicação, colhendo evidências que possam falsificá-la. Mas num debate tête-à-tête, deixe isso de lado e fale só daquilo que lhe interesse. O impacto é espetacular.

Estratagema 2 – invente conceitos novos

Quando os exemplos escassearem, suba um degrau na escala da abstração. Crie conceitos e categorias. Fale de “pontos de estrangulamento”, de “nova matriz macroeconômica”, e outras coisas que só você consegue enxergar. Discorra sobre “processos em curso” (ninguém pode contestar um “processo em curso”). Entretanto, se mesmo assim seu bravo oponente se segurar no ring, apele para a técnica seguinte.

Estratagema 3 – fale de processos históricos

Mencione que “o processo pelo qual está passando a economia brasileira é similar ao vivenciado por sociedades em grau similar de desenvolvimento”. Crie esquemas totalizantes sobre o funcionamento do universo, explicando com gestos e desenhos que toda sociedade começa nômade e acaba comunista numa escala pré-ordenada de fases intermediárias.

Leis históricas são tão irrefutáveis quanto inúteis. Como podemos estar seguros de que a história segue uma lei que nós possamos compreender? Como poderíamos testar essas hipóteses, uma vez que só temos uma observação (a história só ocorreu uma vez)?[1] Mas é vão tentar explicar isso numa mesa de bar… Ao fim e ao cabo, vá com fé: fale de leis históricas que você há de se dar bem.

Estratagema 4 – Não fale de fatos, fale de “escolas”

Em economia, as ideias se agrupam em torno de “escolas”: basicamente neoclássicos, keynesianos, marxistas, austríacos e campineiros . Quando o seu adversário estiver muito rápido no gatilho, faça a máscara cair: “você está defendendo uma posição neoclássica.” Diga que a Verdade é relativa – mesmo que você acredite piamente em suas próprias posições – e condene todo sectarismo e radicalidade – mesmo que ser radical signifique fidelidade àquilo em que se acredita. Cite grandes economistas que divergem das posições defendidas pelo seu incansável colega: isso o forçará a se contrapor aos grandes pensadores (arrogante) ou à capitular incondicionalmente. No final, você poderá dizer que soube absorver o melhor das diversas teorias e posar de Rainha da Inglaterra.

Estratagema 5 – politize a questão

Este é o tapa na cara. A lógica é a mesma da técnica anterior, com uma pitada de fel: em vez de classificar o infeliz oponente numa escola teórica, arremesse-o no balaio da luta política tupiniquim. Petralha ou tucanalha, algum dos dois ele há de ser, portanto acuse aquela argumentação aparentemente desinteressada de estar a serviço de interesses inconfessáveis! Não que seja um artifício muito honesto – “nunca se menospreza o argumento do adversário invocando os interesses que supostamente o motivam”[2] – mas pode se mostrar eficaz. Prepare-se, pois esse disparo ricocheteia para todos os lados. Mas se o valentão cair do cavalo, você sentirá aquilo que os alemães chamam de Schadenfreude: o gozo na tragédia alheia.

[caption id="attachment_780" align="aligncenter" width="591"]Reação desoladora de Mitt Romney depois que Obama politizou o debate. Reação desoladora de Mitt Romney depois que Obama politizou a questão.[/caption]

Conclusões

A economia, como tantas ciências sociais, carrega uma cruz: em todos os momentos de sua história, diversas teorias concorreram para explicar o mesmo fenômeno. A retórica sempre teve papel importante na solução de controvérsias e na evolução da disciplina, conforme estudiosos vêm destacando[3].

As cinco técnicas descritas acima nem sempre são aplicadas de maneira mal-intencionada, mas quando o são, geram terrível ruído. É preciso conhecê-las para se proteger da lábia sibilante de pretensos detentores da verdade.

Retórica é importante em economia, mas o conhecimento acumulado até aqui é muito mais do que um mero jogo de palavras. O conhecimento avança somente com o reconhecimento constante de que toda teoria é provisória; com o compromisso inabalável na busca pela verdade mais do que a vaidade; e com a humildade diante dos fatos. Só assim, como dizem Monica de Bolle e Marcos Fernandes, a economia pode ser considerada uma ciência.

 

Alípio Ferreira Cantisani 10170219_10203335365288648_276252663_o

  [1] Ver Popper, K. R. The poverty of historicism, para um detalhamento dessa crítica. [2] Arida, P. A História do Pensamento Econômico como Teoria e Retórica in: Gala, P. e Rego, J.M. (orgs) A História do Pensamento Econômico como Teoria e Retórica. Editora 34. [3] Para estudos a respeito, ver Gala, P. e Rego, J. M. (orgs.) A História do Pensamento Econômico como Teoria e Retórica. Editora 34.

Alípio Ferreira

Formou-se em economia pela EESP-FGV, onde desenvolveu sua paixão por números primos e poesia alemã. Foi editor-chefe da revista Gazeta Vargas, associação cultural formada por alunos das escolas de Administração, Economia e Direito da FGV-SP. Escreveu um artigo sobre plebiscitos suíços no Valor Econômico e foi funcionário público. Almeja glória e poder para todo o sempre. Hoje é mestrando em economia na Universidade de Tilburg, nos Países Baixos. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2017.

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