Logo ao início deste artigo já queremos colocar um ponto importante: envie este texto a quem você conhece que diz algo como “ninguém está levando a sério o que o presidente do Brasil diz sobre essa pandemia, não precisa se preocupar”.
Crises têm começo, meio e fim
Por mais difícil que pareça acreditar quando se está em meio a uma crise, sim, crises têm começo, meio e fim. Usaremos como exemplo para o artigo a crise que estamos enfrentando no momento, o Covid-19.
Doença cujo descobrimento se deu na Ásia no último trimestre de 2019, com epicentro na região chinesa de Wuhan, teve seu primeiro caso confirmado no Brasil em 26 de fevereiro de 2020 – uma quarta-feira de cinzas, ironicamente.
Não era segredo algum que um dia o vírus chegaria aqui no Brasil. Tivemos um certo tempo de observação das reações internacionais (ao menos na China, na Itália e na Espanha com grandes e danosos efeitos) e, consequentemente, para nos prepararmos. É importante questionar: quando o Brasil começou a se preparar para a chegada do vírus?
Poderíamos ter nos preparado em termos de conscientização da doença e também da capacidade técnica necessária para lidar com ela. Não se trata de problema fácil de lidar, mas preparação da população com uma comunicação mais unívoca faria enorme diferença. Porém, o que vimos foram discursos desencontrados de que, dentre outras coisas, precisaríamos entender como o vírus se comportaria num país tropical já que o caso começou em países com temperaturas mais frias. Todo tipo de subterfúgio foi utilizado para não ser necessário admitir que teríamos, de uma forma ou de outra, de lidar com essa pandemia.
Ah, mas a economia…
Importante ressaltar que mesmo antes do Covid-19 nossos indicadores econômicos estavam bem ruins – seja na parte do crescimento, que patinava, ou mesmo no aspecto do endividamento público, após seis anos seguidos de déficit primário e já deixando claro que 2020 seria o sétimo ano. Contrariando a “decolagem” que alguns supunham na equipe econômica entramos nessa crise como um país quebrado e endividado. Ao contrário da Alemanha que possuía superávit fiscal e dos Estados Unidos que tinham desemprego ao redor de 4%.
Entramos em situação ruim na crise, com ela ficaremos em dificuldades ainda maiores. A situação poderia ser bem diferente caso tivéssemos, no pós-previdência (terceiro trimestre de 2019), já encaminhado outras reformas de impacto fiscal e econômico em geral, como a administrativa e a tributária – reformas essas que, agora, ganham ainda mais destaque dada a situação do endividamento que se deteriora em virtude dos desembolsos necessários para a lida com a pandemia. Com a corda orçamentária cada vez mais esticada e frágil, as justificativas para não entrarmos em um ritmo acelerado de reformas após este momento extraordinário são cada vez mais insustentáveis.
Outro ponto que muito provavelmente não será relegado ao último plano após toda essa catastrófica gestão de crise é a capacidade de gerir políticas públicas mais eficazes e, em tempos de crise, ter lideranças políticas que saibam efetivamente promover uma comunicação que faça a diferença.
Tenha você, leitor, em mente, que a partir do momento em que essa pandemia se fez presente a economia ao redor do globo já entrou em fortes dificuldades – segundo o FMI, a maior crise desde 1929.
Em um momento difícil como esse para o planeta inteiro, a decisão não a cargo de termos uma crise econômica ou uma na saúde, mas sim de, dado que a crise econômica seria inevitável, quais os caminhos para que isso não acompanhasse também um colapso na saúde? Por aqui, “sem querer querendo”, parece que optamos por ter as duas coisas.
Liderança impacta!
Em toda crise, o líder e sua capacidade de liderar é primordial. E o que é liderar? É ser o exemplo, transmitir segurança e, principalmente, ter uma excelente comunicação com a sociedade.
Vale ressaltar que espera-se do líder preparação para ser julgado independente do resultado ou da eficácia das decisões, ou seja, o líder deve caminhar contra ventos e correntezas. É fundamental que o líder transmita confiança e segurança para seus liderados. Podemos citar como exemplo Churchil no pós Segunda Guerra Mundial quando, diante de toda a expectativa de que findo o conflito as dificuldades teriam desaparecido, ele lembrou que, na realidade, ainda havia muito por se fazer. Certamente isso é bem diferente de amenizar os problemas – ou mesmo, como tivemos em uma campanha presidencial de 2014, fazer troça de quem os coloca na mesa.
Aqui no Brasil, nesse momento, estamos vivendo um apagão de lideranças. A sociedade está perdida e procura se segurar em algo que lhe dê confiança. Mas o que vemos? Discursos desencontrados, piadas e brigas políticas. A única coisa que não vemos é um líder que luta pela sua nação e principalmente por vidas. É um desencontro de opiniões e comunicação.
O maior sinal dessa liderança desencontrada é o fato de que embora o assunto principal seja a pandemia, tudo que vemos por aqui são demonstrações diretas de tentar dar nome aos avanços – em vez de focar nos avanços em si.
A frase “não importa a cor do gato, contanto que apanhe o rato” nunca se fez tão ausente em nosso país quanto agora. Aparentemente, por aqui vale discutir muito mais a tonalidade do gato do que se efetivamente o rato foi pego.
Se há um momento em que se espera uma atitude mais altiva de direcionamento do Estado é esse. E se existe um momento mais tosco para demonstrações de poder, também estamos nele.
Comunicação importa!
Não podemos deixar de falar que a crise é um ambiente fértil para boatos, afinal temos uma sociedade sedenta por informações e respostas, e com isso vai acreditar em tudo que lhe é dito.
O grande líder tem o dever de informar a sociedade de forma clara, com a verdade, e principalmente, trazendo esperança e colocando as pessoas como parte da resolução do problema, não do problema em si.
A comunicação deve ser feita com empatia e quem comunica não pode esquecer que cada ouvinte passa por diferentes situações e está com os sentimentos vulneráveis.
Toda decisão tomada deve ser explicada de forma clara, qual o objetivo e resultados esperados, ou corre-se o risco não desprezível de perder em credibilidade.
Nesta crise do coronavírus peguemos um breve exemplo do que é mais eficaz do que o que tivemos por aqui. Na Alemanha, Angela Merkel foi a televisão e disse claramente: “desde a Segunda Guerra Mundial nosso país não enfrenta um desafio que depende tanto de nossa solidariedade coletiva”.
Uma comunicação como essa exime que algumas pessoas sejam irresponsáveis? Não, mas coloca-as como irresponsáveis de maneira mais direta.
Por aqui, nossa “grande estratégia” foi digna dos filmes dos Trapalhões: o presidente não levou a doença a sério e deu a entender que não precisava ser levada, quando governadores começaram a agir reagiu como se “estivessem em campanha política”, houve uma demissão do Ministro da Saúde que discordava dele e desautorizações públicas diversas de seus próprios comandados.
E daí que o presidente fala besteira?
Provavelmente neste momento o leitor se perguntará qual a diferença dos discursos do presidente porque “é claro que sabemos que ele está equivocado”. Pois é, nem tudo é tão límpido assim. Um terço da população acredita que a gestão de crise (se é que ela realmente existe) por parte do presidente é ótimo/boa. Na prática, temos uma quantidade não desprezível de pessoas no país que também acredita que a doença não é algo que demande tanta seriedade assim. E o impacto disso é relevante: por todo o país pessoas pressionam prefeituras e governos estaduais a respeito de uma abertura que precisa ocorrer já que, na prática, “nem é tudo isso aí essa doença”.
Comunicação em crise muda o jogo
Como foi dito anteriormente, tivemos um tempo razoável para começar uma campanha educativa sobre o que estava acontecendo na China, Itália, Espanha, EUA e o que poderia acontecer aqui aqui no Brasil.
Mas já que não tivemos essa capacidade de comunicação educativa pré crise, como deveria ser feito durante a crise?
A principal ação é intensificar campanhas educativas sobre o vírus explicando as consequências mais graves que ele pode ter quando a pessoa é contaminada, o que acarreta para o sistema de saúde e a importância de se proteger. Não há necessariamente um espaço de tempo para que uma mudança cultural seja colocada em prática, mas o máximo de informações possível sobre os cuidados com a doença é o que deveríamos estar vendo o tempo todo. Um exemplo é enviar mensagens de texto simples e educativas.
É essencial manter o bom relacionamento e uma comunicação eficaz com a imprensa. Imprensa vive de furos, então não dê motivos para que dúvidas sejam geradas em relação aos números de saúde, gravidade da crise e conflitos políticos. O que menos precisamos em um momento de crise são suposições.
Não existe gestão de crise sem uma comunicação alinhada e coordenada entre lideranças (como exemplo: federais, estaduais e municipais) para que a população não fique com dúvidas e incertezas em relação às medidas adotadas e, principalmente, qual liderança seguir.
Líderes têm como obrigação comunicar transparência com o cenário atual e previsões para o futuro.
Todas as ações devem ser comunicadas à população com antecedência, clareza, transparência, explicando o porque daquela medida e o resultado esperado. Se a população tem tempo para se programar, as mudanças tendem a ser menos traumáticas.
Caso medidas tomadas sejam revogadas, o líder deve pedir desculpas e explicar onde foi o erro e deixar claro quais serão as novas medidas adotadas para os novos resultados.
Importante perceber se a comunicação está clara e empática para mostrar que a sociedade também é responsável pelo avanço da crise.
A comunicação precisa ser transparente em como será uma futura realidade, as pessoas precisam sentirem-se seguras com o futuro para ter incentivos e agir no presente.
Infelizmente podemos citar inúmeros exemplos de lideranças políticas que têm desempenhado um importante papel e se comunicado de maneira eficaz com a sociedade e são eles: Boris Johnson (Reino Unido), Angela Merkel (Alemanha), Andrew Cuomo (NY), José Luis Martínez (Madrid), entre outros.
O Brasil está dando aulas em ruídos de comunicação e do que não fazer em termos de gestão de crise. É importante notar que artigos como este que você está lendo servem para que, no futuro, não se possa apontar que “não se sabem as causas do caos na lida com uma pandemia como a do coronavírus no Brasil” e, além do mais, também servem para suscitar uma discussão mais séria sobre como a comunicação política mais eficaz faz diferença quando do Estado se esperam ações efetivas de direcionamento.
Caio Augusto
Editor do Terraço Econômico.
Nara Borges
Mestranda em comunicação na contemporaneidade pela Cásper Líbero e chefe de gabinete do Dep. Estadual Daniel José.