Quando o jornalista polaco Ryszard Kapuściński escreveu que “quando se descobriu que a informação é um negócio, a verdade deixou de ser importante”, o autor pôde, com esse aforisma, descrever a situação exata da nossa grande mídia. As vezes o que importa não é a notícia em si, mas o que ela pode causar no leitor menos atento.
É fato que a mídia tradicional brasileira já caiu em descrédito há muito tempo. E com certa razão. A internet, com todas suas ferramentas de interação e o aumento de produtores de informação independente causam arrepios dantescos aos editores que não acompanham a revolução do modo de se trazer informações. Um exemplo já é suficiente para ilustrar isso.
Dificilmente será noticiada na mídia nacional que o epicentro do coronavírus, a cidade chinesa de Wuhan, conta com dois laboratórios vinculado ao programa chinês de guerra biológica. O mais famoso, o Instituto de Virologia de Wuhan inaugurou, em 2015, o primeiro laboratório de biossegurança nível 4 (nível máximo de segurança) na China Continental. Com esse alto nível, é possível que os pesquisadores façam estudos com o vírus ainda vivo.
Gao Fu, diretor do Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças, diz que o surto do CONVID-19 pode ter começado em mercados chineses onde a busca por produtos frescos é rotineira. As pesquisas oficiais também corroboram que o surto teria emergido desses mercados de animais exóticos. A título de curiosidade, o laboratório de Virologia de Wuhan está situado a 32 quilômetros do mercado de Hunan Seaford, onde pode ter começado o surto. Levantadas essas informações simplórias que qualquer chefe de redação despreza completamente, vamos ao que realmente o vírus representa.
O que preocupa as autoridades é, basicamente, o seu rápido contágio. Segundo a World Health Organization, o coronavírus é espalhada principalmente por gotículas respiratórias. A maioria das pessoas (cerca de 80%) se recupera da doença sem precisar de tratamento especial.
Aqueles que possuem idade avançada (como sempre) têm uma taxa de mortalidade mais alta que a dos jovens. A maioria das pessoas que foram diagnosticados pelos vírus e vieram a óbito, possuíam muitos agravantes (pressão alta, doenças cardíacas, doenças pulmonares, câncer ou diabetes) e posteriormente contraíram o vírus.
Claro que na TV, jornais e principalmente na internet, podemos encontrar dicas e instruções de especialistas no assunto. Mas dramatizar não é a solução. A taxa de mortalidade das pessoas que contraíram o vírus é bem baixa.
Grupo de pessoas de 10 a 39 anos se contagiados pelo novo vírus, possuem taxa de mortalidade de 0,2%. de 40 a 49 anos, a taxa sobe para 0,4%, de 50 a 59, 1,30%. de 60 a 69 possuem 3,6% de irem a óbito e de 70 a 79 anos, possuem 8%. Por fim, após ultrapassarem os 80 anos, o número salta para 14,8%.
Essas informações, acessíveis a qualquer pessoa não monoglota, são essenciais para entender o COVID-19.
Mas é para tudo isso mesmo?
Ao que tudo indica, o vírus já está sob controle na China. Em Hubei, que no mês de fevereiro foram registrados mais de 14 mil casos em um único dia, na penúltima quinta feira (14) os números não passaram de oito.
De acordo com a BBC, para cada paciente morto, há 13 curados. E a proporção está aumentando. Isso tudo indica que nunca estivemos tão preparados para combater uma epidemia como estamos hoje. Com o avanço da medicina, temos hoje maiores disponibilidades de recursos médico-hospitalares incluindo vacinas, terapia intensiva e agentes antimicrobianos para tratarmos de qualquer pandemia.
No Brasil, até agora (23) confirmamos trinta e quatro mortes pelo novo vírus: a maioria do estado de São Paulo. Casos confirmados estão chegando a 2000. Em contrapartida, há duas semanas um paciente de 61 foi o primeiro brasileiro curado depois de contrair o vírus, também em São Paulo.
O que vejo que falta na mídia nacional é o que na filosofia chama-se de senso de proporções. A Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou uma lista contendo as doenças que mais matam pessoas por dia no mundo. Além da pandemia de coronavírus, o mundo enfrenta hoje surto de HIV/AIDS e de gripe suína (H1N1).
O que o estudo deixa claro é que, atualmente, o coronavírus está longe de se comparar as doenças que possuem uma taxa de mortalidade diária mais elevadas que ele. Apesar dos estudos terem sido realizados na semana passada (16) e a média estar desatualizadas com as novas mortes, essa pesquisa nos dá uma noção das proporções, algumas vezes fantasiosas, engendradas pela nossa mídia.
O sarampo, por exemplo, transmissível através do contato com gotículas do nariz, da boca ou da garganta de pessoas infectadas quando a pessoa tosse ou espirra (assim como o convid-19) e que a sua vacina foi descoberta já na década de 1960, possui uma mortalidade diária de mais de quatro vezes a do coronavírus. Só no ano passado, foi registrado no Brasil mais de 14.400 casos. As mortes não passaram de 15, mas não houve um alarde como o do vírus chinês.
Obviamente, tudo que é novo causa uma comoção maior do que aquilo que estamos enfrentando há décadas. Ainda mais um vírus que provavelmente tenha sido transmitido por algum animal e que não temos anticorpos naturais para combatê-lo.
Atualmente a Itália é o país que mais sofre com esse vírus. As vítimas já ultrapassam a casa dos 6.000. A Itália vive uma situação delicada em virtude da sua pirâmide demográfica. Além de ser o país mais idoso da União Europeia, também é o segundo mais idoso do mundo (atrás apenas do japão).
Além das tragédias humanas, há também as tragédias do mercado. Com a diminuição da atividade econômica, as bolsas ao redor do mundo derreteram. O mercados de ações na Rússia (36%), Brasil (36%), França (30,35%), Alemanha (29,43%), Argentina (29,31%), Reino Unido (28,12%), Sensex (19,51%) e Nifty (19.83%) caíram drasticamente de 31 de janeiro de 2020 a 12 de março de 2020.
Diante desse cenário instável, para dizer o mínimo, a mídia poderia amenizar os nervos da população. Por exemplo, ao invés de ventilar a cada segundo novos casos de suspeita de coronavírus (ou pelo menos noticiar somente os casos confirmados, não os casos positivo fraco ou inconclusivo de personalidades midiáticas) ela poderia mostrar aqueles casos em que o paciente foi hospitalizado e curado.
Como os grandes veículos de telecomunicação já mudaram toda sua grade de programas e basicamente os telejornais tomaram conta dos canais de televisão, seria interessante dar espaço a esses ex-contaminados divulgarem como estão. Seria uma ótima forma de tranquilizar a população atônita aos fatos.
Uma forma diferente seria apontar outros surtos acontecidos no passado recente que foram derrotadas com sucesso sem a necessidade de isolamento social. No ano de 2004, por exemplo, a gripe aviária (H5N1) que enfrentamos com sucesso tinha uma taxa de de mortalidade um pouco superior a 60%. Obviamente, as comparações são imprecisas. A velocidade rápida de contágio do vírus chinês não se compara a forma vagarosa do H5N1.
Outro meio de tranquilizar os ouvintes seria mostrar países em que o governo, ao invés de restringir a atividade econômica, fez somente avisos para que a população, principalmente a mais idosa, ficasse em casa. Reino Unido e a Coreia do Sul (parcialmente) adotaram medidas que vão na contramão das medidas autoritárias de países como a França e Espanha. As economias domésticas de seus respectivos países, agradecem.
Outro discernimento que a mídia opta em não fazer é a discriminação de que o coronavírus foi de fato o fator letal. Existem um contingente de casos (principalmente na Itália) em que o paciente já havia outras enfermidades. Portanto, o paciente morreu com o coronavírus e não de coronavírus.
Como os países ocidentais tratam o novo coronavírus como uma espécie de nova peste negra, há uma preocupação adicional para as pessoas que não buscam conhecimento para além da mídia nacional. Do choro de jornalistas “patriotas”, até notícias falsas de vacinas produzidas em países exóticos, a mídia tem um papel importantíssimo de informar a população sobre o que se está fazendo ao redor do mundo para controlar a epidemia e não ficar fechada hermeticamente nas fronteiras nacionais.
A tragédia pós-epidemia já está delineada. Como conta meu amigo italiano “acho que depois dessa pandemia, teremos mais falidos que falecidos”. Prudência sim, desespero não.
Apêndice: E a China? Passado recente das crises enfrentadas pelo dragão vermelho
Ora, a China está sendo o primeiro país a sair da crise. Importando petróleo (vale ressaltar que o problema se agravou com a crise enfrentada pela OPEP+ em relação a recusa da Rússia a ser conivente com as regras do cartel) e commodities mais baratas (inclusive minério de ferro brasileiro). Além do petróleo, a compra de ações de empresas ocidentais que derreteram com a pandemia (explicitada nos parágrafos anteriores).
No ano de 2004, a China anunciava ao mundo um novo surto: a gripe aviária. Com 63% de letalidade, O vírus H5N1 foi reportado como o apocalipse asiático. No dia 27 de janeiro daquele mesmo ano, a OMS advertiu que se o vírus tornar-se transmissível entre pessoas, poderia ser a causa de uma pandemia com potencial para matar milhões. Resultado: cerca de 300 mortes entre os anos de 1997 e 2004.
Na imagem abaixo vemos a taxa de crescimento real do PIB no ano em que a China fez o anúncio do novo surto. Todos esperávamos uma redução drástica do crescimento do PIB, mas não foi o que houve. O crescimento do PIB que em 2004 estava batendo a casa dos 9% passou incólume nos 3 anos seguintes batendo a casa dos 12% em 2007.
Agora o ano é o de 2009. A China anuncia outro novo surto: a gripe suína. Com 120.940 casos confirmados e 800 mortes somente na China, o vírus H1N1 foi a penúltima pandemia declarada pela OMS.
Segundo a OMS, somente no ano de 2009 tivemos 1,4 bilhão de casos mundiais de gripe suína. No total foram em torno de 575 mil mortes em todo o mundo. Muito pior que a gripe aviária, né? Mas e o crescimento da China durante o período posterior à crise? Ao que tudo indica, continuou robusto. Atente-se ao gráfico:
O crescimento do PIB em 2008 (ano anterior ao surto) foi de aproximadamente 9%. No ano do surto, o crescimento do PIB manteve-se constante e em 2010 aproximou-se da casa dos 11%.
Depois deste episódio veio a peste suína africana que reduziu a produção chinesa de carne suína em 30%. Os números não são exatos mas ficaram próximos de 200 milhões de porcos (foi nessa época que a carne suína brasileira ficou mais cara devido a escassez do produto) abatidos devido ao surto.
Devido a este fato (coeteris paribus) a balança comercial chinesa tenderia a enfrentar déficits e seu seria PIB reduzia. Outro agravante seria a guerra comercial entre os EUA de Trump. Mas as evidências mostram o oposto:
O que esses fatos geraram de prejuízo ao crescimento econômico da China? Nada! Pelo gráfico acima, nota-se que o crescimento do PIB chinês manteve-se constante durante os três anos.
Agora, diante esse novo surto de coronavírus, o que poderá acontecer com o crescimento do PIB Chinês? Tendo como plano de fundo os últimos surtos, a economia chinesa, apesar da desaceleração industrial, conseguirá reverter o processo e sair mais fortificada depois da crise? Só o tempo nos mostrará. Mas uma coisa é certa: duvidar do crescimento chinês em tempo de crise, não parece uma atitude sensata.
Maxwell Marcos
Estudante de graduação do curso de Economia pela Universidade de Taubaté. Apreciador das obras de Nelson Rodrigues e Theodore Dalrymple, acredita que o papel de uma Universidade é criar uma elite intelectual que discuta os problemas do país ou se possível da humanidade.
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