Reforma da previdência, PEC do teto dos gastos, corte de despesas e muitas outras agendas fiscais parecem ter dominado a agenda econômica, principalmente na mídia. Porém, essa não tem sido a única esfera de atuação da equipe econômica capitaneada por Henrique Meirelles no último ano e meio. Enquanto observávamos atentos à cada capítulo da novela de negociações no Congresso sobre reformar ou não reformar a previdência ou mesmo aceitar ou não denúncias contra o Presidente, crescia, silenciosa, uma imprescindível e há muito postergada agenda reformista no campo microeconômico – que, a perdoar o trocadilho, de micro não tem nada.
Liderada pelas equipes do Ministério da Fazenda e apoiada pelo Banco Central, ambos encabeçados por economistas de renome e experiência no mercado e no cenário acadêmico, a agenda tomou como prioridade a melhora do ambiente de negócios, a diminuição de distorções ao mercado, além do aumento da competitividade e produtividade do país. O sucesso de tal empreitada seria, então, alcançado a partir de mudanças sutis, céleres e, mais importante, baseadas em lições aprendidas com experiências passadas e no diálogo aberto e transparente com o mercado.
Foi nesse contexto que vimos mudanças de cunho regulatório e normativo espalharem-se por inúmeros setores, de petróleo e gás ao mercado de resseguros e fundos de pensão, passando por comércio exterior e mercado financeiro. Destacamos aqui algumas destas.
A começar por um setor que invariavelmente atrai atenção de todos no Brasil, uma das primeiras medidas tomadas pela equipe econômica de Meirelles foi a revisão de leis de conteúdo local e acerca da participação da Petrobras na indústria brasileira de petróleo e gás. A partir de lei sancionada em novembro de 2016, a Petrobras perdeu a obrigatoriedade de ser a única operadora do pré-sal, com participação mínima de 30% em cada consórcio de exploração – permitindo que a estatal passasse a definir os campos nos quais tem interesse em participar. Defendida pela nova Diretoria da empresa, tal mudança permitiu que a estatal passasse a priorizar investimentos com base em critérios técnicos, como expertise e situação financeira. Após um ano da mudança, os resultados são nítidos. Na esteira desta e de outras reformas internas, o valor de mercado da Petrobrás se recuperou enormemente.
Deixamos também de presenciar a criação de verdadeiras jabuticabas brasileiras do setor, como o navio João Cândido (encomendado pela Transpetro) – no qual qual a obrigatoriedade do uso de fornecedores locais o levou ao mar três vezes, antes que seus problemas de flutuação (isso mesmo, o barco não flutuava) o trouxessem de volta à terra para “breves reparos” de 24 meses.
Já no cenário de indústrias “menos interessantes”, duas mudanças no setor de resseguros (a seguradora da seguradora) e fundos de pensão fizeram por merecer a reação positiva dos mercados.
Entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018, dois importantes Conselhos encabeçados pelo Ministério da Fazenda (o Conselho Monetário Nacional e o Conselho Nacional de Seguros Privados) aprovaram a flexibilização da operação de resseguradoras estrangeiras no país – a partir da eliminação de limites para cessão de riscos entre empresas do mesmo grupo econômico – e medidas para facilitar o acesso de fundos de pensão brasileiros à investimentos no exterior. Lembrando que o setor de resseguros é de extrema importância, pois grandes projetos de infraestrutura dependem enormemente de seguros sobre os seguros feitos para os projetos, sendo que esses últimos são fornecidos pelo setor de resseguros.
Por trás do cunho técnico e, admitamos, nada “sexy”, tais mudanças representaram importantes passos em direção a maior liberalização e eficiência dos mercados no Brasil, e, mais importante, melhores serviços aos consumidores.No setor de fundos de pensão, por exemplo, a eliminação de barreiras ao investimento fora do país permitirá maior diversificação de risco e segurança para investidores conservadores em um cenário de juros em queda no Brasil – uma demanda crescente entre os próprios fundos de pensão domésticos. Já a flexibilização no setor de resseguros aproximará o mercado brasileiro das melhores práticas internacionais, permitindo que o setor traga os benefícios ao consumidor do que tem de melhor – a natureza internacional da distribuição e não concentração de riscos da indústria resseguradora.
Enquanto isso, na seara internacional, a importante decisão de enviar pedido formal de adesão à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) sinaliza importante mudança no posicionamento do país no campo político-econômico global. Pendente de aprovação pelo Conselho do órgão, o pedido formaliza um movimento crescente de alinhamento do país ao mercado global e às melhores práticas internacionais em áreas que que vão muito além de comércio, como política monetária, fiscal, educação e meio ambiente.
Nesse sentido, instituições como o Banco Central têm ido além, encabeçando mudanças e adaptações para a adesão à instrumentos que julgam essenciais, como o Código de Liberalização de Movimento de Capitais (que promove a liberalização de uma gama de capitais internacionais, como emissão, venda e compra de ações, e operações no mercado monetário e de crédito), mesmo na ausência de aceitação formal ao pedido de adesão.
Por fim, mas não menos importante, o último ano foi palco também de mudanças relevantes no setor bancário, como a revisão da taxa de juros praticada pelo BNDES (que terá também importante impacto fiscal) e medidas para redução do spread bancário – a diferença entre a taxa que o banco capta o dinheiro e a taxa que ele o empresta ao consumidor final (físico ou corporativo).
Visando tirar do Brasil o título pouco nobre de maiores taxas de spread do mundo e baratear o crédito (incentivando a economia), entre as últimas estão a limitação para cobrança de juros em rotativo no cartão de crédito (obrigando o banco a oferecer opções de parcelamento da dívida após dois meses) e um projeto – ainda em análise – para revisão do cadastro positivo, o tornando obrigatório para todos os consumidores, diminuindo assim a assimetria de informações entre credores e devedor. É igualmente louvável o projeto das duplicatas eletrônicas, que ao digitalizar a totalidade das bases de dados, evita fraudes como o uso da mesma duplicata como garantia para empréstimos com diferentes bancos pelo mesmo comerciante.
Como pode-se notar, a pouco falada agenda micro é tão importante quanto a tão falada e polêmica agenda macro. Porém, vale lembrar uma importante diferença: ela é mais simples de ser aprovada. Boa parte das decisões não necessita de mudanças legislativas, podendo ser alteradas apenas com decretos (estes aprovados por órgãos como o CMN ou o CNSP). Já uma parte menor pode ser tocada via projetos de lei, que também possuem um trâmite mais simples no Congresso, do que mudanças à Constituição, por exemplo. Tal dinâmica reduz a força de grupos de interesse potencialmente contrários a algumas mudanças, aumentando a importância da análise técnica e eficiência de um processo que impactará diretamente o dia a dia dos negócios, com efeitos diretos sobre o setor produtivo nacional.
Em suma, embora nada “sexy”, são essas pequenas e discretas mudanças que estão em grande medida pavimentando a retomada da economia brasileira – pois, no final do dia, quem faz o país crescer são pessoas como eu e você, que tocam seus negócios ou mesmo suas finanças pessoais dia após dia, construindo e sustentando a roda da economia. Fica aqui, então, nosso apoio ao avanço da agenda micro e o desejo de que estas mudanças tenham vindo para ficar – além de, claro, os parabéns aos envolvidos.
Rachel Borges de Sá e Victor Cândido, editores Terraço Econômico