Gabriel Brasil
Nos reflexos de Uber, Spotify, Airbnb, Twitter e tantos outros, já não são recentes as evidências da evolução de um capitalismo que rompe, via inovação, as fronteiras daquilo que, outrora impensável, hoje se apresenta como viável e oportuno. Não é mais imprudente dizer que presenciamos – e, sobretudo, participamos de – uma inflexão irreversível que sai da economia para transformar a sociedade em suas mais potentes expressões. A tão chamada “economia colaborativa” adquiriu contornos suficientes para ser analisada como fenômeno organizado, que tem nessas empresas apenas a vanguarda de um sistema auto evolutivo real e funcional. E este, baseado no princípio da colaboração eficiente, provavelmente ainda não tem limites.
Embora seja talvez ingênua a comparação quantitativa do momento civilizatório atual (em termos econômicos) com outros pontos de inflexão históricos, como o desenvolvimento da técnica agrícola, crucial para o fim do nomadismo, e a revolução industrial – quando as curvas de riqueza da humanidade enfim se tornaram exponenciais –, talvez seja sim possível promover o diálogo desses pontos do tempo com o que vivemos agora em termos de relevância, num âmbito mais qualitativo – que é, aliás, a base desse novo paradigma. Isso porque, embora não estejamos tratando de uma era de enorme crescimento como nos primeiros casos, presenciamos sim, na verdade, uma enorme revolução alocativa, que otimiza a atuação dos agentes, reduz desperdícios, diminui ou elimina os tão problemáticos custos de transação do nosso sistema e, finalmente, conecta pessoas – ou ideias, propósitos, produtos, (…).
Nessa perspectiva, talvez tenha chegado a hora de dizer que os últimos anos marcam, na linha econômica do tempo, uma grandiosa representação da tão famosa “Destruição Criadora” – elemento que, segundo o economista Schumpeter, é o verdadeiro responsável por qualquer crescimento real de longo prazo das nossas economias, o “fato essencial do capitalismo”. Assistimos, nos últimos anos e cada vez mais rápido, ao desenrolar da inovação numa intensidade cada vez mais em espiral, que potencializa a si mesmo e gera a cada dia mais oportunidades para sua própria realidade.
Muito além da internet – paradigma já incorporado como dado desde o começo da década– e de todo o buzz em torno das algumas vezes supervalorizadas ideias do Vale do Silício – que, diga-se de passagem, estão em trajetória interessante de maturação e consolidação – agora presenciamos um processo de convergência dos fenômenos econômicos para fora do puro e simples consumo, em direção cada vez mais da experiência, da personalização, da cooperação e da assertividade.
Por vezes assustadores, algoritmos e sistemas de cruzamento de dados otimizam procuras e conexões e formam a base de uma nova economia que se apoia também na eliminação de intermediários e na consequente transformação de clientes em produtores – e vice-versa. A mídia musical, por exemplo, que já há muito absorveu o formato físico, agora adentra mais ainda na veia do virtual, oferecendo recomendações e possibilidades de customização incrivelmente precisas, baseadas no cruzamento das escolhas dos nossos contatos e também do nosso próprio histórico. A extensão também vale para praticamente qualquer forma de escolha material – livros, presentes, filmes, etc. Trata-se de uma nova etapa do consumo, em que a busca dos próprios gostos passa, paradoxalmente, pela ajuda dos outros.
Nos ambientes organizacionais, para além da “Big Data”, a atmosfera empresarial também acompanha o desenrolar dessa transição, liderada por uma geração cujos líderes priorizam a criatividade, a flexibilidade e a informalidade. De Steve Jobs a Zuckerberg, vai ficando o legado de que impacto não se faz mais apenas com grandes construções ou automóveis, mas com o aprimoramento das relações, do design, da eficiência e das experiências.
Assim, a despeito do evidente otimismo possivelmente exagerado em torno do fenômeno, cabe dizer, num olhar ainda positivo, que vivemos um momento único: da substituição da posse pelo uso; das hierarquias pelas redes; do controle pelo empoderamento; do planejamento pela experimentação; da privacidade estrita pela transparência; e, no limite, do lucro pelo propósito. Parece que, na esteira do dinamismo do capitalismo, chegamos enfim na era do intangível.
Gabriel Brasil Economista pela Universidade Federal de Minas Gerais e entusiasta das expressões cada vez mais fascinantes da economia na nossa sociedade.