Quando a pauta é educação, há um fenômeno interessante no Brasil: sua presença em campanhas eleitorais é inversamente proporcional à sua relevância cotidiana. Levada ao ápice pela escolha do lema Pátria Educadora para o segundo mandato presidencial de Dilma Rousseff, o tema é constantemente escanteado nas páginas (físicas ou virtuais) dos principais veículos de comunicação do país. Não se deixe enganar o leitor ou a leitora pela quantidade de manchetes e chamadas que saltam aos olhos das páginas (de novo, de qualquer natureza) que parecem dizer respeito ao assunto: na verdade, a maioria delas é sobre economia ou direito.
Notícias sobre escolas paralisadas durante a greve do último dia 28 não têm como foco a educação, mas o projeto de reforma trabalhista – em seus aspectos jurídicos e econômicos; anúncios de atualização de rankings universitários ou desempenho de escolas no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) ou no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), são rapidamente direcionadas para análises sobre investimentos no setor e seu correlato em qualidade – quando não para oposições rasas entre privatização e direito a educação. Mais dinheiro, recursos de outras fontes, mais direitos e garantias são sempre a solução. Pouca atenção se dá a estratégias pedagógicas, desenhos curriculares, avaliações qualitativas (que não se deixam traduzir em quantificações imediatas), modelos institucionais, políticas de pesquisa, etc.
Isso faz todo sentido para um país em crise. Num momento de incerteza político-institucional e econômica, nada mais natural do que nossas discussões convergirem para esses dois epicentros. É urgente, imperativo e necessário que pensemos em como sair desse nó, e faz todo sentido que tal saída seja articulada principalmente em termos econômicos e jurídicos. Principalmente, não exclusivamente. É necessário, mas não suficiente.
Que o descalabro atual nos faça buscar uma nesga de luz no fim deste longo e escuro túnel, não é de se espantar. No entanto, não podemos sacrificar nosso senso de perspectiva e horizonte no altar do desespero e do imediatismo.
Tal renúncia é especialmente danosa na área da educação, onde investimentos, programas e reformas demoram anos para fazer efeitos. Mesmo sem entrar na discussão sobre continuidades de políticas de Estado para além da duração de mandatos de governo e aceitando – apenas para efeitos argumentativos – o cenário mais favorável possível ao florescimento de políticas públicas educacionais, temos de admitir que não há muito espaço para imediatismos nessa dimensão social.
Quais as consequências desse conflito de temporalidades? Num cenário onde se buscam soluções urgentes para problemas graves, é natural virarmos as costas para as áreas onde tal rapidez de resultados não é possível. Trata-se de uma questão de prioridades. No entanto, é preciso ter consciência do que se está abrindo mão quando se privilegia uma resposta rápida em detrimento de planos estratégicos duradouros.
Na melhor das hipóteses, encontraremos saídas emergenciais satisfatórias que nos tirarão do buraco. Em seguida, fugazes como são tais respostas e seus efeitos profiláticos, estaremos diante dos mesmos dilemas estruturais, estratégicos e de planejamento duradouro que se apresentam hoje – com o agravante do tempo acrescido – e sem reflexão acumulada, uma vez que adiamos esse exercício em favor da concentração de esforços nos assuntos urgentes. Na pior das hipóteses, falharemos e continuaremos girando em falso enquanto sociedade, sem conseguir sequer levantar nossos narizes acima do mar em que estamos afogados.
Em ambos os casos, somos como Sísifo[1], condenado a rolar uma pedra até o cume de uma montanha, apenas para que ela caísse e ele recomeçasse a tarefa infinitamente. No cenário otimista, conseguiríamos rolar a pedra até o topo; no cenário pessimista, falharíamos no meio da missão. Em qualquer cenário, a pedra voltaria ao sopé.
Para escapar desse destino tão cruel quanto absurdo, não podemos renunciar a pensar para além do amanhã e planejar o futuro. Desatar o nó górdio do (sub)desenvolvimento brasileiro exige mais do que encontrar um colete salva-vidas.
É evidente que não há como fazê-lo sem tentar sair do atual buraco econômico-político-institucional; afinal, se não conseguirmos respirar, certamente morreremos afogados – e bem longe da praia. O que estou defendendo aqui é uma difícil coordenação: enfrentar os problemas imediatos que assolam a vida cotidiana do Brasil e, ao mesmo tempo, manter em vistas um projeto de desenvolvimento duradouro. Se é verdade que no longo prazo, estaremos todos mortos, é igualmente verdade que boa parte de nós – para não dizer a maioria – ainda tem um punhado de décadas para viver.
O que vemos na educação é o contrário disso: projetos de reformas atabalhoadas, rascunhados às pressas e não debatidos com a sociedade (como a Medida Provisória 746), foco em questões eminentemente jurídico-políticas (como o projeto Escola Sem Partido) [2] ou, ainda, reações ad hoc aos rankings anuais [3]. Sem uma visão abrangente sobre a educação no país, continuaremos encontrando, à la Sísifo, os mesmos problemas.
Uma tal visão, embora não possa desconsiderar a importância das dimensões econômica e jurídica, tampouco pode se deixar reduzir a elas. O desafio é equacionar e equilibrar o conflito de racionalidades inevitável em qualquer aspecto social complexo [4]. A alternativa? Seguir empurrando pedras encosta acima.
[2] Terraço Econômico – Reforma sem partido? Perspectivas para o ensino médio
[3] Terraço Econômico – A que(m) servem os rankings universitários?
[4] Terraço Econômico – A noção de eficiência e os limites da racionalidade econômica
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