Entrevista com Eduardo Giannetti

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O Terraço entrevistou com exclusividade o economista e cientista social Eduardo Giannetti. Giannetti tratou desde questões de cunho mais filosófico sob o pano de fundo de seu mais recente livro, Trópicos Utópicos, até assuntos mais polêmicos, quanto a candidatura de Marina Silva, a atrapalhada gestão econômica de Dilma e as atuais propostas de ajuste de Michel Temer.

Para Giannetti, é preciso resgatar-se a tradição de economia política do século XVIII e trazer o debate econômico atual para perto de disciplinas como ética e filosofia: “um bom economista é aquele que tem uma formação plural”. O economista defende ainda a importância de o Brasil valorizar sua identidade multicultural e rejeita teses deterministas de subdesenvolvimento econômico – conceito que também não julga suficiente para medir qualidade de vida ou muito menos felicidade. Por fim, Giannetti destaca a importância de reformas tidas (erroneamente) como impopulares preparadas pela equipe econômica de Temer e conclui que a maior lição da atual crise é que “com macroeconomia não se brinca!”.

Confira abaixo a entrevista na íntegra.

  1. Terraço Econômico – No seu mais recente livro, trópicos utópicos, ficou clara a sua preocupação com questões que extrapolam a ciência econômica, passando a tratar de temas como filosofia, sociologia e mais marcadamente da sustentabilidade ambiental. Como você o papel de economista moderno para tratar desses temas em conjunto?

Eduardo Giannetti – A economia é parte de um todo. Um dos problemas do mundo em que a gente vive é que os economistas se fecharam muito dentro da engenharia econômica e perderam a dimensão dos grandes temas que afetam a vida contemporânea. Estou resgatando no fundo uma tradição de economia política do Séc. XVIII e XIV, num período da história do pensamento em que a economia sequer existia como uma disciplina separada, era parte de um projeto filosófico mais abrangente. Os grandes economistas que construíram o pensamento econômico, como Adam Smith, Mill, Marx, Malthus e Alfred Marshall eram todos filósofos, e a economia parte de um projeto intelectual muito mais abrangente, muito mais ousado do ela se tornou especialmente na segunda metade do Séc. XX. Portanto, o que eu estou fazendo é voltar em uma abordagem em que a economia não está dissociada da ética, da filosofia política e até mesmo da biologia. Pois não podemos nos esquecer que a economia é um subsistema da natureza e ela afeta o metabolismo do mundo natural. O movimento no fundo é esse; há vários outros economistas importantes contemporâneos que fazem um movimento parecido, dentre eles eu posso destacar sem dúvida nenhuma a figura do Amartya Sem, que é um filosofo economista.

O mundo é complexo e são várias interdependências, e as classificações que a gente usa como sociologia, antropologia, economia, psicologia são muito artificiais por que a realidade não é compartimentada dessa maneira. Não dá para ser um bom economista e entender o comportamento humano se não tiver o mínimo de formação em psicologia, por exemplo.  Daniel Kahnam é um grande economista e ganhou prêmio Nobel de economia, sendo que tem formação em psicologia. Nesse sentido, acho que a gente não pode se prender tanto a classificações e rotulagens de especialização acadêmica.

Eu acho que uma boa formação em filosofia ajuda muito a pensar qualquer problema, por que ela te dá a lógica, te dá ética, filosofia da ciência etc. Há uma excessiva compartimentalização e uma excessiva especialização que causaram um dano muito grande a economia. A questão do meio ambiente é a mais evidente. Durante muito tempo, os economistas abstraíram os impactos que a ação humana causa sobre o meio ambiente, e a ética também, como se o agente econômico fosse um ser mecânico, autômato da utilidade e do auto interesse. Essa abordagem é muito reducionista e não faz justiça aos problemas que nos enfrentamos no Séc. XXI.

  1. Qual seria a nova utopia brasileira? Seria um “novo-mundo tropical”? Em um processo “retropicalização”? Ainda carregamos a santíssima Trindade: a ciência, a tecnologia e o crescimento econômico?

A ideia de uma utopia brasileira é a ideia de que nós não podemos nos resignar a uma simples cópia malfeita do chamado mundo rico ou desenvolvido; o Brasil não é isso. Eu me pergunto, se tudo der certo no Brasil, o que somos nós? Um Estado do Sul dos Estados Unidos ou Estado do Sul da Europa, não! Nós temos valores que nos diferenciam, e a utopia brasileira é viver esses valores; o que nos diferencia de fato é o modo como as diferentes culturas se difundiram na vida brasileira de uma forma original, tanto a cultura ameríndia quanto a cultura africana e a cultura europeia (principalmente na variante ibérica).

O Brasil não pode aceitar essa ideia de que ele é apenas uma cópia de alguma coisa que ele nunca alcança. Não são nossos valores, nós não damos a primazia que as culturas do Norte dão à competitividade, à produtividade a qualquer preço, à disciplina e ao ordenamento pauto por regras impessoais. O Brasil é um pais onde predomina a afetividade, as relações pessoais, uma disposição para uma vida que não é tão aguerridamente tão competitiva; é uma vida muito mais afetiva e contemplativa. Temos que saber valorizar isso, sem perder de vista é claro a necessidade de melhorar as condições de vida material de muitos brasileiros que infelizmente que vivem ainda com carências que são intoleráveis no Séc. XX. Não somos uma versão bem-comportada do mundo ocidental, somos outra coisa e temos de ter coragem de viver nosso sonho.

  1. Ainda sobre seu livro, você compara a colonização dos EUA com a colonização da América Latina, relacionando muito à religião e a diferença de valores, no caso a católica e a presbiteriana. Nesse sentido, qual sua opinião sobre teses mais deterministas, como a de Acemoglu, Jonhson e Robinson [1], segundo qual a fonte do subdesenvolvimento da América Latina encontra-se justamente na fraqueza de instituições, principalmente de direito de propriedade e segurança jurídica – tendo em vista que tais instituições foram estabelecidas por colonizadores em países onde o nível de mortalidade era baixo, como os EUA, e negligenciadas em países que apresentavam altos níveis de mortalidade, como Brasil e vizinhos latino americanos?

Eu não aceito as definições de sucesso e fracasso que tanto trazem esse raciocínio. Não vejo o Brasil como fadado ao fracasso nem acho os EUA um sucesso a ser emulado por todo o planeta. Veja só os americanos: um cidadão com a renda mediana de 28 mil dólares por ano está entre os 5% mais ricos do planeta, e aos olhos da cultura que ele vive e dele mesmo, ele é um fracassado, ele é um loser e sente que lhe faltam mais coisas materiais do que para a maioria dos outros 95% que ganham menos do que ele no planeta. Tem alguma coisa errada nessa cultura, não só do ponto de vista ético, por que reduz a vida humana ao imperativo do ganhar mais para consumir mais, mas também do ponto de vista ecológico ambiental, por que esse padrão de vida não é generalizado em escala planetária.

Tampouco é sustentável. Os EUA consomem só em eletricidade para sustentar aparelhos de ar condicionado mais que o continente africano inteiro para todas as finalidades. Isso é sucesso? Uma sociedade onde uma pessoa está entre os 5% mais ricos do planeta e se considera um fracassado, um loser? Eu me recuso a essa métrica. Temos problemas institucionais no Brasil? Lógico que temos e vamos tentar resolver, mas imaginar que somos um fracasso em comparação aos EUA, eu me recuso a aceitar. Digo mais, ainda bem que não somos os EUA.

Mas essa tese não é original deles [de Acemoglu, Johnson e Robinson], é original dos neo-institucionalistas, dentre os quais o grande pioneiro foi Douglas North. Eles [Acemoglu et al] introduziram uma contribuição empírica que é bem-vinda, mas essa ideia de sucesso ou fracasso, nós não podemos aceitá-la. Isso é economia normativa, quem define o que é sucesso? Com que valores? Por essa métrica os gregos eram um fracasso total, pois a renda per capita lá era ínfima e eles deixaram um legado filosófico, cientifico, estético para humanidade que é incomparável. Nós não podemos reduzir a vida humana e a cultura a uma métrica estreita de renda.

  1. Você em diversas oportunidades comenta a ineficiência que certos indicadores econômicos, como por exemplo o PIB, não são as melhores métricas para medir a riqueza e o desenvolvimento de um país, alegando que devemos ir além do sistema de preços. Quais indicadores ou ideias seriam melhores para medir sucesso ou desenvolvimento?

Eu não acredito que exista um indicador numérico que reflita a melhor vida e não acho que as culturas permitam uma comparação direta, pois os ideais e concepções de felicidades são diferentes. A felicidade do italiano não é a mesma do dinamarquês, e que por sua vez não é a mesma do indiano e do mexicano, a ideia que há um número que você possa usar para ranquear uma sociedade para dizer qual é bem-sucedida e qual é fracassada eu considero um equívoco. Eu acho que existem indicadores importantes, mas tem que ser usados com critério, por exemplo, mortalidade infantil é um indicador fundamental, expectativa de vida ao nascer também é importantíssimo, agora mesmo estes precisam ser vistos com critério, não adianta nada viver muitos anos com a péssima qualidade de vida dos últimos 20 anos de vida. Aliás é uma discussão ética interessante, o que é melhor, uma vida curta intensa ou uma vida longa e monótona?

Agora de fato, no mundo que nós vivemos, o PIB per capita continua sendo o grande fetiche de comparação internacional, e ele é um desastre, não é que ele mede errado do ponto de vista que as variações são incorretas, ele erra no sinal. Se você mora perto do seu local de trabalho e tem o privilégio de caminhar até ele, isso não entra no PIB, se você tem que tomar uma condução e ficar 3 horas entalado no ônibus o PIB aumenta? Você vai estar consumindo combustível, equipamento, mão de obra, vai provavelmente ficar neurótico, vai ter que fazer terapia, portanto o sinal é errado. A hora que nós tivermos que andar com uma garrafa de oxigênio no bolso para continuar respirando, ele vai aumentar de novo.

Existem muitas “famílias” de indicadores, acredito que saber se as pessoas estão satisfeitas com a vida que tem é muito importante, sabe como isso está variando ao longo tempo também. Eu escrevi um livro chamado “Felicidade” que vai fundo nessa questão de indicadores subjetivos de bem-estar, os méritos, os limites, os prós e contras. O que a gente não pode aceitar é um “rankeamento” das nações com base em um único critério numérico. Isso não é um jogo de futebol; cada pais está em campos diferentes, cada cultura incorpora conceitos diferentes de felicidade.

  1. Vê-se hoje um movimento crescente de insatisfação em relação não somente às velhas lideranças, mas também à política em geral. Os altos índices de abstenção, votos nulos e brancos, além da menor participação de jovens (com número de registros aos 16 anos menor do que comparado a anos anteriores) nas últimas eleições municipais foram um reflexo bem claro disso. A população demanda o novo. Como assessor da campanha eleitoral de Marina Silva na última campanha para Presidente, você acredita que ela ainda pode responder à essa demanda pelo novo, ou ela já perdeu o timing?

O eleitorado brasileiro, por razões perfeitamente compreensíveis, está muito desencantado com a política. Nesse contexto, temo que tal desencanto descambe para a pior resposta que se pode dar a essa situação: a omissão. A resposta correta é o engajamento, a participação e o debate, evitando a polarização burra; e não o afastamento da política, que só agravará um quadro já preocupante.

Com relação à Marina Silva, não posso responder por ela. Acredito que a Marina é uma liderança rara em qualquer país do mundo, porque ela é inteiramente calcada em um compromisso com a ética. Ela não representa nenhum setor da economia nem grupo de interesse, muito menos conta com a estrutura de um partido político forte. E por isso sua figura é muito importante para a vida pública brasileira.

Por outro lado, acredito que a Marina terá de escolher se é uma líder de movimento, ou seja, alguém que abraça uma causa e que milita publicamente por essa causa – na linha de um Martin Luther King ou um Gandi – ou se ela é uma candidata à chefe do Poder Executivo brasileiro e, portanto, tem um programa definido para questões espinhosas como o ajuste fiscal, a reforma da previdência e outros.

Ela hesita muito em assumir uma ou outra postura, e esse meio do caminho não é positivo. Ela terá que optar por um dos caminhos e, no caso do segundo, ela deverá munir-se de uma equipe técnica e sólida capaz de dar substância a suas propostas para temas muitas vezes controversos e que, invariavelmente, desagradarão a muitos. Um líder que se propõe a ser Chefe do Executivo de um país em crise, tem que ter a ousadia e a coragem de tomar decisões que muitas vezes implicam em algum sacrifício no presente para colher maiores benefícios no futuro.

  1. Em recente evento organizado pela revista Exame e a CNI, você referiu-se ao PMDB como o “parasita que se transformou em hospedeiro”. Você acredita que um partido com esse histórico e essa imagem terá credibilidade para realizar reformas necessárias, porém impopulares, como a reforma da previdência?

Eu discordo da designação impopular. Na realidade, são reformas altamente populares, pois elas têm como objetivo liberar recursos para o que realmente importa, que é a saúde pública e a educação dos mais pobres. A equipe econômica do governo Temer é de uma qualidade como há muito tempo não se vê no Brasil; não apenas no Ministério da Fazenda, mas também nas principais estatais brasileiras – Petrobrás, Eletrobrás, BNDES – para não falar no Banco Central, que atualmente tem um Presidente que seria o sonho de qualquer país do mundo, o Ilan Goldfajn.

Um dos maiores paradoxos do governo Dilma é que, em nome de uma ideologia estatizante, esse governo destruiu as principais estatais brasileiras – a Petrobrás e a Eletrobrás, para começo de conversa. E é incrível que um governo que não é de perfil estatizante agora venha salvar as estatais brasileiras, as colocando de pé novamente após elas terem estado em queda livre, completamente arruinadas.

A PEC do teto dos gastos públicos é fundamental para o país sair da recessão. Caso contrário, o desemprego continuará piorando, a inadimplência continuará aumentando, um número ainda maior de empresas terá que pedir recuperação judicial; o Brasil volta para a UTI. É fundamental colocar as contas públicas em uma trajetória de equilíbrio ao longo do tempo, e a PEC 241 [agora no Senado como PEC 55] tem esse mérito ao definir um horizonte até flexível para que, ao longo do tempo, as contas públicas brasileiras não explodam – que é o caminho que estamos até agora.

O lado fraco deste governo é exatamente o que você mencionou em sua pergunta. A parte política dele, que é o PMDB, está muito vulnerável às investigações em curso na Operação Lava Jato.

Entretanto, nunca podemos esquecer que quem votou na Dilma, votou também no Temer e que, portanto, não haveria Temer sem Dilma. Quem deu ao Temer a chance de virar Presidente foi o PT, uma vez que escolheu a aliança com o PMDB para se perpetuar no poder a qualquer preço. E se a Dilma tivesse ficado doente? Ninguém tinha pensado nessa possibilidade? Ia ser golpe também? É incrível que agora o PT finja que não tem nada a ver com isso; que o governo do Temer não tem nenhuma relação com o governo Dilma.

  1. Na sua opinião, qual foi a maior lição da crise econômica atual?

O que derrubou o governo Dilma foi o desastre da política econômica do primeiro mandato. Se o país não tivesse entrado nessa gravíssima crise econômica, não havia a menor possibilidade de essa tese do impeachment prosperar. A gravidade dos equívocos da política econômica da Dilma era algo que não tinha ocorrido no Brasil desde o governo Sarney. Nesse contexto, o anticorpo que expulsou Dilma da política brasileira foi quase que um instinto de sobrevivência da sociedade brasileira.

Mas a maior lição acredito que foi a seguinte: existem parâmetros da macroeconomia que devem estar acima das preferências partidárias ou da polarização direita X esquerda. O equilíbrio das contas públicas não é uma questão ideológica, é uma questão de saúde econômica. A inflação baixa é um outro parâmetro, não pode transigir, pois equilíbrio monetário é um imperativo. Equilíbrio das contas externas é outro parâmetro que não pode mais ser submetido à paixões e preferências de cunho ideológico.

Eu gosto muito de lembrar o exemplo do Nelson Mandela na África do Sul, um verdadeiro estadista. Quando ele assumiu, ele manteve – em relação a essas políticas de macroeconomia – as mesmas políticas que vinham sendo conduzidas no regime anterior. E foi de uma enorme sabedoria em fazê-lo. Você tem que inovar e ser ousado, mas não com macroeconomia. Com macroeconomia não se brinca!

O Lula no primeiro mandato foi um verdadeiro estadista, e a melhor coisa para a democracia do Brasil. A transição entre FHC e Lula mostrou que o país podia fazer uma alternância de poder sem comprometer a racionalidade básica da política econômica. Porém, infelizmente a partir do segundo mandato, e de maneira pronunciada com a Dilma, nós perdemos totalmente o rumo. E agora estamos pagando um preço muito alto por essa politização dos parâmetros básicos da macroeconomia.

A esquerda tem que se dar conta que o equilíbrio das contas públicas, a estabilidade monetária e o equilíbrio das contas externas são bens dos quais não se pode transigir. São pilares de uma economia saudável, sem os quais coloca-se tudo a perder, inclusive os ganhos sociais das políticas de inclusão de renda. É uma lição amarga que espero que tenha sido aprendido desta vez. 

Referências

[1] Acemoglu. D, Johnson. S, Robinson. J: The Colonial Origins of Comparative Development: An Empirical Investigation, 2009 (http://economics.mit.edu/files/4123)

 

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