Estudo do DIEESE sobre a Lava Jato, a maior Fake News da década

Recentemente, foi amplamente divulgado pela imprensa um “estudo” produzido pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), encomendado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), mostrando que a Operação Lava Jato teria sido responsável por destruir 4,4 milhões de empregos e tirar mais de R$ 170 bilhões de circulação na economia brasileira.

De acordo com a metodologia do estudo, os autores chegaram a tais números a partir de estimativas do impacto que investimentos não realizados pela Petrobras, entre 2014 e 2017, teriam sobre diversos setores da economia brasileira. Eles atribuem a não-realização desses investimentos única e exclusivamente à Operação, o que está completamente descolado da realidade vivida pelo Brasil nos últimos anos.

O estudo em questão é uma Fake News de tamanho incomparável e imensurável, dado o nível de negacionismo histórico e econômico a respeito do que, realmente, aconteceu com uma das maiores empresas petrolíferas do planeta e quais foram as condições que levaram a Petrobras a executar um plano de desinvestimento.

A origem disso está na maneira como os governos petistas utilizaram a Petrobras como uma ferramenta para a sua manutenção no poder, seja por meio de favorecimentos a empresas parceiras em troca de propinas e financiamento de campanhas ou para a execução do projeto econômico populista.

Em novembro de 2013, quatro meses antes da deflagração da Operação Lava Jato, a economista Paula Barbosa publicou texto de discussão “O endividamento da Petrobras com o BNDES no período pós-2008 e impactos contábeis e econômico-financeiros”, no qual já mostrava a situação delicada da petrolífera em termos de lucratividade e endividamento.

A autora mostrou que, entre os anos de 2006 e 2007 a Petrobras viu seus indicadores de Retorno sobre Investimentos (ROIC), alavancagem e EBITDA piorarem consideravelmente. O índice de alavancagem, que mede o endividamento sobre lucro líquido saltou de 180% em 2006 para 1865% no fim do primeiro semestre de 2013.

De acordo com a economista, alguns fatores que explicam essa perda de rentabilidade são a defasagem entre preços internos e externos de derivados de petróleo, os elevados investimentos em refinarias e políticas de conteúdo local mínimo. Além disso, outro ponto destacado pela economista foi a guinada que a área de abastecimento na companhia viu em seu resultado. Ela encerrou 2010 com lucro de quase R$ 4,2 bilhões e já em 2011 teve prejuízo de R$ 10,5 bi, que aumentou para R$ 23 bi em 2012, resultado da política de subsídio para o preço da gasolina, diesel e gás liquefeito de petróleo, estabelecido pelo governo Lula, por decreto no fim de 2010.

Paula ressaltou que a Petrobras registrou perdas sucessivas com a comercialização de gasolina, diesel e gás liquefeito de petróleo (GLP) no mercado interno, em virtude da política de contenção dos preços dos combustíveis executada pelo governo com o objetivo de controlar a inflação. A média de defasagem entre o preço praticado pela Petrobras e o preço do mercado internacional foi de 25% no período.

Ao mesmo tempo em que segurava artificialmente o preço dos combustíveis, comprometendo seu fluxo de caixa, a companhia ampliava seus investimentos, principalmente nas áreas de abastecimento, exploração e produção de petróleo, o que fez a Petrobras recorrer a bancos públicos e privados para obter liquidez, o que ampliou seu endividamento.

Ou seja, antes da deflagração da Operação Lava Jato, a Petrobras já apresentava situação delicada em seus indicadores econômico-financeiros, que refletiam no valor de suas ações e fizeram a empresa perder R$ 40 bilhões em valor de mercado somente no ano de 2013, segundo dados da Economatica. A maior queda da Bolsa de Valores no período. O Bank of America Merrill Lynch apontou a Petrobras como a empresa mais endividada do mundo em relatório divulgado ao final de 2013.

Era óbvio que o grande desafio da companhia para o ano de 2014 seria reduzir seu endividamento, fato que foi apontado pelo próprio Conselho Fiscal da Petrobras, em 25 de fevereiro, durante reunião em que o órgão recomendou à Diretoria da empresa que fizesse esforços para reduzir a alavancagem, tendo em vista que isso poderia afetar o grau de investimento da empresa.

A reversão deste caminho que poderia levar a companhia para a insolvência foi possível, entre outros fatores, por conta da Operação Lava Jato. A Investigação apontou desvios em obras da Petrobras, que serviam para pagar propina a políticos que integravam a base aliada dos governos petistas, integrantes de PT, PMDB e PP, principalmente. Essas obras eram conduzidas por empreiteiras “amigas” do governo, tais como Odebrecht, OAS e UTC.

Além disso, as obras estavam atrasadas e constantemente viam seu preço aumentar. Por exemplo, a construção do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) custaria US$ 6 bi. Porém, em 2015, seu custo já era estimado em US$ 30 bi. Outra obra foi a Refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca (PE), que teve o valor aumentado de R$ 8 bi para mais de R$ 40 bi no mesmo período.

Foi justamente em 2015, somente após a eleição que conduziu Dilma ao seu segundo mandato, que a Petrobras iniciou a reversão do processo de deterioração. Inicialmente, a companhia divulgou o balanço do ano 2014, auditado pela Pricewaterhousecoopers (PWC), o qual apontava prejuízo de R$ 21 bilhões na companhia em 2014. A apresentação do balanço foi feita por Aldemir Bendine, presidente da companhia, indicado pela então Presidente da República, Dilma Rousseff.

Entre as razões para tamanho prejuízo, foram elencadas as perdas estimadas com a corrupção, na ordem de R$ 6 bilhões e a redução nos valores de seus ativos em R$ 44,3 bilhões, após ter reavaliado uma série de projetos, principalmente a Refinaria Abreu e Lima e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), já mencionados anteriormente.

Bendine, inclusive, pediu desculpas pelos escândalos de corrupção. “Sim, a gente está com sentimento de vergonha por tudo isso que a gente vivenciou, por esses malfeitos que ocorreram. Não temos clarividência muito clara se foi de fora para dentro ou de dentro da fora. Sim, faço pedido de desculpa em nome dos empregados da Petrobras, porque hoje sou um deles”.

Estancada a sangria da corrupção, era necessário reduzir o endividamento da empresa. Foi aí que a Diretoria da Petrobras elaborou um Plano de Desinvestimento, ou venda de ativos, maior do que o anteriormente planejado, para o biênio de 2015 e 2016, no valor de US$ 13,7 bilhões, divididos entre as áreas de Exploração & Produção no Brasil e no exterior (30%), Abastecimento (30%) e Gás & Energia (40%).

A Diretoria pontuou: “Este plano faz parte do nosso planejamento financeiro que visa à redução da alavancagem, preservação do caixa e concentração nos investimentos prioritários, notadamente de produção de petróleo e gás no Brasil em áreas de elevada produtividade e retorno”.

Outro ponto que também foi passou a ser revertido entre 2014 e 2015 foi o preço praticado para os combustíveis. Em novembro de 2014, a Petrobras já havia aumentado o preço de venda nas refinarias da gasolina e do diesel, com altas de 3% e 5%, respectivamente.  Em agosto, a Petrobras anunciou também aumento do preço do gás de cozinha – o gás liquefeito de petróleo para uso residencial, envasado em botijões de até 13 kg (GLP P-13). A alta média anunciada foi de 15%. Já em setembro do mesmo ano, a companhia anunciou aumento para a gasolina de 6% e para o diesel, de 4%.

Na época, a má gestão do Governo Federal já era notória e produzia reflexos na economia, com as contas públicas em situação catastrófica, a perda do grau de investimento no país, o aumento da inflação e do desemprego, e a maior recessão em mais de 20 anos. Com a descoberta das “pedaladas fiscais” por parte do governo, Dilma deixou o poder, em 2016, e em seu lugar assumiu Michel Temer, então vice-presidente.

Temer colocou na Presidência da Petrobras o economista Pedro Parente, um executivo profissional, com experiência em empresas e no setor público. Parente prosseguiu com um novo plano de desinvestimentos da companhia e ainda instituiu a política de paridade do preço dos combustíveis no Brasil com aqueles praticados no exterior.

Temer também sancionou, em 2016, a Lei de Responsabilidade das Estatais, que garantia mecanismos para evitar nomeações políticas nas estatais, aumentando o grau de profissionalização e formação de seus diretores, além de garantir a independência do Conselho de Administração.

Com tudo isso, a Petrobras conseguiu reduzir sua alavancagem pela metade ao final de 2019, ainda longe, porém, do patamar ideal para seu ramo de negócio. As ações da companhia voltaram a se valorizar na Bolsa de Valores.

Portanto, pode-se observar, com uma rápida pesquisa histórica-econômica que a grande responsável pela arruinação da Petrobras não foi a Operação Lava Jato, mas sim os governos petistas, que fizeram da empresa um símbolo de má gestão e corrupção, assim como em outros órgãos do Governo Federal.

A Operação Lava Jato foi essencial para conter a corrupção que assolava a empresa e acelerar mudanças em sua administração, a fim de que a companhia se adequasse às melhores práticas de gestão e governança corporativa, o que garantiu a recuperação de seu valor de mercado e uma melhora em seus indicadores financeiros.

Como disse o sócio da 4E Consultoria Bruno Lavieri, não seria a Lava Jato a responsável pela destruição de empregos, a estagnação etc., mas todo o esquema de corrupção que motivou a investigação. “Culpar a Lava Jato nos parece algo como culpar o médico por ter descoberto a doença do paciente.”

Já Simão Silber, da FEA-USP, salientou que não é a Justiça que é a culpada; é o malfeito que está sendo investigado o grande problema. “O problema não é a Lava Jato; é a corrupção, a má gestão, decisões equivocadas. (…) o erro foi ter feito um acordo de companheiros para saquear a principal empresa do país.”

Qualquer estudo que pretenda analisar os motivos da piora econômica do Brasil entre os anos 2011-2016 e não aponte para os erros na condução da política econômica pelos governos petistas, as intervenções desastradas em setores da economia, o aumento na concessão de subsídios e a corrupção entranhada no governo, será nada mais do que uma tentativa de reescrever a história, desviando o foco dos reais culpados.

Felizmente, vivemos em tempos nos quais a informação está amplamente disponível na internet, em notícias e documentos publicados online, o que transforma um estudo como esse do DIEESE numa grande piada. As agências de checagem de fatos deveriam se preocupar e denunciar um outro tipo de negacionismo, que já causou e pode voltar a causar males para o Brasil: o negacionismo econômico.

Referências


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Victor Oliveira

Mestre em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar) e possui experiência na área financeira.
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