Imposto sobre herança e desigualdade          

Tal como o imposto sobre grandes fortunas, o imposto sobre herança e doações traz ao debate grande divergência de opiniões, sejam relativas ao seu  impacto na redução das desigualdades socioeconômicas ou sobre seu aspecto meritocrático. Contudo, há uma correlação entre as políticas públicas de imposto sobre heranças e os níveis de desigualdade observados em diversos países.

No Brasil, diversas métricas e índices apontam para uma enorme disparidade de renda da população se comparado à outras grandes economias. Da mesma  forma que as políticas de transferência de renda já adotadas, este imposto mencionado busca uma eficácia na redução das desigualdades econômicas.

O trabalho proposto tem como principal foco os impostos sobre herança e as discussões relativas ao seu quesito moral. Na primeira parte, o tema abordado será uma análise da formulação de políticas públicas de imposto sobre heranças nas principais economias do globo. A partir dessa análise iremos discutir o mecanismo de causalidade da baixa desigualdade econômica, e se a maior tributação de heranças realmente tem esse impacto. Na segunda parte, haverá a discussão da meritocracia e a implantação deste imposto como forma de minimizar as discrepâncias provenientes dos recursos herdados.

Ao dar foco nas políticas públicas de taxação de heranças, o método utilizado será uma pesquisa sobre a correlação entre adoção de tal imposto e os níveis de desigualdade nos países em questão. Já a implementação de uma medida meritocrática com a cobrança do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), será discutida com bases nos ideais do liberalismo político.

Parte 1: Imposto sobre herança e desigualdade

Sabe-se que algumas das grandes economias possuem altos percentuais da herança tributada, ao contrário do Brasil. De acordo com o relatório da consultoria EY (World Estate and Inheritance Tax Guide), os países com maior alíquota máxima de imposto são: França (60%), Japão (55%), Alemanha (50%), Inglaterra (40%) e Estados Unidos (40%).

No Brasil, o ITCMD tem alíquota média de 3,86% e máxima de 8%. O imposto sobre heranças é diferente em cada Unidade Federal. O estado da Bahia apresenta maior alíquota média (6%) e o Rio Grande do Norte menor (1,5%). 

De acordo com dados de Thomas Piketty, em matéria do El País, os 10% mais ricos da população brasileira obtém aproximadamente 55% da renda nacional. Situação melhor que a do Oriente Médio, onde os 10% mais ricos detém 61% da renda total, e equivalente à África subsaariana e Índia. Outros dados alarmantes apontam que, os 1% mais ricos do Brasil, detém 27,8% da riqueza nacional, de acordo com a Pesquisa Desigualdade Mundial 2018.

A principal métrica utilizada como proxy da desigualdade será a fatia da renda nacional que o 1% mais rico da população tem como rendimento anual. Tal indicador é relevante pois mostra o tamanho dos rendimentos dos mais ricos em relação ao PIB nominal do país.

Analisaremos, em seguida, a relação deste indicador com a tributação de heranças e doações. Os países selecionados para análise foram as 10 maiores economias do mundo em 2017, de acordo com o FMI. Destacamos que a China, Índia e Rússia não tributam as heranças transmitidas entre as gerações. Os dados da porcentagem da renda nacional dos 1% mais ricos em cada país são do World Inequality Database

Para fins de análise da correlação entre taxação de heranças e  desigualdade fizemos uma regressão linear que confirmou uma relação, sem causalidade definida, inversamente proporcional entre as duas variáveis. Ou seja, quanto maior taxação de heranças menor desigualdade, e vice-versa.

Fonte: Elaboração própria com base no FMI e no World Inequality Database.

Apesar de nossos dados relativos à concentração da riqueza serem de 2010, destacamos que a redução das desigualdades econômicas é um processo de longo duração, havendo possibilidade de concretização apenas no longo prazo. 

A métrica estatística usada para avaliação do modelo é o R-Squared (R²). Seu valor corresponde a porcentagem da variação explicada sobre a variação total. Pode ser chamado também de índice de determinação, que no caso do nosso modelo é de 49,36%. Este indicador mostra quanto o modelo pode explicar os valores observados. Apesar de nossos dados relativos à concentração da riqueza serem de 2010, destacamos que a redução das desigualdades econômicas é um processo de longa duração, havendo possibilidade de concretização apenas no longo prazo. 

Mesmo com a correlação explícita entre as duas variáveis, não podemos afirmar que a taxação de heranças é causa direta da baixa desigualdade. À luz da teoria de John Elster, podemos destacar que uma mera correlação não necessariamente explica o verdadeiro mecanismo dos fenômenos relatados. Assim como a correlação entre gênero e salário não explica o verdadeiro mecanismo causal da desigualdade salarial entre homens e mulheres. Outro fato que comprova que o imposto sobre herança não explica o mecanismo das desigualdades sociais é o caso da Noruega, país que a tributação é nula e a fatia da renda nacional dos 1% mais ricos detém apenas 7,7% da renda nacional.

Os países que estão mais próximos da linha de tendência do nosso modelo e com baixa desigualdade são França, Japão e Alemanha. Como sabemos, esses países têm altos níveis de educação e bem estar-social. Destaque para Alemanha e Japão que têm altos níveis de escolaridade, promovendo assim, uma maior igualdade de oportunidade entre os indivíduos de origens distintas. Já a França, por exemplo, é um modelo de país com altos gastos sociais.

É notável que alguns destes países com índices de desigualdade muito baixa adotam políticas que oneram as classes mais abastadas da população. Nestes países desenvolvidos, o peso dos tributos indiretos na arrecadação total é relativamente menor que no Brasil, onde serviços e bens de consumo são muito taxados.

Outras medidas adotadas por esses países são a alta progressividade no IR e tributação de dividendos, que no Brasil é isenta para Pessoas Físicas. Segundo matéria do G1, A alíquota máxima de IR na Alemanha e Japão são 51,2% e 45,5%, respectivamente. De acordo com a legislação brasileira, a alíquota máxima imposta no nosso território é de 27,5%. Portanto, além da taxação de heranças, várias políticas públicas podem moldar um cenário de baixa desigualdade social e econômica.

A  problemática fiscal muitas vezes torna o governo incapaz de investir altos montantes em políticas sociais que reduzem a disparidade entre os rendimentos  e as condições de bem-estar. Apesar da taxação de imposto sobre herança ser alta em alguns países, ela não é, de longe, suficiente para sanar os déficits orçamentários dos governos, que são da grandeza de trilhões de dólares.

No entanto, uma alíquota de 20%, de acordo com artigo do professor Naércio Menezes Filho, poderia ajudar a sociedade brasileira a se tornar mais justa e igualitária. Segundo o pesquisador do Insper, esse imposto deveria ser mantido sob a competência estadual e seria obrigatoriamente investido em programas de desenvolvimento infantil nas famílias mais pobres.

O caso do Brasil

Para os que divergem de nossa linha de tendência, analisaremos apenas o caso do Brasil, onde a taxação sobre heranças é muito menor que as demais alíquotas encontradas em países desenvolvidos.

Sabemos que o Brasil tem grandes desigualdades, não apenas no campo dos rendimentos, mas também entre raças e gêneros. Tal desigualdade provém da baixa eficiência do nosso sistema de ensino, de uma distribuição não igualitária da produtividade do trabalho entre as classes, de uma tributação que não favorece as diminuições das disparidades de renda e de um sistema previdenciário indevido. Já os grandes níveis de corrupção contribuem para uma menor eficácia dos gastos do governos, ocasionando uma ineficiência na utilização dos recursos estatais. 

Ao olharmos para a taxação de bens e consumo e serviços percebemos que, apesar das grandes cargas tributárias, a parcela mais rica da população tem uma tributação percentualmente menor em relação à sua renda. Na compra uma caixa de leite, por exemplo, o imposto cobrado é percentualmente maior para alguém que ganha um salário mínimo se comparado ao indivíduo que ganha R$ 100.000 por mês.

Outro fator do nosso sistema tributário que contribui para a desigualdade são as isenções do IR. De acordo com estudo do G1, 46,27% dos rendimentos que ficaram livres de tributos em 2017 são de pessoas físicas com rendimento mensal acima de R$ 52.800 por mês. Grande parte dessas isenções são de lucros e dividendos, os quais não são taxados apenas na Estônia, considerando os participantes da OCDE. Enquanto os 10% mais pobres usam cerca de 32% de sua renda para pagar impostos, a carga tributária dos 10% mais ricos é de 21%. Ou seja, sistema tributário brasileiro viola os princípios da progressividade, favorecendo aqueles que estão no topo da pirâmide. 

Outro problema de destaque é a educação brasileira. Dado que o ensino público no Brasil apresenta gravíssimas deficiências, é natural que a produtividade do trabalho se distribua de forma desigual. As classes mais abastadas da população têm acesso muito maior a uma educação de qualidade, tornando-se mais produtivas e, consequentemente, tendo uma salário maior que o dos demais.

A baixa produtividade média do brasileiro é uma das causas da baixa remuneração. Dados da PNAD Contínua de 2016 mostram que 51% da população brasileira de 25 anos ou mais têm somente o Ensino Fundamental completo. A distribuição não igualitária do ensino no Brasil perpetua um cenário de altas desigualdades, em que os brasileiros ricos estudam mais e gozam de um alto salário, enquanto os mais pobres muitas vezes deixam de estudar por conta da necessidade de renda antes mesmo da maioridade.

O nosso sistema previdenciário é outro fator indutor das amplas desigualdades. As aposentadorias concedidas ao setor público divergem brutalmente do resto da população. Como média, o setor público e privado recebem R$ 9.000 e R$ 1.600, respectivamente. De acordo com indicador do jornal Nexo, uma aposentadoria equivalente à média do setor público é maior que o salário de 96% das pessoas do Estado de São Paulo, um dos mais ricos do país.

No Ministério Público, as aposentadorias chegam a R$ 30.000 mil mensais. Além deste sistema perpetuar as desigualdades econômicas, a sua sustentação é altamente custosa, representando 13% do PIB de acordo com relatório do Ministério da Fazenda de 2017.  O Japão, por sua vez, tem uma população economicamente ativa muito menor que a do Brasil e seus gastos previdenciários são de 10% do PIB.

No estudo de Transparência Internacional de 2017, que mede a corrupção institucional nos países, o Brasil ficou na 96º posição do ranking. Tal desempenho demonstra a baixa qualidade dos serviços oferecidos pelo Estado. Tornando assim, o Estado pouco capaz de alcançar uma eficiência na redução das disparidades de renda, já que os recursos raramente são bem utilizados.

Uma sociedade desigual carrega diferenças muito explícitas entre as classes, estas que podem ser minimizadas apenas após gerações de investimento e esforço no combate a este problema. As causas da desigualdade econômica são de diferentes naturezas. Foram apontados neste artigo apenas algumas causas desta anomalia social, apesar da complexidade da problemática do caso brasileiro.

Ao ter como fonte essa breve pesquisa, podemos concluir que, como citado anteriormente, o mecanismo que explica a desigualdade social não é o tamanho da alíquota máxima de imposto sobre heranças. Outros fatores como educação, sistema previdenciário e tributário têm grande relevância na eficácia da redução da desigualdade econômica observada em um determinado território.

Contudo, o imposto sobre heranças, junto com as demais medidas, pode ajudar a minimizar diferenças tão grandes provenientes de recursos herdados. Estes que, de forma alguma, denotam o mérito do indivíduo que recebeu os recursos provenientes do patrimônio construído por terceiros.

Téo Cortada Lotito

É Co-Founder da Auera.

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