Investimento público não é motor de crescimento.

Geralmente aprendemos em Economia que para um país crescer é preciso investir. Quantas vezes você já não ouviu falar que “a China cresce a 10% ao ano porque poupa e investe 40% do seu PIB”?

Sim, investimento é importante para o crescimento econômico, pois garante que a produção no futuro seja maior, etc, etc etc. Assim, se investimento é importante, qual a primeira coisa que vem à mente de um economista do governo? Aumentar o investimento público para que o investimento privado venha a reboque e faça o PIB crescer.

E como os leitores do Terraço bem sabem, isso foi tentado no Brasil após a crise financeira de 2008/2009, com diversos programas de concessão de crédito via BNDES e, principalmente, com programas diretos como o Programa de Aceleração do Crescimento, os famosos e megalomaníacos PAC I e PAC II, para ver se o investimento decolava no Brasil e contribuía para colocar o país no rumo de desenvolvimento econômico durável.

Uma breve olhada na taxa de crescimento real do investimento (medido pela Formação Bruta de Capital Fixo – FBCF) e na taxa de crescimento real do PIB talvez nos dê uma dica se eles andam junto, ou seja, se são correlacionados, e se fazia sentido pensar como pensamos outrora.

[caption id="attachment_8332" align="aligncenter" width="1404"]Fonte: IBRE-FGV [1] e Banco Central do Brasil. Elaboração própria. Fonte: IBRE-FGV e Banco Central do Brasil. Elaboração própria.[/caption]

Ao que parece, um crescimento alto do investimento (em vermelho, no eixo direito) caminha próximo a um crescimento vigoroso do PIB. Assim, a primeira ideia de um economista em seu gabinete seria aquela mesma: vamos aumentar o investimento que assim o PIB irá crescer. E vamos fazer isso dando um empurrãozinho no investimento público, pois isso vai encorajar o setor privado a investir também.

Mas em economia nada é tão simples. Geralmente quando o governo tenta aumentar investimento, ele o faz de forma a substituir o investimento privado. Um efeito que chamamos de “crowding-out”. Se separarmos o investimento entre público e privado e compararmos com o crescimento do PIB, vemos que o que está mais relacionado (e aqui não estou dizendo que há causalidade) ao crescimento do produto é o investimento privado, não o investimento público (governo e estatais somados).

  [caption id="attachment_8333" align="alignnone" width="1404"]Fonte: IBRE-FGV [1] e Banco Central do Brasil. Elaboração própria. Fonte: IBRE-FGV e Banco Central do Brasil. Elaboração própria.[/caption]    [caption id="attachment_8334" align="alignnone" width="1403"]Fonte: IBRE-FGV [1] e Banco Central do Brasil. Elaboração própria. Fonte: IBRE-FGV e Banco Central do Brasil. Elaboração própria.[/caption] 

Mesmo assim, as ideias reverberam no planalto e um sussurro nos ouvidos dos economistas lá diz: aumente o investimento público, mesmo sem espaço fiscal para isso. O crescimento virá, o investimento se pagará e o setor privado vai investir.

Como o canto da sereia é tentador, assim o fizemos. Mas as leis econômicas são mais duras que as leis aplicadas por Sérgio Moro, e talvez o efeito “crowding-out” possa ter se manifestado. Vamos aos dados de investimento no Brasil para tentarmos achar algumas pistas.

Primeiramente, os dados de investimento em proporção do PIB em 20 anos, de 1994 a 2014, divididos entre investimento privado, investimento das estatais e investimento da administração pública, que engloba governo federal, estadual e municipal.

  [caption id="attachment_8335" align="alignnone" width="1404"]Fonte: IBRE-FGV [1]. Elaboração própria. Fonte: IBRE-FGV. Elaboração própria.[/caption] 

Parece que o investimento no Brasil vinha declinando e recuperou os níveis de meados da década de 90 a partir de 2006. Mas reparem também que o investimento privado parece ter crescido bem menos que o investimento público (estatais mais administração pública) e ficou bem perto de sua média no período.

Trocando em miúdos: enquanto o investimento público subiu de 2,7% do PIB em 2003 para 4,4% em 2014 (com pico de 4,9% em 2010). Nos mesmos respectivos anos o investimento privado saiu de 14,0% para 15,4% do PIB. Enquanto o investimento público aumentou em 63%, o investimento privado subiu só 10% para somente retornar ao seu nível médio. Obviamente não se espera que o investimento privado cresça tanto quanto o investimento público, mas não nos parece que o impulso que o investimento público daria tenha se materializado fortemente.

Naturalemente, se em percentual do PIB o investiemento público cresceu mais que o privado, como percentual do total investido, a parcela privada vai se reduzindo. Para ilustrarmos, dividimos o total de investimentos entre as 3 classificações e temos a seguinte posição:

  [caption id="attachment_8336" align="alignnone" width="1403"]Fonte: IBRE-FGV [1]. Elaboração própria. Fonte: IBRE-FGV. Elaboração própria.[/caption] 

O investimento privado já chegou a representar 86,4% do total de investimentos em 1997 e veio caindo até chegar em 77,9% em 2014. Obviamente o investimento público veio substituindo o investimento privado no cálculo, alcançando o pico de 23,6% do total em 2010.

Assim, temos a seguinte situação: uma taxa de investimento privado relativamente constante ao longo dos 20 anos de dados desagregados, com um suspiro entre 2008 e 2013 e a parcela do investimento público crescente em relação ao total. Parece que o investimento público, principalmente aquele feito pelas estatais, não puxou com vigor o investimento privado como previam os economistas lá no Planalto Central. E como é o investimento privado aquele mais relacionado ao crescimento do PIB, a estratégia parece ter naufragado.

A ideia dos proponentes da política “investimento público puxa investimento privado” era ter o quarto gráfico com todas as áreas (azul, laranja e vermelha) aumentando até chegar em um patamar mais alto e lá permanecer, enquanto as áreas do último gráfico ficariam relativamente constantes, talvez com alguma defasagem para que o investimento privado pudesse se dar conta que tinha que acompanhar as inversões públicas. Mas não foi o que aconteceu e os agentes privados reagiram ao crescimento mais vertiginoso do investimento público.

Como muitos economistas preveem, simplesmente ampliar o investimento público pode não ser capaz de fazer a taxa de investimento total do país aumentar substancialmente. Há um efeito perverso nos agentes privados que tendem a ser substituídos pelo investimento público (e não complementados) e a formação bruta de capital fixo fica relativamente constante em proporção do PIB.

Pense no caso de uma hidrelétrica que pode receber investimentos privados, mas o governo insiste em fazer a obra. Amplie isso para diversos projetos e o que se tem é a situação do “crowding-out”: investimentos privados que são expulsos de projetos que poderiam entrar e cujos recursos não são direcionados para outros investimentos.

Talvez uma ideia melhor para incrementar o investimento privado passe por outras políticas, como melhorar o ambiente de negócios e reduzir o risco de se investir no longo prazo. Na marretada, na raça e no grito, não vai.

    palhuca              

Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.
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