Desde o começo deste ano o mundo está em guerra declarada contra o novo Coronavírus, parasita celular transmissor de doença de alto contágio. No Brasil, além do inimigo microscópico, temos também uma guerra declarada contra a desinformação e irresponsabilidade que muitas vezes emana do próprio governo, que deveria estar atuando para atenuar os efeitos desta doença na população. Eis que em meio as incertezas causadas por um vírus que contamina em progressão geométrica, há gente patrocinando a falsa narrativa da dicotomia entre cuidar de doentes e salvar a economia.
Falsa dicotomia porque as expectativas de crescimento econômico para 2020 já estavam sendo revistas para baixo após a divulgação do PIB de 2019 pelo IBGE que trouxe um resultado bastante insatisfatório, em grande medida pela inabilidade do governo de agilizar reformas. Os crentes na tese de que a paralisação pela quarentena irá derrubar a economia, ignoram por cinismo ou despreparo, que a economia mundial irá se retrair em 2020 e, portanto, com ou sem quarentena o crescimento deste ano já está comprometido.
O Coronavírus exercerá o seu efeito, mas mesmo na ausência de quarentena, os canais de transmissão da crise externa e interna já seriam suficientes para derrubar o PIB deste ano. A quarentena é uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), endossada no Brasil pelo Conselho Nacional de Medicina (CNM) e pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Ela deveria estar sendo adotada no Brasil com mais organização, de forma a minorar os impactos econômicos. O esvaziamento do governo federal neste assunto, no entanto, favoreceu ações descoordenadas dos Estados causando ruídos e aumentando as desconfianças acerca da necessidade da quarentena adotada em dezenas de países. Hoje empresários e trabalhadores no Brasil já sofrem por antecedência os efeitos de uma crise econômica que ainda sequer começou e que ainda não conhecemos as proporções.
Do ministério da economia, o silêncio, as poucas propostas que surgem vêm de economistas de fora do governo. Fazer política anticíclica com pouco dinheiro é sempre um desafio, um teste de stress para muitos economistas. A ação da política monetária está se exaurindo pelo atual nível da taxa SELIC de 3,75%, o país irá precisar da política fiscal. Está claro que neste momento de choque estritamente exógeno que a agenda fiscal será postergada para o longo prazo. A situação fiscal não é boa, mas também não é dramática como era em 2016, medidas como a PEC do teto e a reforma da previdência estabilizaram a relação dívida/PIB, que terá que crescer diante desta nova realidade.
Dada a condição fiscal do momento, não basta gastar, é preciso gastar bem e isto significa um posicionamento claro do governo e da equipe econômica sobre quais as prioridades. A economia recomenda, mas quem executa é a política. Sem orientação política sobre quem estes recursos extra deverão beneficiar, os esforços da economia serão desperdiçados. Mais do que isto, os esforços pela recuperação econômica devem ser multidisciplinares, isto é, reunir ao mesmo tempo área econômica, desenvolvimento social, saúde, além de atuar em conjunto com Estados e municípios que manuseiam políticas assistenciais melhor do que o governo federal.
É evidente que a política não basta ser anticíclica, é preciso que ela seja focada nas pessoas mais pobres. Por mais óbvio que pareça, o primeiro passo é tranquilizar a população, não menosprezando a doença, mas sim mostrando que o Estado tem instrumentos para assegurar a saúde e a subsistência de todos. Dito isto, a política não deve estar focada em grandes obras como normalmente é proposto, mas sim em uma assistência temporária focada em famílias de baixa renda e trabalhadores informais. Deve também ser mais ambiciosa do que o vale de R$200 anunciado pelo executivo e que o Congresso já transformou em R$300, creio que devemos trabalhar com um salário mínimo. Uma renda mínima para informais e desempregados é consumo imediato e dadas as dificuldades de locomoção impostas pela quarentena, este dinheiro tende a circular majoritariamente no pequeno comércio dos bairros.
Quanto as empresas, novamente o foco deve ser as micro e pequenas empresas, o decreto de calamidade permite compras públicas por inexigibilidade de licitação, melhor que uma parte destas compras fossem fornecidas por empresas de pequeno porte. Ademais o Tesouro controla dois grandes bancos públicos, estes bancos já anunciaram a postergação de financiamentos por 60 dias, no entanto, dados os baixos custos de captação oriundos de uma SELIC baixa, é viável pensar em uma modalidade de crédito para capital de giro a baixo custo e com prazo de carência capazes de compensar a perda temporária de caixa. Evidentemente, que tal instrumento deve cobrar a manutenção de postos de trabalho das empresas beneficiadas como instrumento de capitação.
O Estado brasileiro tem instrumentos para proteger a economia e a saúde de seu povo simultaneamente, mas está atrasado em adotá-las. Neste tipo de situação, tanto quanto as medidas adotadas em si, o timing de adoção é igualmente importante, ao improvisar nas medidas econômicas como improvisou no caso da quarentena, pode condenar as medidas a ineficiência. Não basta agir, é preciso agir bem e rápido.
Benito Salomão
Doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia, atualmente é visiting researcher na University of British Columbia.