“É melhor saber algumas perguntas do que todas as respostas”
James Thurber
No livro de I Reis 22, fala da famosa história do profeta Micaías que profetiza a derrota do Rei Acabe, ele vai contra 400 profetas que preveem a vitória de Israel diante dos Sírios. O rei Acabe fica tão nervoso que manda prender Micaías pela sua profecia. O rei de Israel tinha ódio dele, como diz em I Reis 22-8 “Acabe respondeu: —Existe outro, que se chama Micaías, filho de Inla. Mas eu tenho ódio dele porque nunca profetiza para mim o que é bom, mas só o que é ruim“. E como todo bom profeta, Micaías acerta sua profecia e Acabe acaba morrendo em campo de batalha. Interessante que Acabe não pergunta para seus conselheiros militares, ou estuda o inimigo e sim usando somente sua experiência e os seus 400 profetas.
Trazendo para os tempos atuais, temos milhares de profetas que dizem fazem sua profecias, seja elas boas ou ruins, e diversos “Reis Acabe” que ouvem o que querem ouvir, seja eles nos meios corporativos, investimentos, políticos e principalmente econômicos. Suas decisões são baseadas basicamente em profecias (principalmente em “dicas de investimentos”), não em análise profundas e em estudos detalhados. Acabe parece aquele investidor que quer investir em um determinado produto (por exemplo bitcoins), têm certeza que é um bom negócio (só não estudou aquilo), entra em um fórum sobre aquele investimento, e vê que todo mundo está investindo, está é a motivação que ele precisa para iniciar os investimentos.
“A Bolsa de Valores tem mais gênios que o Prêmio Nobel e mais profetas que o Velho Testamento. Alguns dos profetas da Bolsa falam por inspiração divina, outros só abrem a boca depois de queimar pestanas em cima de montanhas de papel.”
Décio Bazin
O professor de Berkeley [1] avaliou 82.361 previsões de um total de 284 especialistas, compreendidas em um período de dez anos. Os prognósticos dificilmente aconteciam com mais frequência do que se tivessem sido produzidos por um gerador aleatório. Como prognosticadores bastante ruins mostraram-se justamente os especialistas com a maior exposição na mídia, sobretudo os profetas do declínio e, entre eles, por sua vez, os representantes dos cenários de desintegração — ainda estamos aguardando a divisão do Canadá, da Nigéria, da China, da Índia, da Indonésia, da África do Sul, da Bélgica e da União Europeia (vale notar que, na Líbia, nenhum especialista pensou).
Astrólogos e especialistas em economia atuam seguindo o mesmo princípio. Suas declarações são tão vagas que atraem confirmações como um ímã: “Nas próximas semanas, você viverá momentos tristes” ou, então, “A médio prazo, aumentará a pressão para a desvalorização do dólar”. O que significa “a médio prazo”? E “pressão para a desvalorização”? Desvalorização medida com base em quê? Ouro, iene, pesos ou trigo?
Um conhecido estudo sobre comportamento organizacional feito pelo professor Philip Tetlock [1], da Universidade de Berkeley, descobriu que “sábios” da televisão ou da internet, isto é, pessoas que ganham a vida discursando confiantemente baseados em informação limitada — fazem previsões “sérias” piores sobre tendências políticas e econômicas do que se fizessem de forma aleatória. E aqueles que emitem os piores prognósticos tendem a ser mais famosos e confiantes, os mesmos que seriam considerados líderes naturais em uma sala da Harvard Business School.
O que de fato surpreende é que os especialistas sofrem bem mais do efeito de excesso de confiança do que os não especialistas. Em seu livro a “Arte de pensar claramente” o ex-ceo Rolf Robelli comenta como o excesso de confiança pode enganar a mente, no qual em uma estimativa de cinco anos [5] sobre o preço do petróleo, um professor de economia erra tanto quanto alguém que não é da área. No entanto, ele o faz com uma enorme confiança. Por quê? Principalmente porque a macroeconomia, com sua profusão de partes complexas, em movimento e em interação, não é simplesmente a nossa praia. Depois dos acontecimentos recentes, seria de indagar se a macroeconomia é domínio de algum economista. Quase todos os economistas de projeção pública são apresentados como oráculos, capazes de prever, com convicção acachapante, os rumos do mercado de ações, ou da inflação, ou das taxas de juros. Porém, como temos visto nos últimos tempos, essas previsões em geral são imprestáveis. Os economistas já têm muita dificuldade em explicar o passado, que dirá em prever o futuroCom dizia Benjamim Graham [2], explicou de uma forma memorável duas coisas ao mesmo tempo, a previsão de mercado e a teoria dos mercados eficientes (antes de ser desenvolvida), no qual o problema com a previsão de mercado não é que ele seja feito por pessoas pouco inteligentes ou sem capacidade. Muito pelo contrário, o problema é que ele é feito por muitas pessoas de fato experientes, e seus esforços constantemente se neutralizam mutuamente, acabando quase que exatamente no zero.
Lembrando que os melhores especialistas podem ser enganados pela sua própria mente, isso se comprova que durante um experimento [3], os pesquisadores realizaram tomografias do cérebro que revelaram que a área considerada responsável pela codificação do prazer relativo ao sabor e odor mostrou maior nível de atividade quando os participantes foram informados de que o preço era mais alto. Uma vez que as pessoas acreditavam que a experiência seria melhor (com base do contexto financeiro do vinho ou, em outras palavras, seu preço), os centros de recompensa do cérebro codificaram-na com uma sensação positiva. Às vezes, um produto mais caro até gera mais prazer do que um outro, de menor preço.
Pesquisadores do Califórnia Institute of Technology e da Stanford University [3] [6] pediram a voluntários que provassem cinco vinhos diferentes da uva Cabernet Sauvignon. Os preços eram variados, sendo o mais alto $90 a garrafa. Dessa forma, o vinho que custava $90 foi servido como se custasse $10 e ode $5 como se custasse $45. Eles descobriram que os voluntários estavam não apenas mais inclinados a pontuar os vinhos supostamente mais caros com notas mais altas do que os vinhos supostamente mais baratos, como uma ressonância magnética do cérebro confirmou que os bebedores efetivamente sentiram maior prazer quando beberam do vinho supostamente mais caro. Antonio Rangel, um professor associado catedrático de economia da CalTech que trabalhou no estudo, concluiu que o prazer “parece depender de nossas crenças em relação à nossa experiência”. Em outras palavras, ao manipular os preços, “podemos mudar o sabor do vinho sem mudar o vinho”, conclui Rangel.
O Ex-CEO da Coca-Cola, Donald R. Keough, têm um capítulo inteiro em seu livro “10 mandamentos para fracassar nos negócios”, no qual é o sétimo mandamento, “Confie Cegamente nos Especialistas e Consultores”, onde ele comenta que um dos grandes fracassos da Coca, foi ouvir os especialistas que a empresa deveria alterar o sabor do refrigerante para a “New Coke”, no qual foi um dos grandes fracassos da companhia.
Existem estudos que mostram como as empresas que prosperam não são as que fazem as melhores previsões. Jim Collins e Morten Hansen [4] para demonstrar por que algumas empresas prosperam em circunstâncias extremas e difíceis e outras não. Ao pesquisarem 20.400 empresas, os autores descobriram que as sete que obtiveram mais sucesso na execução tinham a mesma incapacidade de prever o futuro que as menos bem-sucedidas. Mas o que elas fizeram de diferente foi admitir que não podiam prever o inesperado, então, com isso, se prepararam melhor.
Em um tom irônico, Benjamim Graham [2] (mentor de Warren Buffet), dá conselhos aos futuros especialista e profetas em uma de suas palestras:
“Vou encerrar com algumas palavras de um veterano com 80 anos de idade que passou por muitos mercados de alta e de baixa. Façam como analistas as coisas que vocês sabem que podem fazer bem, e apenas isso. Se você puder realmente vencer o mercado por meio de gráficos, astrologia, ou por um dom raro e valioso propriamente seu, então essa é a linha que deve cavar. Se é realmente bom para escolher as ações com maior tendência ao sucesso nos próximos doze meses, fixe seu trabalho nesse empreendimento. Se pode prever os próximos importantes desenvolvimentos na economia, ou na tecnologia, ou na preferência dos consumidores, e medir suas consequências para vários valores de patrimônios, então se concentre nessa atividade específica. Porém, em cada caso, você deve provar a si mesmo, por meio de um autoexame honesto e sem blefe, e por um teste contínuo de desempenho, que tem o que precisa para produzir resultados valiosos.”
Eu mesmo já tive meus dias de profeta quando estava trabalhando em um fundo de investimento. Fiz um estudo sobre a empresa Profarma, no qual é uma distribuidora de produtos farmacêuticos. Em minha análise dei quase 100% de certeza que ela teria que adquirir uma rede de farmácias, assim valorizando suas ações. Depois de duas semanas de finalizado minha análise, a Profarma fez sua primeira aquisição de um rede de farmácias, valorizando em quase 30 % suas ações. Sim naqueles dias me senti, como um profeta, onde as profecias tinham se cumprindo. Mas será realmento isso mesmo? A questão não foi uma profecia, mas sim uma tendência que era sem volta, ou seja, com a consolidação do mercado farmacêutico brasileiro em grandes redes, ser uma distribuidora perderia sentido, como aconteceu na Europa e nos EUA, seria questão de tempo a empresa ter que partir para o varejo ou ser adquirida por uma grande rede de farmácias. Eu só consegui visualizar, primeiro que eu já tinha trabalhado em uma rede de farmácias (círculo de competências), além disso fiz um estudo detalhado do mercado (papel do especialista).
Há uma velha máxima sobre a diferença entre o conhecimento do especialista e o do leigo. Um leigo olha um campo e vê terreno plano. Um especialista olha para o mesmo campo e vê pequenos picos e vales. O especialista não precisa de mais tempo ou energia para coletar uma quantidade maior de informações daquela paisagem, mas pode fazer um uso bem melhor delas para buscar novas oportunidades ou minimizar os riscos.
Independente se acredita ou não no poder de profetas ou dos especialistas, como do profeta Micaías entre muitos outros do velho testamento ou dos tempos modernos, não é uma tarefa fácil. Somente alguns, muito poucos, fazem previsões corretas. Sorte ou arte? Não devemos esquecer que mesmo os relógios parados marcam a hora certa duas vezes por dia.
“O sucesso nos negócios depende menos de previsões grandiosas do que da capacidade de reagir com rapidez às verdadeiras mudanças, à medida que ocorrem. Eis por que a estratégia deve ser dinâmica e premonitória. ”
Jack Wech
Anderson Pizzutti Bortolotto – Formado em Física pela UEL e Administração de Empresas pela FECEA, como especialização em Engenharia de Produção e Educação Matemática pela UEL. Consultor em Finanças e Controladoria, além de ser professor de Física. Possui mais de 12 anos de experiência na área financeira e controladoria de empresas de grande e médio porte pelo Brasil. Também atuou no Mercado financeiro como Analista de Investimentos em um Fundo de Investimentos. Apaixonado por números, investimentos e cortar custos, além de mudar a sorte das empresas, principalmente aquelas com graves problemas financeiros.
Notas:
[1] Poder do Quietos – Susan Cain
[2] Benjamim Graham – Janet Lowe
[3] O preço Inteligente – Jagmohan Raju
[4] Empresas Feitas para Durar – Jim Collins
[5] A Arte de Pensar Claramente – Rofl Dobelli
[6]https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/culinaria/receitas/bebidas/site-desmascara-experts-em-vinho-com-pesquisas-e-fatos,db8e89425818f310VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html