Sou cético com quase tudo o que envolve o mercado de trabalho brasileiro. Esse universo repleto de números consegue contar histórias diferentes dependendo da disposição do narrador. Muitas vezes, dados aparentemente positivos, como a redução da taxa de desemprego, escondem realidades mais duras, como o aumento da informalidade ou a queda nos rendimentos médios dos trabalhadores. Nas próximas linhas, tentarei colaborar com o debate, trazendo uma das tantas visões possíveis sobre o emaranhado de informações disponíveis. Ao fim do dia, penso que um mercado de trabalho verdadeiramente pujante é a única forma eficaz de combatermos a pobreza.
Ao olharmos o histórico recente, e mesmo ampliando o escopo de análise, da taxa de desemprego, iremos nos deparar com um belo cenário – vide o gráfico que segue. Mas será que realmente temos um céu de brigadeiro por aqui?
O ano de 2024 encerrou com cerca de 54 milhões de pessoas sendo atendidas pelo programa Bolsa Família. Deste grupo, pouco mais de 21 milhões são consideradas fora da idade de trabalho. Pois bem, temos 33 milhões de brasileiros em idade de trabalho sem qualquer incentivo claro para levantar-se da cadeira, atualizar o currículo e procurar um emprego. Como herança da pandemia, e das medidas populistas de 2022 – que destoam do legado deixado por Paulo Guedes e sua equipe –, subimos de cerca de 15 milhões de famílias para o incômodo patamar de pouco mais de 20 milhões de famílias sendo assistidas continuamente pelo governo, conforme gráfico abaixo.
A ideia de que se alcance um amparo aos desassistidos não é nova e nem teve origem no início da década de 1980, quando um grupo de militantes de oposição à Ditadura Militar, sindicalistas e agregados fundou um partido em São Paulo – acreditem. Em Chicago, na década de 1960, Milton Friedman, de forma bastante racional, foi um dos que levantou a bandeira da necessidade de uma renda mínima. De acordo com Friedman, o sistema seria uma forma mais eficiente e menos custosa de reduzir a pobreza, sem que fosse necessário sofrer com as distorções trazidas pela adoção de um salário mínimo.
Aqui farei um breve adendo: por definição, o salário mínimo é a menor remuneração permitida por lei, sendo utilizado como referencial para os trabalhadores menos qualificados, logo, menos produtivos. Ou seja, é uma clara intervenção do governo na dinâmica do mercado de trabalho.
Voltando ao tema central, a premissa de focalizar benefícios (Bolsa Família) exige um menor dispêndio de recursos quando comparado ao modelo proposto pelo economista de Chicago. A base do imposto de renda negativo visava garantir um nível mínimo de renda para todos os cidadãos ou residentes de um país. À medida que os indivíduos reingressam no mercado de trabalho, a quantia do imposto de renda negativo que recebem diminui. Ou seja, ao passo que a renda aumenta, o benefício decresce gradativamente, até um ponto em que esse agente começa a pagar impostos, como acontece no sistema tradicional.
Para o Bolsa Família, contudo, a falta de uma “porta de saída” afeta diretamente o mercado de trabalho, mesmo com outras condições atreladas ao programa merecendo destaque positivo, como é o caso da necessidade de comprovar a frequência escolar e de acompanhar o calendário nacional de vacinação para os membros da família menores de idade. Segundo um estudo do Banco Mundial, apenas 7% dos beneficiários fizeram uso da regra criada para ajudar na transição do programa para o mercado de trabalho – o que traz à luz uma realidade bastante alarmante. Me parece que passou da hora de endurecermos as leis que regem o Bolsa Família. Se estamos vivendo bem próximos do pleno emprego, que os bons ventos desse momento alcancem todos os cantos e pessoas do Brasil.
Outro ponto de incongruência em nosso mercado de trabalho está ligado ao avanço no número de solicitações de seguro-desemprego, em que pese o nível baixo da taxa de desocupação. Uma das justificativas para a alta está atrelada, propriamente, ao bom momento do mercado de trabalho, com mais admissões e demissões sem justa causa, dando direito à solicitação do seguro por parte do funcionário demitido. Além disso, os famosos acordos entre empregado e empregador tornam atrativa a ideia de abdicar da formalização para receber o seguro-desemprego e ficar no mercado informal por algum tempo. Mais uma razão para que as normas de acesso sejam mais duras, evitando prejuízo ao erário.
O dilema sobre a expansão de benefícios sociais como o Bolsa Família e os incentivos para que a reposição imediata de emprego não seja a missão número um dos brasileiros, aliado à perda do interesse da população mais vulnerável na busca por ocupação tradicional, apresenta desafios estruturais para a economia brasileira. Ao mesmo tempo, a informalidade e o empreendedorismo ganham força e nos mostram que:
- auxílios e benesses do governo podem reduzir a pobreza, mas não alcançam a causa dela – do contrário, após quase 22 anos do Bolsa Família, a pobreza extrema já não seria um problema em nosso país;
- com a majoração e o acúmulo de benefícios, dificilmente você encontrará um indivíduo que recebe esses valores fortemente motivado a mudar sua condição para a de empregado formal;
- a dinâmica do mercado de trabalho está intrinsecamente ligada ao número de horas que as pessoas estão dispostas e aptas a trabalhar e essa variável é moldada por um sem-fim de fatores;
- somos uma economia com quase 217 milhões de pessoas, onde temos cerca de 177 milhões de agentes em idade de trabalhar, mas com apenas 103 milhões ocupados. Logo, a nossa taxa de desemprego não me parece ser 6,5%, e sim 41,6%.
Disclaimer: A metodologia da taxa de desemprego, apurada pelo IBGE, considera em situação de desemprego aqueles que tentaram e não conseguiram encontrar trabalho no período analisado. Os que não estão empregados, mas não buscaram vaga, são considerados fora da força de trabalho e não entram no cálculo.
Daniel Bozz
Mestre em Economia do Desenvolvimento pela PUC-RS, MBA em Finanças, Investimento e Banking pela PUC-RS e graduado em Ciências Econômicas pela Universidade de Caxias do Sul. Há mais de 15 anos atuando no mercado financeiro.