Nobel 1985: Franco Modigliani | por Henrique Rodrigues da Mota

Franco Modigliani: o ítalo-americano que mudou a macroeconomia e as finanças

Samuelson: Quem é o economista mais famoso da Itália?

Modigliani: Eu não sei, não importa. 

Samuelson: Como não sabe? Não seria Franco Modigliani?

Modigliani: Ah, mas este é o economista mais famoso do mundo. 

Paul Samuelson (Relato presente no obituário de Modigliani no jornal The Guardian)

Franco Modigliani (18 de junho de 1918- 25 de setembro de 2003) foi vencedor do Prêmio Nobel em 1985 pelas suas contribuições à macroeconomia e às finanças. Assim como muitos de seus contemporâneos de profissão, Modigliani, judeu nascido em Roma, é mais um entre tantos imigrantes europeus que fugiram do fascismo e da Guerra na virada dos anos 30 para os 40 em direção aos Estados Unidos. Tendo saído da Itália logo após a aprovação das Leis Raciais de 1938, viria para os Estados Unidos em 1939, onde seguiria na sua vida acadêmica sob um ambiente acadêmico pulsante e imaginativo, até sua morte.  

Na América, estudou ou lecionou na New School of Social Research (1939-1944), na Universidade de Illinois (1948-1952), em Carnegie Mellon (1952-1962) e no MIT (1962-2003). Neste último, lecionou para influentes pesquisadores e personalidades, como Mário Draghi, Robert Shiller, Olivier Blanchard e Albert Ando. Foi também um grande parceiro de faculdade e amigo pessoal dos brilhantes Paul Samuelson e Robert Solow. 

Em entrevista para Barnett e Solow (2000), Modigliani diria que o período em Carnegie Mellon seria certamente seu período mais produtivo enquanto pesquisador. Ali escreveu seus papers mais relevantes, com seus orientandos Richard Brumberg e Merton Miller. Com estes, respectivamente, fez os seguintes trabalhos que lhe renderam o Nobel:

  • A Hipótese do Ciclo da Vida (Life-Cycle Hypothesis) que transformou radicalmente a forma como os economistas racionalizam decisões de poupança dos indivíduos, considerando que os indivíduos fazem decisões de consumo e poupança pensando sua renda total ao longo da vida e se aposentam em algum momento.
  • O Teorema Modigliani-Miller, o qual determina que, sob determinadas condições de racionalidade, de completude dos mercados, ausência de custos de transação, problemas de agência e de tributação não-distorciva, o valor de uma firma (de suas ações) não depende da sua estrutura de financiamento (dívida ou equity). 

A Hipótese do Ciclo da Vida: Origens, Formulação Original e Situação Atual

Os anos 40 e 50 foram anos de intenso debate na academia norte-americana em torno da consolidação das ideias de Keynes e seu diálogo com os clássicos (Síntese Neoclássica). Um dos grandes debates era compreender melhor o comportamento do consumo dos agentes e como este se relacionava com a renda.  Keynes elaborara na Teoria Geral uma hipótese simplificadora: o consumo crescia a uma proporção menor do que a renda, de modo que, quanto mais ricos são os indivíduos, mais eles tendem a poupar. Mas isto não era observado na relação de nível PIB per capita e poupança doméstica (Kuznets, 1946). 

Em sua palestra na ocasião da conquista do Nobel, Modigliani (1986), nota a contribuição fundamental de Margaret Reid, que teve o insight de que a renda permanente e não a renda corrente era o que determinava o consumo corrente. Se houvesse choques transitórios na renda, estes se manifestariam em mais ou menos poupança, pois o consumo estava associado à renda média permanente dos indivíduos. 

Esta foi a pedra fundamental para uma revolução na teorização sobre poupança, dada pelas Hipóteses do Ciclo da Vida de Modigliani e Brumberg (1954,1979) e da Renda Permanente (Permanent Income Hypothesis) de Milton Friedman (1957). Enquanto a primeira considerava agentes que nasciam, trabalhavam, se aposentavam e morriam, a segunda considerava uma economia com um agente representativo que jamais morria ou se aposentava e tomava decisões até um tempo infinito.

A Hipótese do Ciclo da Vida, em sua formulação pura, prescreve que o consumo dos indivíduos tende a ser constante e depende da renda média total ao longo da vida, enquanto que o que determina as taxas de poupança de uma pessoa são a sua faixa etária. Mais jovens, os indivíduos consumem menos do que ganham em renda, de modo a acumular patrimônios que possibilitam sua aposentadoria. Quando aposentados, a renda cai e os agentes praticam “poupança negativa”, exaurindo seus patrimônios. O quadro abaixo fornece uma intuição deste comportamento. 

Os indivíduos consomem de modo constante, conforme a média de sua renda. Poupam até se                                           aposentar, lapidando seu patrimônio até zero, com o fim da sua vida.
                          Quadro de Modigliani (1986).

Esta micro-fundamentação das decisões de consumo se deu inicialmente em Modigliani e Brumberg (1954). Modigliani e Brumberg (1979) adapta esta discussão para um modelo macroeconômico. Como relata Modigliani (1986), mesmo com hipóteses bastante limitadas, se extraia conclusões da economia como um todo, que tinham bom respaldo nos dados da época: 

  1. A taxa de poupança independe do PIB per capita (nível)
  2. Países podem diferir nas taxas de poupança ainda que tenham o mesmo comportamento individual (por estrutura demográfica e de crescimento da produtividade). 
  3. A taxa de poupança agregada cresce quanto maior o crescimento de longo prazo. 
  4. A razão patrimônio-renda é decrescente com o crescimento.
  5. Países podem acumular grandes níveis de patrimônio sem heranças. 
  6. O parâmetro mais importante para determinação de poupança e da relação patrimônio-renda é o tempo médio de aposentadoria que predomina na economia. 

Como relata Deaton (2005), a hipótese de Modigliani teve o papel essencial de harmonizar uma série de evidência empíricas, possibilitando uma narrativa mais coesa sobre os determinantes do consumo nas sociedades modernas. O fenômeno, considerado por Keynes, de que os ricos poupavam mais, derivaria do fato de que as classes ricas tem uma composição grande de temporariamente ricos, estes utilizam-se dessa renda extra, mas não permanente, para poupar. 

Isto também era visto na Hipótese da Renda Permanente, mas esta era incapaz, por exemplo, de captar efeitos positivos de crescimento em poupança observados nos dados. No modelo de Friedman, se a renda cresce ao longo do tempo e as pessoas vivem para sempre, não há porque poupar mais e sim menos. Esta relação positiva entre crescimento e poupança era o que Modigliani mais valorizava de sua hipótese (Barnett e Solow, 2000)

Para Modigliani, a dimensão demográfica do modelo era essencial para o agregado: se a economia está crescendo por crescimento populacional, os jovens, que poupam mais, tendem a ser mais prevalentes do que os idosos, que sacam suas poupanças (assim, a poupança é maior para os países em que a população cresce mais rápido). Um raciocínio parecido é dado para a produtividade: há mais poupança agregada nas gerações jovens e este efeito não é totalmente reduzido pelos saques dos aposentados, que consomem menos por terem tido rendas menores ao longo da vida.  

Algumas das previsões empíricas da hipótese de Modigliani não parecem ter resistido ao teste do tempo. Kotlikoff e Summers (1981) afirmam que 80% do patrimônio se explicava por heranças nos anos 60-70 e não pelas hipóteses do ciclo da vida (poupanças para se aposentar), embora Modigliani (1986) contestasse seus métodos. Alvaredo, Garbinti e Piketty (2017) propõe uma posição intermediária: Modigliani estava certo (ainda que exagerado) para o período imediato do pós-guerra (1960-1980), onde as poupanças de aposentadoria parecem ter determinado a dinâmica dos patrimônios, mas as heranças guiaram as flutuações de patrimônio em todo o restante da história.  

Mais importante, contudo, do que previsões específicas, Modigliani e Brumberg (1954, 1979) criaram uma nova forma de teorizar as decisões de consumo individuais e de que maneira elas impactam agregados a nível macroeconômico. Questões como a transferência de heranças para gerações posteriores, como nota Deaton (2005), já eram abordadas nos artigos de Modigliani. Da mesma maneira, é possível facilmente adaptar a micro-fundamentação pura do ciclo da vida para não só abarcar heranças, mas também decisões de idade para se aposentar e ter filhos, e incertezas sobre o momento da morte. 

Nesse sentido, mesmo que as previsões de Modigliani não estivessem inteiramente corretas, sua influência teórica para a macroeconomia é inegável: decisões de consumo e de herança devem ser pensadas como decisões tomadas ao longo da vida e a dinâmica demográfica pode ser fator muito importante para explicar fenômenos macroeconômicos. Esta influência é bastante perceptível, por exemplo, nos modelos de gerações sobrepostas.

O Teorema Modigliani-Miller 

A segunda grande contribuição de Modigliani foi no campo das finanças. Como descreve Modigliani em Barnett e Solow (2000), o foco das finanças corporativas, antes de sua chegada, era na ideia de que fosse possível ter uma estrutura ótima do capital, alterando a composição da dívida e ações. Modigiliani e Miller (1958) estabelecem que com mercados eficientes e indivíduos racionais e não havendo impostos, custos de falência, problemas de agente e principal e assimetria de informação, o valor da firma não depende da forma como ela se financia. 

Para um leigo compreender o racional por trás desta proposição, Miller (1991 APUD Villamil, 2008) oferece-nos uma metáfora simples: se você é um produtor de leite integral e quiser vender o produto separadamente como nata e leite desnatado, e não há custos para fazer esta separação ou subsídios do governo para fazer a separação, o valor da nata combinado com o do leite desnatado é o mesmo do leite integral. Se você possui uma firma, portanto, e aumenta seu endividamento (com os credores abocanhando mais do seu fluxo de caixa), o valor do seu equity tem que ser necessariamente menor, de modo que o valor dívida + equity é constante.

Embora contestado em termos de sua validade para o mundo real, a elaboração de Modigliani-Miller estabeleceu uma nova forma de se pensar nas finanças. O debate centrou-se em compreender o que ocorria quando as hipóteses do modelo imaginado pelos dois eram relaxadas (Villamil, 2008).  O próprio Modigliani, no final da vida, acreditava que era possível ter alguma vantagem em se financiar com instrumentos diferentes apesar dos impostos, mas concordava com Miller que isto era essencialmente pouco relevante no sistema tributário americano (Barnett e Solow, 2000). 

Conclusão

Modigliani teria outras contribuições em diversas áreas. Seu artigo “Liquidity Preference and the Theory of Interest on Money” (Modigliani, 1944) é considerado seminal para Síntese Neoclássica. Ele ainda ajudou a elaborar um dos primeiros modelos macro econométricos, o MPS. Era uma mente brilhante, inventiva e diligente em responder perguntas interessantes e solucionar problemas empíricos ou teóricos complexos. Na ocasião de sua morte, Paul Samuelson afirmou que partia “o maior macroeconomista vivo”. Na realidade, algo maior ocorreu: partiu, em 2003, uma das mentes mais brilhantes do século passado, que revolucionou o mundo das finanças e que apresentou um novo estilo de pensar como os agentes tomam decisões de consumo. 

Henrique Rodrigues da Mota

Notas:

ALVAREDO, Facundo; GARBINTI, Bertrand; PIKETTY, Thomas. On the share of inheritance in aggregate wealth: Europe and the USA, 1900–2010. Economica, v. 84, n. 334, p. 239-260, 2017.

BARNETT, William A.; SOLOW, Robert. An interview with Franco Modigliani. Macroeconomic Dynamics, v. 4, n. 2, p. 222-256, 2000.

DEATON, Angus. Franco Modigliani and the life cycle theory of consumption. SSRN 686475, 2005.

FRIEDMAN, Milton. Introduction to ‘A Theory of the Consumption Function’. In: A theory of the consumption function. Princeton university press, 1957, p.1-6.

KOTLIKOFF, Laurence J.; SUMMERS, Lawrence H. The role of intergenerational transfers in aggregate capital accumulation. Journal of political economy, v. 89, n. 4, p. 706-732, 1981.

KUZNETS, Simon. National income. New York: National Bureau of Economic Research, 1946.

MODIGLIANI, Franco. Life cycle, individual thrift, and the wealth of nations. Science, v. 234, n. 4777, p. 704-712, 1986.

MODIGLIANI, Franco. Liquidity preference and the theory of interest and money. Econometrica, Journal of the Econometric Society, p. 45-88, 1944.

MODIGLIANI, Franco; BRUMBERG, Richard. Utility analysis and the consumption function: An interpretation of cross-section data. Franco Modigliani, v. 1, n. 1, 1954, p. 388-436.

MODIGLIANI, Franco; BRUMBERG, Richard. Utility Analysis and Aggregate Consumption Functions: An Attempt at Integration. Collected Papers of France Modigliani, v.2, 1979.

VILLAMIL, Anne P. The Modigliani-Miller Theorem. In: (Ed.) DURLAUF, Steven; BLUME, Lawrence. The New Palgrave Dictionary of Economics, 2. ed. Palgrave Macmillan, v. 6, 2008.

 

Terraço Econômico

O seu portal de economia e política!
Yogh - Especialistas em WordPress