Nobel 2012: Alvin Roth e Lloyd Shapley | por Pedro Cava

Qual é o poder explicativo do nosso modelo tradicional de mercado quando falamos de mercados sem um sistema de preços explícitos como o de casamento? E se estamos transacionando um vínculo ao invés de um bem, como no mercado de trabalho? Matching Theory é a agenda de pesquisa que se preocupa em responder algumas dessas questões, a microeconomia do pareamento. 

Elas foram abordadas pela primeira vez da maneira como hoje conhecemos no começo dos anos 60 por David Gale e Lloyd Shapley. De lá para cá matching theory passou de uma curiosidade matemática para uma secção central da microeconomia moderna, com vastas aplicações no mundo real. De alocação de quartos em dormitórios à novas regras para transplantes de rim. 

Os laureados

É difícil superestimar o legado intelectual de Lloyd Shapley. Nascido em 1923 no CEP onde ficam instituições como a Universidade de Harvard e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Lloyd Shapley era filho de um casal de astrônomos. Com 20 anos, no meio da graduação em Matemática em Harvard, foi recrutado pelo Exército para servir na II Guerra Mundial. Acabou indo parar na China, e como tantos outras mentes brilhantes na época, trabalhou com criptografia e logística. 

Se formou em 48 e foi trabalhar na RAND Corporation – que junto com o Escritório de Pesquisa Naval americano (NRO) e a Cowles Comission na Universidade de Chicago formavam uma espécie de consórcio informal de pesquisa para matemáticos e economistas que durante a guerra tinham estabelecido as fundações da muito prolífica relação entre Otimização Matemática e Teoria Econômica.  

Nessa rede de instituições passaram também  outros  laureados como Ken Arrow, Tjalling Koopmans e Harry Markowitz, além de uma dúzia de nomes. Foi um dos centros onde se consolidou, nas palavras de um se seus pais Lionel McKenzie, teoria clássica de equilíbrio geral. Um resultado em particular, algum teorema de existência de equilíbrio geral com condições suficientemente fracas era uma espécie de santo graal da teoria econômica à época. Uma série de problemas matemáticos estavam no caminho disso e é com esse zeitgeist que Shapley começa a carreira.

Em 49 ingressou no programa de doutorado em matemática em Princeton, onde conheceu gigantes como Herbert Scarf, John Milnor e David Gale.  O período em Princeton formaria laços acadêmicos importantes. Em 53, mesmo ano em que concluiu o doutorado e Neumann e Morgenstern publicam A Theory of Economic Games and Behavior, fez a sua primeira de muitas contribuições teóricas. The value of a n-person game introduziu o conceito de Valor de Shapley, uma medida do quão lucrativo é engajar em uma coalizão, é um dos trabalhos seminais em teoria de jogos cooperativos. 

Ainda em 53 também introduziu o conceito de Núcleo de um jogo, o um equivalente cooperativo à Eficiência de Pareto. Com Milnor, em 61, explorou jogos oceânicos, em que jogadores individuais são irrelevantes, fundações que seriam aproveitadas pelo também laureado Robert Aumann na sua formulação de jogos não-atômicos. A lista de contribuições de peso à Teoria dos Jogos poderia seguir por mais muitas páginas. Em 62 uma delas  com David Gale chama a atenção.

Alvin Roth tem origens diferentes. Filho de judeus e do Baby Boom, graduou em Pesquisa Operacional na Universidade de Columbia, para depois concluir mestrado e doutorado na mesma área na Universidade de Stanford. Iniciou a carreira de docente em 1975. 

Ao longo dos próximos anos iria trocar de universidade, casar, ter filhos e eventualmente tocar no mesmo problema que interessou Gale e Shapley nos anos 60. Roth trabalhou no sistema americano de alocação de vagas de residência médica e viu funcionar o primeiro laboratório a céu aberto de experimentação com pareamento.

A ideia

College Admissions and the Stability of Marriage é uma leitura muito agradável. Não há uma equação e os argumentos, mesmo que matemáticos, são intuitivos. O que a princípio é um problema clássico de combinatória, quando introduzidas preferências, gera uma nova área de microeconomia. 

Imagine dois casais: A pareia com B, C pareia com D. Essa situação seria dita instável se A prefere D a B e C prefere B a D. Nesse caso bastariam os membros dos casais trocarem para implementar uma alocação melhor. A pergunta é: existem alocações estáveis? Estável, entenda, no sentido de que não há uma troca de casais que melhoraria a situação dos dois casais, apenas de um. 

A ideia do mecanismo é realizar rodadas. Em cada uma um lado qualquer do mercado envia suas propostas. Os indivíduos que receberem propostas rejeitam a menos desejada, liberando uma proposta para a próxima rodada. Repetindo esse processo iterativo, eventualmente todos os participantes acham pares e como o lado que recebe as propostas rejeita a menos desejada em cada passo, a situação final, qualquer que seja, é estável.

Esse tipo de algoritmo iterativo é chamado de Aceitação Deferida, e foi exatamente a mesma ideia que Roth aplicou no processo de seleção de residentes médicos americanos. Dos anos 80 para cá as aplicações apenas crescem. Em 2003 foi a vez da rede pública de educação de Nova Iorque aplicar o algoritmo na escolha de escolas para pais. Em 2005, Boston adotou o mesmo procedimento. 

Em 2008 começaram as trocas de rins informadas pela teoria. Ao invés de procurar parceiros exatos, forma-se uma dupla A de paciente e doador. O doador A não necessariamente precisa ser compatível com o paciente A. É mais fácil encontrar outra dupla B de paciente e doador, onde o doador B seja compatível com o paciente A, e o paciente B seja compatível com o doador A. 

Pedro “Cava” Cavalcante

É Cientista de Dados em uma fintech e nas horas vagas luta para concluir a graduação em Economia na UFF. Gosta especialmente de economia da educação, estratégias de identificação espertas e tem uma quedinha não-correspondida por matemática

 

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