Angus Deaton ganhou o Prêmio Nobel de Economia do ano de 2015 pelos seus estudos sobre consumo, pobreza e bem-estar. Ainda que estes temas sejam relevantes o suficiente para merecer este (e outros) Prêmios Nobel em Economia, é também um prêmio para um modo específico de usar dados para responder perguntas econômicas. Como a evolução da área onde as contribuições de Deaton está ligada às suas contribuições, iremos começar com a trajetória pessoal do premiado.
Nascido em 1945 em Edimburgo na Escócia, fez a graduação no Fitzwilliam College, na Universidade de Cambridge, onde Deaton também obteve seu Doutorado em Economia. Um aspecto interessante da formação de Deaton foi a limitada quantidade de matérias de Economia, tanto na graduação quanto na pós-graduação. Segundo ele:
“For many years, I regretted my lack of formal training, envying my peers who had taken tough courses, and who understood things that I did not know existed, but feel now that those regrets were misplaced. When I learn something that I want to learn, and do it my own way, I often make mistakes and it is usually slow, but when it is done, it tends to stick (like taking square roots), and there is always the chance that I find something that is not so well known after all.” (DEATON, 2016 – Ensaio Autobiográfico, p. 6)
A chave em sua formação como pesquisador foi ter sido orientado por Richard Stone, o Prêmio Nobel de Economia de 1984. Em 1975, Deaton consegue seu primeiro posto acadêmico formal, com a Cátedra em Econometria na Universidade de Bristol, onde ficou até 1983. A partir deste ano ele cruzou o Atlântico, se tornando professor em Princeton, sua principal afiliação acadêmica até os dias de hoje.
Se tivesse que escolher um aspecto que resume a trajetória de Angus Deaton, seria o estudo do consumo. Uma vez que o consumo é um determinante central do bem-estar das famílias e dos indivíduos, entender o consumo das pessoas vai fornecer insights sobre o bem estar das famílias e dos indivíduos. Além do mais, a evolução do consumo agregado também é importante para a Macroeconomia. Sua dinâmica é responsável por parte importante da variação da atividade econômica e, por meio das identidades da Contabilidade Social, influencia o volume de Poupança e Investimento agregados. Três contribuições se destacam.
A primeira delas é de caráter metodológico. Desde os anos 50, os economistas buscavam entender o comportamento e a evolução do consumo com sistemas de equações. Tais sistemas precisavam ser parametrizados a partir de modelos microeconômicos – similares aos usualmente encontrados em manuais de Microeconomia em nível de graduação. As estimativas destes parâmetros deveriam, então, atender restrições que são derivadas destes mesmos modelos. O problema é que tais restrições nem sempre são apoiadas pelos dados.
Em dois artigos nos anos 70, Deaton mostra que a rejeição destas restrições pode ser devida à má-especificação do modelo (ou seja, são impostas restrições que não são refletidas pelos dados), ou que não se compreende direito o mecanismo que relaciona os parâmetros estimados ao comportamento das pessoas cujo consumo se reflete nos dados (o chamado problema da agregação).
A seguir, em 1980, Deaton publica um dos seus artigos mais citados na American Economic Review (An Almost Ideal Demand System) [1][2]. Este modelo incorpora as seguintes contribuições seminais. Em primeiro lugar, ele pode ser linear nos parâmetros, coisa importante dados os limitados recursos computacionais dos anos 80. Em segundo lugar, os parâmetros estimados podem ser correspondentes às preferências (racionais) de um indivíduo representativo e, finalmente, permite uma estimação flexível dos efeitos marginais de preço e renda.
Tais aspectos são relevantes porque permitem caracterizar efeitos contrafactuais de política, indo além de avaliar se uma política específica funciona ou não para responder perguntas sobre como seriam os resultados se a política fosse diferente.
A segunda contribuição central de Deaton é mais aplicada, envolvendo a avaliação do consumo, pobreza e bem-estar em países em desenvolvimento. Uma das formas de atuação dele foi junto ao Banco Mundial para a coleta e padronização de bancos de dados de consumo e padrão de vida individual – projeto LSMS. Academicamente, suas contribuições acadêmicas Deaton e Muellbauer (1986) sobre escalas de equivalência – formas mais precisas de se medir como a composição do domicílio afeta o consumo e a pobreza. Em segundo lugar, Deaton (1988) mostra uma forma pela qual se pode levar em conta as diferenças de qualidade e preços enfrentados pelos domicílios na forma de se medir a pobreza.
A terceira grande contribuição de Deaton envolve a interface entre Microeconomia e Macroeconomia, começando no final dos anos 80. Em 1989, Deaton e Campbell mostram um fato que acabou sendo conhecido como “o Paradoxo de Deaton”: as propriedades das séries de tempo de renda eram tais que o componente permanente da renda era mais volátil que a renda total. Ora, se o Consumo Agregado dependia do componente permanente da renda, isso implicaria que ele seria mais volátil que a renda – algo contradito pelos dados.
Deaton aponta três possibilidades de resolução deste paradoxo. A primeira delas, os consumidores não são tão racionais quanto a teoria assume, e a segunda é que o paradoxo é um resultado de problemas de agregação – a série de consumo agregado não é adequada para este teste de racionalidade. Finalmente, a terceira é que os consumidores podem enfrentar restrições (de crédito, por exemplo) que não estão presentes nos modelos mais simples.
Deaton (1991) mostrou que o comportamento de consumo individual, quando modelado por um processo com componentes agregados e idiossincráticos, combinado com restrições de crédito, consegue aproximar os padrões observados nas séries existentes de consumo.
Além desses temas, Angus Deaton possui várias contribuições que ficam em segundo plano. Mas elas têm alguns aspectos em comum e que ilustram a forma pela qual o premiado trabalha. O primeiro deles é sempre ter teoria e os dados trabalhando juntos. E por isso ele é crítico constante da ideia que se pode “deixar os dados falarem por si sós”. Um exemplo está nesse debate com Abhjit Banerjee (Prêmio Nobel de 2019), com participação especial do jogo “Angry Birds”:
O segundo ponto, é relacionado com o primeiro, é o cuidado com o processo de agregação – o processo pelo qual os dados refletem as escolhas de indivíduos ou domicílios em particular, e o que exatamente se está estimando quando estes dados são utilizados na análise empírica.
Concluindo, o que a história desse prêmio nos mostra é que teoria e dados precisam andar de mãos dadas se queremos chegar em conhecimento acionável em termos de política pública.
Claudio Lucinda
Notas
[1] Na opinião do presente autor, uma das mais infelizes siglas que alguém poderia imaginar no começo dos anos 80 (AIDS).
[2] Uma pesquisa da American Economic Review coloca este artigo entre os 100 mais citados do século XX.
Bibliografia
Angus Deaton: Ensaio Autobiográfico
https://scholar.princeton.edu/sites/default/files/deaton/files/nobel_autobiography_final_2_3_16.pdf
Deaton, A. (1988), “Quality, Quantity and Spatial Variation in Price”, American Economic Review 78(3), 418-430.
Deaton, A. (1991), “Savings and Liquidity Constraints”, Econometrica 59(5), 1221-1248.
Deaton, A. e J. Campbell (1989), Why Is Consumption So Smooth?”, Review of Economic Studies, 56(3), 357-373.
Deaton, A. e J. Muellbauer (1980), “An Almost Ideal Demand System”, American Economic Review 70(3), 312-326.
Deaton, A. e J. Muellbauer (1986), “On Measuring Child Costs: With Applications to Poor Countries”, Journal of Political Economy 94(4), 720-744.