O último número do IPCA (índice de preços ao consumidor, amplo), de fevereiro, trouxe uma inflação anualizada de mais de 8,0%, o que ultrapassa com folga o teto de 6,5% a.a da meta de inflação. Um número bastante preocupante que acende uma luz vermelha na macroeconomia brasileira. Vermelha pois a amarela vinha sendo ignorada sistematicamente. Inflação além da meta em um cenário projetado de crescimento negativo do PIB.
As vezes nós economistas pensamos apenas em variáveis macroeconômicas, porém basta um pulo ao mercado mais próximo para ver o quanto a inflação começa a incomodar a vida do cidadão comum. Esse incômodo varia de intensidade conforme muda a renda do cidadão, sendo que os mais pobres sentirão mais o aumento dos preços do que os mais ricos. Pois a parcela mais pobre compromete uma porcentagem de renda maior com bens e serviços essenciais, sendo esses últimos os itens que mais sofrem com aumento inflacionário. Vamos analisar essa dinâmica:
Primeiro é extremamente importante entender que o Brasil ainda é um país pobre, considerando que 44% da população está inclusa em um intervalo de renda mensal per capita de até R$291,00.
Uma vez entendida a dimensão de brasileiros de baixa renda, podemos agora analisar como a inflação afeta cada um desses indivíduos, principalmente os que estão entre os 44% do estrato de baixo. Existem alguns itens que são necessários no gasto mensal de uma família e dificilmente podem ter seu consumo reduzidos de forma significativa: Alimentação, transporte e moradia são as principais categorias que possuem tal rigidez na quantidade consumida. Então quando existe um aumento de preços, o consumo desses bens e serviços não é reduzido consideravelmente, por consequência uma parcela maior da renda acaba sendo gasta para adquiri-los. Para analisar os componentes do gasto das famílias vamos usar os dados da POF (Pesquisa de orçamento familiar – IBGE) mais recente[2].
No caso de uma família com renda mensal per capita de R$291,00, em média 24% da renda é gasta com alimentação. Enquanto em uma família de classe média-média (R$641,00 mensais per capita) esse gasto cai para perto de 16,7% e no extremo da renda, uma família de classe alta (R$2.480,00 mensais per capita) gasta apenas 8,5% de seu orçamento em alimentação.
Na categoria habitação os mais pobres gastam 37,2% de sua renda, a classe média-média 30,2% e a alta 22,8%.
Na categoria transporte urbano, os menos favorecidos gastam 4,2% a classe média 2,7% e a alta 0,6%. Vale notar que as duas últimas possuem gastos de transporte geral mais elevados, devido a aquisição e manutenção de veículos próprios,
Na soma de todas essas despesas (alimentação, habitação e transporte) os mais pobres comprometem 68% de sua renda, enquanto a classe média alto em torno de 50% e a classe alta apenas 31,9%.
O que fica bem claro aqui é que uma inflação na casa de 7% faz muito mais mal sobre a renda dos mais pobres, pelo simples motivo de que a renda desse grupo está muito mais comprometida em despesas que são dificilmente redutíveis, afinal de contas morar, comer e ir trabalhar são gastos mais do que essenciais.
Para uma medição mais precisa podemos usar o índice IPC-C1 da FGV, que foi construído a partir dos dados da POF, de forma a analisar a inflação em famílias com renda mensal entre 1 e 2,5 salários mínimos, exatamente o grupo que queremos analisar aqui. Resultado? Nos 3 quesitos aqui analisados a inflação é maior que o índice geral.
Em um momento de pressão inflacionária e restrição fiscal, continuar aumentando o salário mínimo de forma a aumentar o salário real fica cada vez mais difícil e custoso. Se o governo de fato se preocupa com o povo mais humilde ele deveria estar comprometido com uma política macroeconômica crível, que faça a economia operar com o índice mais baixo possível de inflação.
Vale sempre lembrar que boa parte da redução da desigualdade no Brasil nos últimos 20 anos teve início na esteira do plano real que trouxe a inflação para níveis realistas. A teoria econômica e análises empíricas mostram uma relação positiva entre inflação baixa e queda na desigualdade econômica [3].
Notas: [1]:Dados retirados de MENDES 2013, Porque o Brasil cresce pouco- Campus Elsevier. [2]:POF – Pesquisa de orçamento familiar 2008/2009 – IBGE [3]:ALBANESI – Inflation and inequality – Journal of Monetary Economics