O cinema em suas transformações produtivas

Em 2018, o mercado mundial de entretenimento registrou uma receita de US$ 96,8 bilhões, sendo US$ 41 bilhões em bilheteria, com as assinaturas de serviços de streaming tendo aumentado em 27%. A indústria do entretenimento de hoje oferece inúmeras opções e sua história de revoluções produtivas é bom um exemplo de como as quebras estruturais favoreceram o consumo dos espectadores. 

O cinema, antes de ser uma indústria propriamente dita, começou sua história na França ao fim do século XIX. Mas sua trajetória foi momentaneamente interrompida por conta da Primeira Guerra (1914–18), algo que impossibilitou a produção de novos filmes e deixou um espaço que posteriormente viria a ser ocupado pelo cinema hollywoodiano.

Os grandes estúdios que nasceram nessa época, além de produzir e distribuir seus filmes, ainda eram donos das salas de cinema, podendo determinar quando cada filme poderia entrar em cartaz e, logicamente, privilegiando suas próprias produções. Essa lógica de integração da produção e comercialização por um mesma empresa ou grupo, chamada de verticalização, estava se tornando uma regra dentro da indústria cinematográfica e, com isso, os estúdios ganhavam controle e influência, detendo poder de barganha para vender os direitos de exibição de seus filmes por meio de “venda casada”, ainda adquirindo as melhores e mais importantes salas de cinema do país. 

O governo estadunidense e sua política antitruste à época foram determinantes para a descontinuidade da concentração de mercado que se estabelecia ao impedir, em 1948, as práticas consideradas “desleais” à competição, como absorção das salas de cinema e o block booking. Essa última funcionava da seguinte forma: os estúdios produziam muitos longas e vendiam os direitos de exibição em lotes de cinco filmes, mesmo havendo interesse em só um destes. Depois da mudança, cada filme precisava se vender sozinho e sinalizar que realmente poderia trazer lucro. 

Assim, o volume produzido diminui consideravelmente, entretanto, a difusão de novas técnicas com o passar do tempo (widescreen, technicolor, 3D) somadas ao maior cuidado com o produto final, transformaram o cinema. A vitória na Suprema Corte foi comemorada pelos produtores independentes como a “restauração da livre-iniciativa na indústria cinematográfica”, mas deixou os grandes estúdios sem parte importante de sua receita e estagnados em uma recessão que durou aproximadamente uma década, momento esse no qual se deu uma revolução no consumo do audiovisual.

A televisão já nasceu culpada pela decadência do cinema, pois não dava para competir com o conforto proporcionado pelo entretenimento oferecido na sala de casa. Uma inovação, ou uma nova combinação, como expressa a teoria schumpeteriana, abala todo o equilíbrio de mercado e força a competitividade de todos os agentes, sendo o melhor incentivo para o dinamismo e o desenvolvimento. A televisão foi primeiro vista como o abalo sísmico que acabaria com a mais pura forma da sétima arte em prol da massificação, do consumo de entretenimento. Mas como a TV não estava indo embora e os estúdios notaram que também poderiam obter lucro com o negócio, um reposicionamento dos estúdios cinematográfico fez-se necessário. 

O cinema, em prol da sobrevivência, teve que modificar e amplificar o tamanho de suas produções, durante década de 1950, para novamente demonstrar sua relevância, enquanto o catálogo de filmes antigos era vendido para a TV. Assim, o cinema se mantinha na memória e era novamente apresentado para um novo público por meio da acessibilidade oferecida pela nova mídia.

Em direção à formas cada vez mais acessíveis de consumir o conteúdo audiovisual, as videolocadoras chegaram ao mercado no fim da década de 1970 e promoveram o acesso cada vez mais rápido aos lançamentos cinematográficos. E o cinema encontrou outro meio de integrar seu faturamento com a comercialização dos VHS, DVDs e blu-rays. Foi um período no qual as produções televisivas e cinematográficas não se confundiam, os bens deixaram de concorrer para se tornarem complementares e, de alguma forma, estúdios televisivos e cinematográficos encontraram seu equilíbrio novamente.

Até chegar a internet. E não só pela pirataria ameaçando a indústria como um todo, essa é outra discussão, mas também pelo novo formato dado pelos serviços de streaming, YouTube e outras plataformas, que têm lançado tanto conteúdo como jamais se viu. Antes havia um divisão clara entre “filme feito para a TV” e “filme feito para o cinema”, mas o novo formato dos serviços de streaming não perde em qualidade para estúdios renomados e catapultou Netflix, Amazon Prime e Hulu para competir por espaço com grandes players. 

A forma, até então encontrada para se proteger da competição, parece ser a mesma dos grandes estúdios no início do século passado: a verticalização da produção. Disney e Warner já planejam que a exclusividade de seus produtos esteja reservada aos próprios serviços de streaming, que devem ser lançados no futuro. E o esquema do século passado, de produção, distribuição e exibição encadeados pela mesma empresa parece ser o meio de escapar dos desequilíbrios no mercado cinematográfico que a internet causou. 

Uma coisa é certa: o acesso à sétima arte ficou muito mais facilitado por meio de todas as revoluções tecnológicas que caminharam em direção ao conforto do consumidor. O cinema captou atenção com produtos cada vez mais serializados e grandiosos (insira sua franquia de herói favorita aqui), enquanto a TV encontrou um jeito de expandir, se diferenciar e refinar sua oferta de formatos. A relação entre as novas formas de produzir e os estúdios e diretores mais conservadores ainda é motivo de embates constantes, mas gostaria de acrescentar os fãs de ficção científica e da teoria schumpeterianas à discussão sobre os rumos dessa indústria cinematográfica. Talvez alguém saiba dizer se estamos voltando pro início ou inventando novas formas para o entretenimento. Então se aconchegue na poltrona, escolha aquele filme favorito e pegue a pipoca.

Esse texto é baseado no vídeo “The History of How We Watch Movies” do canal Be Kind Rewind e foi publicado originalmente pela Revista Jabuticaba.

Pedro Rezende

 

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