A economia e seus caminhos compõem grande parte das discussões quando as coisas para ela não vão bem – como ocorre nos dias atuais. Perguntas análogas a “como está a economia?”, “para onde ela vai?” e “já paramos de piorar?” são tópicos quase que diários de conversas de milhões de brasileiros. Mas um ponto relativamente pouco falado – e que poderia ter mais atenção – é: por que as pessoas costumam acreditar que a economia é dissociada da sociedade? O ponto é: separar economia e sociedade não faz sentido, pois a economia é o acompanhar das relações sociais sob a ótica produtiva.
Desde a origem do termo, economia e sociedade estão intimamente ligadas: economia vem do grego oikonomia, que significa nada mais do que “gerenciar a casa” (oikos: “casa”, nomein: “gerenciar”). Porém, por algum motivo, quase sempre que podemos observar discursos que evocam a necessidade de mudanças sobre a economia – ajuste fiscal, reforma da previdência, discussão dos direitos trabalhistas, dentre outros tópicos – surgem frases como: “precisamos colocar a economia nos trilhos, pois ela é uma prioridade” ou “e as pessoas, como ficam?”; como se fosse possível uma separação entre ambas.
Dentro da academia existe uma corrente econômica recente chamada de Sociologia Econômica (SE) [1]. Ela busca ir além das visões majoritariamente utilitaristas e individualistas, objetivando alcançar o entendimento do chamado homo economicus de modo a incluir seu ambiente social e os processos históricos vividos ao conjunto de interpretações que este venha a ter da realidade – o que significa que age de maneira complementar aos paradigmas anteriormente levantados em economia política por Adam Smith e Karl Marx. Parece que esta teoria distancia ainda mais as relações sociais e a economia, mas é justamente o contrário: ela é uma tentativa de entender com maior proximidade a influência dos fenômenos sociais na economia – como uma tentativa de amplificar a tangência existente entre as duas partes.
Neste momento o leitor pode pensar que “se é para falar da relação entre a sociedade e a economia, usar a linguagem acadêmica não funcionou”. Porém, é possível analisar diretamente aspectos que costumam ser considerados apenas econômicos e ver quão relacionados com a sociedade eles de fato estão – e como seria irracional imaginar que seria diferente disso. Vamos então a uma discussão mais direta de como os dois fenômenos se entrelaçam indissociavelmente, em três itens que costumam ser definidos como “essencialmente econômicos e distantes da sociedade” ou ao menos “apenas importantes para as classes mais altas”:
– Taxa de câmbio: é formada basicamente pela transação de moedas entre os agentes e países da economia como um todo – existem outros componentes dentro deste conceito como as expectativas sobre os países, a ação dos Bancos Centrais e a possibilidade de ataques especulativos, mas aqui o foco é sobre o efeito das movimentações desta variável; em um momento de instabilidade política ou perda de confiança sob a economia de um país as taxas de câmbio tendem a se desvalorizar (a moeda passa a valer menos perante as outras). O dólar, moeda utilizada como meio comum de transações internacionais, é uma variável que aparece bastante nos noticiários quando há uma variação significante. Neste ponto surge a turma do “e eu com isso?”, e aqui há uma resposta que ao menos deveria fazer pensar: não é só o bem de luxo que vem de fora e varia seus preços pela taxa de câmbio – como alguns sugerem –, varia também o preço do pão, item que está na mesa de café da manhã de boa parte dos brasileiros, em função do trigo (que é majoritariamente importado), e de uma parte do que se consome no país (pouco mais de um quinto [2]) – um estudo mais detalhado sobre os efeitos desse pass through cambial sinaliza que uma parte considerável dos produtos da cesta do IPC (Índice de Preços ao Consumidor, medido pela FGV) sofre influência com a variação do câmbio [3]. Uma melhoria das condições econômicas tende a atrair mais investimentos a um país e possibilita uma valorização da moeda: o que vem junto disso é um barateamento de diversos produtos importados, a melhoria da concorrência com os produtos nacionais – ao menos em tese, já que as altas taxas de importação e a carga tributária nos protegem de tais benesses – e uma melhoria na inflação;
– Preços de commodities – e também os demais produtos de baixo valor agregado que podem ser replicados internacionalmente de algum modo (commodity significa mercadoria); em alguns casos ouve-se dizer que estes importam apenas para aqueles que as transacionam, porém, a influência para a sociedade é maior do que isso: dentre outros motivos como uma boa condução econômica no primeiro mandato de Lula (que acompanhou o tripé macroeconômico vindo do final dos anos 1990 com FHC), um aumento da formalização do mercado de trabalho e a boa execução de políticas distributivas como o Bolsa Família, temos no boom dos preços das commodities ocorrido na última década (puxado pela demanda chinesa em alta) uma contribuição notável para o aumento da renda do país – mesmo que haja também uma discussão sobre este aumento de participação em nossa pauta exportadora gere certa queda de competitividade [4];
– PIB: soma de todos os valores monetários agregados por um país em um determinado período de tempo – conceito criado pelo Nobel de Economia em 1971, Simon Kuznets [5]; esta medida tem sido questionada por sua materialidade ou importância prática) [6], mas atualmente é utilizada para medir o avanço de produção dos países, sendo utilizada como base para outras análises de bem-estar; por meio desta variável analisamos como a economia se desenvolve: seu crescimento indica que mais transações estão ocorrendo e mais renda está sendo gerada, e o caso oposto também é verdadeiro. Aliás, graças a esta medida é que podemos compreender e fazer previsões sobre o andamento de uma economia, afirmando se ela se encontra em crescimento ou recessão e quais suas tendências possíveis para o futuro, por exemplo – é considerada recessão técnica a situação em que o país tem seu PIB contraído em dois trimestres seguidos.
Os discursos “não como taxa de câmbio”, “não como petróleo” e “não como PIB” costumam ser utilizados à exaustão por movimentos sociais que buscam de alguma maneira justificar que a sociedade e a economia possam ser movimentos separados. É possível claramente observar que o único efeito real de tais discursos é a geração de desinformação aos que os encaram como sendo verdadeiros, uma vez que, economia e sociedade são fenômenos indissociáveis, como discutido neste artigo.
Reitera-se que não são variáveis que descrevem com perfeição o andamento da sociedade – inclusive o PIB sofre críticas, como também foi apontado –, mas a influência delas é notável o suficiente para que possamos apontar uma reflexão: quando a economia vai bem, a sociedade vai bem e, ao negar princípios econômicos em prol de supostas “verdades sociais”, os efeitos podem ser extremamente negativos para todos.
O Brasil dos anos 1980 com suas desastrosas experiências econômicas e a Venezuela dos dias de hoje são apenas dois exemplos do que renegar políticas econômicas a um segundo plano pode fazer com toda a sociedade. Em suma: sociedade que se importa com a economia sai beneficiada, assim como economia que se importa com a sociedade.
Caio Augusto – Editor Terraço Econômico
Notas: [1] Esta corrente econômica encontra-se explicitada no texto As pessoas e a economia: algumas possibilidades deste encontro, de Andréia Leite Vargas http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-75902010000300010 [2] http://www.valor.com.br/brasil/4049886/participacao-dos-importados-no-consumo-brasileiro-e-recorde-nota-cni [3] http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/1612/043202010_Dissertacao_Luiz_Felipe_Maciel.pdf?sequence=1 [4] http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-08/saldo-recorde-da-balanca-deve-se-queda-de-importacoes-e-commodities [5] http://www.nber.org/chapters/c2258.pdf [6] http://www.economist.com/news/leaders/21697834-gdp-bad-gauge-material-well-being-time-fresh-approach-how-measure-prosperity