Nobel 1983: Gerard Debreu | por Caio Augusto

Uma contribuição para a economia relevante o suficiente para conceder a alguém um Nobel é enorme. Geralmente, das duas, uma: ou se iniciou uma nova área dentro dessa ciência ou então alguma grande mudança dentro de alguma área já existente foi colocada em prática. 

No caso deste laureado em 1983, trata-se de uma importante contribuição feita a uma área já existente: a adição de métodos analíticos novos para a ciência econômica e também uma reformulação ampla da Teoria de Equilíbrio Geral.

Uma história em que a Segunda Guerra foi personagem

Nascido em 1921 em Calais, na França, passou por um momento bastante específico e complicado em sua vida: estava em seu país natal nas proximidades do início da Segunda Guerra Mundial, e lá esteve acumulando conhecimento mesmo neste período. 

Esteve no ano acadêmico de 1939-1940 estudando matemática em Ambert, mas com a guerra tendo começado a dividir a França em áreas diferentes em 1940, se mudou e continuou os estudos, aprofundando-os na mesma área, mas nesse ano em Grenoble. A primeira parte envolvia estudos preparatórios em matemática e a segunda tratava-se de um aprofundamento maior.

Em 1941 entrou para a École Normale Superiéure, tendo estudado e vivido ali até 1944. Chegou a afirmar certa vez que o ambiente era academicamente denso, sendo a entrada de novos alunos limitada a 20 por turma e com a tensão de viver em uma Paris dominada pelos alemães.

A ideia era que concluísse os estudos em 1944, mas com o Dia D os planos foram alterados: se alistou no exército francês, foi mandado para uma missão na Argélia e acabou concluindo aqueles estudos apenas no início de 1946.

O amor pela economia e a transição da matemática

Após esse breve hiato pelo motivo da guerra, acabou tendo contato com a economia e se apaixonou. Isso aconteceu quando se deparou com os aspectos matemáticos da teoria de equilíbrio geral. Essa teoria, que havia sido iniciada por León Walras no período entre 1874-1877, constava em um livro de Maurice Allais, de 1943, de nome A la Recherche d’une Discipline Économique. Passou então dois anos e meio em uma verdadeira migração de áreas: da já conhecida matemática para a em transformação economia.

Em 1948 passou várias semanas na Salzburg Seminar in American Studies, onde teve contato com Wassily Loentief (laureado Nobel de Economia em 1973, dez anos do que aconteceria com ele mesmo no futuro). E ainda em 1948 uma mudança muito importante aconteceu em sua trajetória: ele virou Fellow da Rockfeller Fellowship, o que o permitiu passar um tempo em Universidades como Harvard, da California em Berkeley, de Chicago e Columbia em 1949 e, ainda nos primeiros meses de 1950, esteve como visitante nas Universidades de Uppsala e Oslo.

Durante esse período de portas abertas em função da Rockfeller Fellowship, acabou tendo contato com desenvolvimento na ciência economia que seus tempos na França não haviam permitido até então, o que o fez ainda mais interessado pela área. Ainda em 1949, durante o período na Universidade de Chicago, aceitou uma proposta para ser pesquisador associado na Comissão Cowles para Pesquisa em Economia, onde acabou tendo ligação por onze anos a partir de junho de 1950.

Anos 1950-1970: o período de maior produção de Debreu

O ambiente como pesquisador associado dessa Comissão Cowles foi bastante propício para o avanço de seus estudos em ótimo de Pareto, na existência de um equilíbrio econômico geral e também na teoria sobre utilidade. Em 1953, enquanto estava em uma licença de seis meses na Électricité de France em Paris, teve contato com um trabalho de Kenneth Arrow sobre commodities e, em 1959, isso culminou em sua Teoria do Valor (capítulo final de um trabalho publicado naquele ano).

Em 1955 a Comissão Cowles mudou da Universidade de Chicago para a Universidade de Yale e, com a mudança, Debreu finalizou um artigo sobre uma análise axiomática da teoria de equilíbrio econômico geral.

No biênio 1960-61, estava no Centro de Estudos Avançados em Ciências Comportamentais de Stanford, período em que focou completamente em provar um teorema geral a respeito da existência de um equilíbrio geral, o que ficou pronto em 1962. Em 1963 publicou um paper com Herbert Scarf, também sobre equilíbrio geral. Tendo contato em 1964 com um artigo de Robert Aumann a respeito da teoria da medição de espaços de agentes econômicos, passou a se interessar consideravelmente por este tema.

Entre o final dos anos 1960 e o início dos anos 1980, esteve em diversos centros de pesquisa, como por exemplo a Universidade de Louvain (1968-1969), a Churchill College de Londres (1972), mais uma vez a Cowles Foundation de Yale (1976), a Universidade de Bonn (1977) e o CEPREMAP de Paris (1980).

Tendo abordado sempre temas com um olhar mais matemático e cercado de axiomas dessa natureza, Debreu seguiu com suas contribuições dentro do campo do equilíbrio geral da economia por décadas. Debreu era professor da Universidade da California em Berkeley quando foi laureado.

O prêmio, em 1983

Então professor em Berkeley, Debreu foi laureado por sua pesquisa seminal em equilíbrio dos mercados. Na descrição apresentada quando da explicação sobre os porquês da premiação, foram destacadas contribuições diversas, sobretudo presentes nos anos 1950 junto a Arrow em equilíbrio geral dos mercados, mas também fala-se de suas contribuições em na utilização eficiente de recursos e sobre a estabilidade do equilíbrio econômico.

O caminho da contribuição é, em termos resumidos, o seguinte: Adam Smith trouxe com sua teoria original que as pessoas, movidas por seu interesse próprio, moviam os mercados através da demanda, sendo os produtores responsáveis por posicionar a oferta do mercado e permitir que o equilíbrio ocorresse; ao final do século 19, León Walras formulou essa hipótese matematicamente, chegando ao equilíbrio dos mercados com matemática, mas o que faltava era uma análise sobre os efeitos econômicos daquelas equações.

A grande contribuição de Debreu neste campo foi provar a existência desse equilíbrio e do fato de que ele criava os preços. O diferencial presente nos trabalhos de Debreu e Arrow era mostrar como ocorria a maximização de lucros por parte dos produtores ao comporem a oferta, enquanto a demanda seguia seu movimento observando esses preços do outro lado. Através dessas movimentações nos preços, Debreu e Arrow provaram que as intuições de Smith e as equações de Walras faziam mesmo sentido econômico.

O trabalho de Debreu de nome Teoria do Valor, de 1959, fundou uma nova base de pensamento dentro da teoria de equilíbrio de mercados. Para se ter uma ideia, até mesmo o que seria a definição de um bem e como os consumidores reagiam de acordo com os tipos de bens foram questões colocadas em discussão nesta obra, que suscitou muitas reflexões adicionais nos anos que se seguiram.

Sobre as outras duas áreas que receberam destaque em sua premiação, temos que: a respeito do uso eficiente de recursos, foram analisadas condições pelas quais a “mão invisível do mercado” realmente movia os recursos de maneira eficiente, ainda que com a existência de desperdício; já a respeito do equilíbrio dos mercados, Debreu apresentou a contribuição de que, em uma economia com muitos agentes, como não valeria ficar fora do contato com os mercados, haveria então um equilíbrio (de manutenção de agentes dentro desses mercados). Além de todas essas contribuições, Debreu ainda pode contribuir também para a teoria de comportamento do consumidor.

Gerard Debreu faleceu em 31 de dezembro de 2004, após décadas de contribuição que se desdobraram e ainda se desdobram em discussões que remontam ao período atual.

Caio Augusto – Head de Conteúdo do Terraço Econômico

Referencias Bibliográficas

Artigo construído com base em registro biográfico feito por Gerard Debreu https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1983/summary/ e também no Press Release da academia que concede a premiação https://www.nobelprize.org/prizes/economic-sciences/1983/press-release/ 

DEBREU, Gerard. Theory of value: An axiomatic analysis of economic equilibrium. Yale University Press, 1959.

 

Caio Augusto

Formado em Economia Empresarial e Controladoria pela Universidade de São Paulo (FEA-RP), atualmente cursando o MBA de Gestão Empresarial na FGV. Gosta de discutir economia , política e finanças pessoais de maneira descontraída, simples sem ser simplista. Trabalha como diretor financeiro de negócios familiares no interior de São Paulo e arquiva suas publicações no WordPress Questão de Incentivos. É bastante interessado nos campos de políticas públicas e incentivos econômicos.
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