Passamos o ano de 2015 inteiro falando de ajuste fiscal. Quando muito, os mais engajados citavam o ajuste externo (melhora no déficit na conta corrente).
Mas um ajuste, muito silencioso, vem sendo feito. E o irônico é que ele melhora a competitividade do país. Mas de forma trágica. O ajuste no mercado de trabalho, sobretudo, nos salários.
A severa depressão já elevou a taxa de desemprego (medida pela PNAD do IBGE – a série mais confiável) para incríveis 9,3% até novembro de 2015 (último dado disponível).
Olhando o gráfico abaixo nota-se claramente a velocidade e intensidade do aumento do desemprego. Em um ano, tudo o que se conquistou em quatro foi perdido. Esta é a cara de uma recessão. Sua face mais perversa.
No ano passado, segundo os dados do CAGED do Ministério do Trabalho (MTE), foram demitidas 1,54 milhão de pessoas. Mas este número tem em seu núcleo uma situação um pouco mais delicada.
Cerca de 37,3% desse número de demissões adveio da Indústria de Transformação, setor que já está em crise há alguns anos e apenas aumentou a intensidade em 2015. Além disto, essa indústria uma relativa pequena parte do “estoque” de trabalhadores empregados no país, em torno dos 16,5%.
A grande questão é o setor de serviços (que eu entendo como a soma de serviços + comércio). Este agrega 54,6% da mão de obra brasileira. Após gerar 373 mil empregos em 2014, demitiu 317 mil em 2015, sendo que foi apenas no segundo semestre de 2015 que o setor começou verdadeiramente a ajustar seu quadro de funcionários.E é só o começo.
O setor é altamente ligado ao desempenho do consumo e da renda das famílias dado que trabalhamos majoritariamente com serviços de baixa especialização e não aqueles de alta intensidade tecnológica (como grandes softwares, por exemplo). O aumento da recessão e a queda da confiança do consumidor faz despencar o consumo, impactando impiedosamente o setor. A consequência direta disto foi que verificamos pela primeira vez desde o início da série em 2002, a queda no volume de receita real do setor de serviços.
O ponto central, portanto, é que o ajuste no estoque de mão de obra no setor está apenas começando, e, dada a incerteza na economia e a certeza da continuidade da recessão, seu declínio tende a se intensificar, impactando no desempenho da economia como um todo – criando um círculo vicioso.
Como consequência do ajuste no mercado de trabalho, está ocorrendo o ajuste nos salários. Mas não aquele, de fim de ano, quando você tem seu salário corrigido pela inflação e, com sorte, alguns pingados a mais.
A inflação cresceu 10,67% em 2015. Nem todos tiveram reajuste neste patamar.
E mais do que isto, com a oferta de mão de obra subindo no mercado (tanto qualificada como a pouco especializada), o preço (leia-se salário) do trabalhador cai. Portanto, os poucos que contrataram o fizeram a um preço menor do que antes.
Vejamos, de 2005 a 2014, a Massa Salarial Real, ou seja, a soma de todos os salários pagos aos trabalhadores durante o ano, cresceu em média 5,1% por ano. Já em 2015, essa massa recuou 5,2%. Recapitulando: essa queda dos salários reflete a perda do emprego, a contratação com menor salário para ocupar o cargo vago e o reajuste dos salários no fim do ano abaixo da inflação.
Mas para não parecer tão chato, tentemos fazer destes limões alguma limonada. O cenário de queda de salario doméstico com forte depreciação de câmbio melhora muito a competividade brasileira. É que, queira ou não, ficamos mais baratos.
Se verificarmos o que chamamos de CUT (não a Central Única dos Trabalhadores, e sim o Custo Unitário do Trabalho) em dólar, calculado mensalmente pelo Banco Central, notaremos trajetória declinante no período recente. O CUT consiste, basicamente, na diferença da produtividade do trabalhador em relação ao seu salário, convertido em dólar.
Ou seja, quando o trabalhador começa ver seu salário aumentar de forma mais rápida do que sua produção, o CUT também aumenta, tornando-o “caro”. Verificamos isso nos últimos anos, principalmente com a regra do salário mínimo indexado ao crescimento do PIB e à inflação. Soma-se a isso a taxa de câmbio apreciada.
Agora, com a queda do salário, como visto anteriormente, e o aumento da taxa de câmbio, o CUT mostra clara tendência cadente.
Objetividade: o que isto representa? Por hora, nada. Não há muito para quem vender nossos produtos mais baratos.
Mas isto no longo prazo, com uma economia um pouco mais aquecida e um cenário internacional mais favorável, é uma grande janela de oportunidade, dando chance a atingirmos o patamar que se espera de uma economia como a do Brasil.
É a lógica do copo meio cheio ou meio vazio.
Arthur