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Esse padrão – de que o volume agregado de consumo é mais estável do que o a renda total de uma economia – era uma observação consistente e internacional. A aparente contradição com as predições teóricas engendrou o que ficou conhecido como o Paradoxo de Deaton. Mas tal como ocorreria com diversos dos interessantes resultados de seus estudos, Deaton não se daria por satisfeito por ter desdito a teoria: antes disso, Deaton perscrutava a fraqueza de seu método de observar a realidade. Na verdade, percebeu ele, dados agregados de consumo naturalmente mostrariam um volume estável, já que variações de renda entre indivíduos se compensam numa economia: uns perdem e outros ganham. Olhar dados agregados era simplesmente uma via equivocada para compreender o comportamento do consumidor.
Isso é ciência em sua melhor forma. Angus Deaton pode não ser aquele tipo de cientista que descobre a penicilina ou a cura do câncer. Mas é o cientista que inventou o AIDS. “O quê?!” Isso mesmo, Almost Ideal Demand System é o método de estimação de demanda que ele e seu coautor John Muellbauer conceberam para resolver diversos problemas de tratamento de dados, dentre eles a delicada questão da agregação. O modelo não é perfeito, como o próprio nome sugere, mas dá para o gasto: quase quarenta anos depois de sua criação, até hoje é uma ferramenta amplamente utilizada para avaliação de efeitos de aumentos de preços ou impostos sobre bem-estar social.
Seu pragmatismo metodológico e gosto por novidades o levaram a descobrir que é possível fazer análises desagregadas de padrões de consumo ao longo do tempo, sem precisar usar o histórico de um mesmo indivíduo ao longo de diversos períodos. Isto quer dizer que o governo pode coletar dados de amostras aleatórias de famílias a cada ano, sem precisar acompanhar sempre a mesma família, e mesmo assim análises robustas podem ser realizadas. O interessante é que uma razão pela qual esse procedimento é desejável são os defeitos da alternativa: os altos riscos de execução defeituosa de um programa rigoroso que acompanhasse as mesmas famílias por vários anos viciariam a análise de maneira muito mais perniciosa.
Por outro lado, seu rigor metodológico e desconfiança com relação a métodos tornou-o um crítico ferrenho de ferramentas modernas de avaliação de políticas, tais como os chamados randomized control trials (RTC). Esse tipo de estudo, cuja lógica foi explicada no Terraço Econômico[1] alguns meses atrás, caiu no gosto de muitos pesquisadores porque permite estimar a magnitude das transformações observadas numa população estudada que foi efetivamente causada por uma intervenção de política pública. Assim, se no escopo de um estudo de RTC a taxa de desnutrição de uma população caiu 10% em relação a outra, é possível atribuir esse efeito inteiramente à política pública implementada. Porém, Angus Deaton entende que apesar de seu rigor estatístico, esses estudos são reféns de sua necessariamente pequena escala. O contexto sempre importa, e um instrumento de precisão cirúrgica pode sugerir resultados extremamente robustos, porém específicos para o caso analisado.
Precisão ou generalidade? Este parece ser o dilema sobre o qual Angus Deaton tentou se equilibrar. Conforme descobriu em seu trabalho, o ótimo é inimigo do bom: às vezes é melhor se contentar com um método consistente cujos defeitos são bem conhecidos do que tentar aplicar um método ideal que também exija circunstâncias ideais. Esses insights também guiaram Deaton na elaboração de seus conselhos ao Banco Mundial sobre como realizar pesquisas de pobreza em países subdesenvolvidos, que tipo de dados coletar e como interpretá-los. Suas impressões digitais marcam o trabalho de inúmeros homens e mulheres ativos na pesquisa e implementação de pesquisa em desenvolvimento econômico.
Talvez o pragmatismo metodológico e o rigor teórico que acompanharam Angus Deaton datem da época em que, jovem estudante na universidade de Cambridge, decidiu que queria ser um filósofo da ciência. Foi desaconselhado pelos seus professores, o que lhe causou certa frustração e o lançou num período um pouco vadio de muita bebida e ócio. Segundo relata em texto autobiográfico, o seu desleixo provavelmente teria magoado o pai, um humilde trabalhador escocês que se alfabetizou tardiamente e batalhou para garantir ao jovem Angus uma educação exemplar. Deaton eventualmente encaminhou-se para a economia, um pouco por acaso e um pouco atraído, assim como tantos jovens estudantes até os dias de hoje, pela combinação que a disciplina oferece entre matemática e ciências humanas. O filho do operário se tornou eventualmente Dwight Eisenhower Professor da prestigiosa Universidade Princeton, nos Estados Unidos, e foi premiado no dia 12 de outubro de 2015 com o Prêmio Nobel em Ciências Econômicas. Papai deve estar orgulhoso.









É urgentíssima a necessidade de re-estruturação da “Teoria Geral do Equilíbrio”, sobretudo, quando se conhece desde Granger (1962) que o “transplante metodológico” das ciências exatas, não pode explicar o “nivelamento de subsistência” e muito menos suprimir o “Equilíbrio Não-Cooperativo”.