A história da economia brasileira pode ser contada através da história da variação da taxa de inflação, que não é apenas uma representação numérica da variação dos preços de uma cesta de consumo, de um grupo, que detém uma faixa de renda em determinada região. Na verdade, esses números são capazes de relatar muito mais: resultados de escolhas de política econômica, movimentações políticas que agradaram ou não ao povo, moratórias, perda ou ganho de confiança internacional, legitimidade do governo (ou falta dela), aumento dos gastos públicos e até mesmo o suicídio do presidente, ameaças comunistas ou a construção de uma nova capital para o país.
Inflação: um flagelo nacional
A inflação sempre foi (e ainda é) um índice importante da atividade econômica no Brasil. O brasileiro, ainda hoje, se preocupa com os índices de inflação, algo obtido a partir das duras penas do período de hiperinflação nas décadas de 1980 e 1990. O pé atrás do brasileiro para com a inflação não é apenas da história recente, dos últimos 30 anos, o motivo de tamanho destaque para esse indicador econômico vem sendo construído ao longo de muitos anos.
Pensando desde o fim do primeiro governo de Getúlio Vargas, em 1945, passando pelo General Eurico Gaspar Dutra (1946-1950), o retorno de Vargas (1951-1954), o interregno de Café Filho (1954-1955), os 50 anos em 5 de Juscelino Kubitschek (1956-1960), os períodos conturbados de Jânio e Jango (1961-1964) e o período que sucedeu o golpe militar até o fim da ditadura (1964-1985), podemos observar uma postura muito similar no que diz respeito às políticas econômicas e relação destes governos com a inflação.
O presidente antecessor passa para o seu sucessor não apenas a faixa presidencial, mas, junto dela, uma economia desequilibrada com mercado aquecido e inflação elevada. Para lidar com essa situação, o ministro da Fazenda do então presidente institui um conjunto de políticas contracionistas para trazer a economia de volta ao equilíbrio, no qual a taxa de inflação esteja relativamente baixa e controlada.
Diminuem-se os gastos públicos, aumentam-se os impostos e a taxa de juros, para desestimular o consumo e vendem-se os títulos da dívida pública no mercado aberto e aumenta-se a taxa de compulsório dos bancos, para diminuir a base monetária da economia, por exemplo. Isso em um primeiro momento do governo, até a economia se estabilizar.
A partir dessa estabilização, abre-se espaço para tentar garantir uma reeleição ou, quando essa ainda não existia, a eleição de um sucessor a sua escolha. Assim, políticas expansionistas são aplicadas para aumentar a sensação de bem-estar da população.
Ou seja, tudo que foi feito até o momento pelo então governo é feito às avessas e o problema inflacionário, gerado por essa expansão, cai sobre o próximo presidente, que terá de lidar com, pelo menos, os mesmos problemas de desequilíbrio que seu antecessor.
Esse sistema acabou se esgotando depois da Ditadura Militar. Quando as políticas expansionistas indevidas, atreladas à mecanismos de indexação de contratos e o descompasso no reajuste dos preços, que perpetuaram a inflação, geraram tamanho desequilíbrio externo e interno que a inflação que veio como consequência não pode ser contida pelos métodos tradicionais.
Depois de 9 anos (1985 – 1994), 6 planos econômicos fracassados, 4 congelamentos de preços, 1 confisco de poupança, 11 ministros da Fazenda, 1 processo de impeachment, 3 presidentes, 3 moedas, 9 zeros cortados e inflação de 2.947,73% ao ano [1], o Plano Real conseguiu acabar com o problema inflacionário entre os anos de 1994 e 1995 [2].
Como a inflação alta afeta o crescimento econômico?
A teoria econômica indica que inflações elevadas afetam negativamente o crescimento econômico. Além disso, é importante destacar o papel das expectativas. A mera expectativa do aumento no nível de preços é capaz de afetar negativamente a economia de um país: ao esperar por um aumento, os trabalhadores pressionam as empresas para que consigam aumentos em seus salários. Num cenário em que a taxa de inflação efetiva fique inferior à esperada, o mercado ficaria aquecido, até que a inclusão de mais um trabalhador não traria ganhos de produtividade a empresa, invertendo o ciclo.
Dessa maneira, o melhor para empresa seria iniciar um processo de demissões, aumentando a taxa de desemprego, diminuindo o poder de compra e desacelerando o crescimento econômico como um todo. O custo de oportunidade entre inflação e desemprego (curva de Phillips) apresenta a seguinte relação: para diminuir a inflação, uma economia deve encarar o aumento da taxa de desemprego.
A médio e longo prazos, altas nos níveis de preço não favorecem os investimentos, por corroer o valor da moeda nacional e podendo tornar desinteressante o investimento num país com tamanha taxa de inflação capaz de elevar em altos graus a taxa básica de juros como consequência.
Outro ponto importante é que os mais prejudicados e penalizados são as camadas menos favorecidas da sociedade, promovendo um processo de concentração de renda. O período de hiperinflação brasileiro que precedeu o Plano Real pode demonstrar como a inflação e a instabilidade ocasionada por ela podem afetar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de um país. De acordo com os dados do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (CODACE), entre os anos de 1989 e 1992 (entre os governos Sarney e Collor), enquanto a inflação só crescia, o PIB variou negativamente, com percentual de -7,7%.
Inflação é como alcoolismo, não tem cura. Só controle.
Gustavo Franco, no painel de comemoração dos 20 anos do Plano Real.
Como controlar a inflação?
Com a introdução do Plano Real em 1994, definiu-se o norte da economia brasileira naquele momento: a chamada âncora cambial. Esta denotava a ideia de que o câmbio brasileiro seria fixo e valorizado frente ao dólar.
Fixar uma taxa de câmbio para valorizar o real tinha como intuito garantir uma baixa inflação, através de uma oferta maior dos produtos importados. A taxa de juros, neste período, por outro lado, ficava a mercê da entrada e saída de capital dentro do país e oscilava constantemente.
Choques externos começam a impactar a economia, colocando em risco o modelo. Os efeitos das crises nos países emergentes (México – 1994, Ásia – 1997 e Rússia – 1998) acabaram refletindo na confiança e credibilidade da economia brasileira, gerando uma saída de capital do país.
Para manter o câmbio fixo, foi necessário abrir mão de parte das reservas internacionais, até o momento em que se decidiu que o ideal seria mudar o paradigma e buscar alternativas que garantisse o equilíbrio naquele cenário.
O dia 1º de julho de 1999 marcou a criação do Tripé Macroeconômico. Divulgado através do discurso, o então Presidente do Banco Central do Brasil (BCB), Armínio Fraga, estipulou a alteração-chave nas bases da economia brasileira que, a partir de então, deixaria a taxa de câmbio flutuar, priorizaria o superávit primário e as metas de inflação.
Antes o governo dizia para a taxa de câmbio: ‘Você toma conta da inflação.’ e dizia para a taxa de juros: ‘Você toma conta do balanço de pagamentos’, que é um regime de taxa de câmbio fixa. Hoje nós estamos escalando o time de forma diferente. Nós estamos dizendo para taxa de câmbio: ‘você toma conta do balanço de pagamentos’ e para taxa de juros: ‘você toma conta da inflação’. Agora, nada disso funciona sem uma boa política fiscal.
Armínio Fraga, 1999.
A partir daquele momento, a política monetária brasileira seguiria metas de inflação. Ou seja, o BCB se comprometeu a atuar de tal maneira que garanta que a inflação anual efetiva esteja alinhada com uma meta pré-estabelecida e anunciada publicamente pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Como funciona o regime de metas de inflação?
De acordo com um relatório do BCB [3] sobre as questões mais frequentes sobre as metas de inflação, os fundamentos do sistema são:
- Definição da meta: que pode ser pontual ou intervalar, sendo que a segunda pode ou não ter uma meta central;
- Existência de uma cláusula de escape: que define previamente as situações que podem justificar possíveis não cumprimentos das metas no período;
- Escolha do índice de inflação: que pode ser utilizado cheio ou na forma de núcleo;
No Brasil, usa-se o índice “cheio”, representado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), por conta de dois principais motivos. O primeiro é que, embora, em longo prazo, o núcleo e a inflação tendam a convergir, podem divergir significativamente no curto prazo. O segundo, talvez o mais importante, é por conta de uma questão de transparência e credibilidade do BCB. Afinal, o índice cheio reflete a inflação corrida, sem gerar confusão para o povo. Na opinião do BCB. o sistema de núcleos pode ser confuso e parecer não refletir as alterações dos preços, por exemplo, ao excluir os preços mais voláteis.
Para determinar a meta, em si, o CMN, formado pelo presidente do BCB e pelo Ministro da Economia. Estes definem, com dois anos de antecedência, a meta e os limites de flutuação para a inflação: as bandas.
As bandas de inflação são espaço onde a inflação pode oscilar, afinal, nenhum Banco Central tem controle total sobre a variação dos preços. E, nessas bandas, pode-se acomodar, também, de maneira parcial, alguns choques exógenos. Aqui, nossa inflação pode oscilar 1,5% para cima e para baixo da meta estabelecida como alvo. Ou seja, com uma meta definida de 2,5%, por exemplo, existiria um teto de 4% e um piso de 1%.
A inflação acumulada de um ano, com tais meta e bandas, deve permanecer dentro deste intervalo. Caso isso não aconteça e ela seja inferior ao piso ou superior ao teto, caberá ao presidente do BCB, numa carta aberta endereçada à sociedade brasileira, explicar os motivos para o descumprimento do que havia sido combinado e as medidas a serem tomadas para remediar tal situação. Assim, cabe à instituição, através de seus instrumentos de política monetária, como a taxa de juros e os depósitos compulsórios dos bancos, regular a inflação para que o acumulado anual esteja dentro do intervalo estipulado pelo CMN.
A controvérsia do índice “cheio”
Em alguns países, a meta para inflação é estabelecida não em termos diretos dos valores do índice de preços, mas sim através de um núcleo. O cálculo deste núcleo de inflação tem como objetivo final a intenção de obter uma medida do índice de preços menos volátil e menos suscetível a aumentos de preços sazonais e choques externos, por exemplo. Em conjunturas extraordinárias o aumento de preços de alguns produtos específicos, por mais que não configurem um aumento generalizado no nível de preços, não seriam excluídos do índice cheio e sim do núcleo.
Dois exemplos de núcleo de inflação são comuns: primeiro, o núcleo por exclusão, que é calculado extraindo da inflação preços de determinados produtos, como alimentos e derivados de petróleo. Isso é feito para evitar os efeitos de possíveis sazonalidades nos preços destes, que poderiam fazer estourar a inflação e fazê-la extrapolar o teto.
Outra forma comum de núcleo é o das médias aparadas, que exclui da inflação cheia, mensalmente, os produtos que apresentaram, no período, maior volatilidade. A ideia de retirar os efeitos negativos das sazonalidades frente ao cálculo do índice de inflação “cheio” poderia trazer efeitos muito positivos sobre nossas metas de inflação. Ao excluir o efeito destes produtos mais voláteis, possibilita-se mais um passo frente ao fim das amarras que retém o crescimento econômico brasileiro, possibilitado que as políticas monetárias contracionistas, por exemplo, sejam utilizadas para combater, de fato, apenas os aumentos generalizados nos níveis de preço. Reduzindo a possibilidade de gerar períodos de contração econômica para acomodar choques externos e sazonais.
Thais Palanca
É mestranda em Economia na EESP/FGV e bacharel em Relações Internacionais pela FAAP.
Notas
[1] Vide Banco Mundial;
[2] GIAMBIAGI, Fabio. Economia Brasileira Contemporânea. 3ª edição.
[3] Relatório do Banco Central do Brasil, 2012.