A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou oficialmente em 11 de março o surto de coronavírus (COVID-19) a um nível de pandemia global, atingindo mais de 100 países, em especial China, Itália, Espanha e Estados Unidos.
À medida que a Covid-19 se espalha em nossa comunidade, as políticas de saúde pública se tornam cada vez mais severas, desde isolamento social até o fechamento de cidades e regiões (denominado de lockdown). Essa abordagem, que tem como base a hipótese do vírus se espalhar na nossa sociedade, enfatiza a diminuição da velocidade e o processo de difusão.
Do ponto de vista econômico, já é sabido que esta pandemia se refletirá de forma heterogênea em diversas economias, porém com efeitos negativos nos próximos trimestres. A consultoria Oxford Economics chegou a uma estimativa de encolhimento da economia mundial para este ano, considerando ainda um crescimento positivo da China, carro chefe da atividade econômica mundial, ao redor de 5%a.a.., ante crescimento esperado de 6%a.a.. Mas há expectativa de decrescimento dos Estados Unidos de algo próximo ao valor de -2,4% a.a.. Não será diferente no caso brasileiro.
O crescimento do Brasil já vem minguando nos últimos anos com crescimento de 1,1% a.a. em 2019, 1,3% a.a. em 2018 e 2017, respectivamente. Já é conhecido que a economia brasileira vem sofrendo com vários gargalos microeconômicos (estrutura fiscal, logística, fator de produtividade, qualificação da força de trabalho, entre outras variáveis). Do ponto de vista macroeconômico, embora experimentando um novo ciclo de expansão monetária (com juros em mínima histórica de 3,75% a.a.), diminuição do depósito compulsório e um câmbio flutuando com forte desvalorização cambial, estes instrumentos já possuem efeito limitado em nossa economia, sem riscos à inflação. Primeiramente, em razão pelo alto nível de desemprego e consequente aumento do trabalho informal. Deve-se ainda aliar a este ponto, a precarização do trabalho formal. Outros instrumentos de política monetária deverão ser avaliados.
Assim, espera-se que no caso do Brasil, o impacto da COVID-19 flutue em cenários enquadrados no lado negativo. O cenário pode chegar até uma queda de 6,5%a.a. em termos reais, haja vista o atual estágio de suspensão das principais atividades manufatureiras e de serviços não essenciais. Não se deve descartar valores mais negativos, por volta de até 10% a.a.. De toda maneira, seria a maior queda já vista na série histórica do PIB real brasileiro. Segundo dados do IPEA, em 1918, a economia brasileira chegou a uma queda de 2%a.a., enquanto que no período da Grande Depressão, esses valores foram 2,1% e 3,3% ao ano nos anos de 1930 e 1931. Uma queda substancial foi vista em 1981, pré-moratória do México, com uma queda de 4,3% a.a.. Após tal evento, somente no plano Collor que voltamos a experimentar este patamar, com 4,4%a.a.. E, no caso mais recente, na gestão de Dilma Rousseff. Essa crise, todavia, possui uma velocidade mais rápida de contaminação dos mercados, assim como um impacto mais forte na economia real, levando a decrescimentos nunca antes atingido pelo Brasil. É salutar que depende naturalmente do tempo de cerceamento da população e da demora na ajuda governamental de se chegar na ponta da cadeia.
Numa tentativa de dirimir tais efeitos, é importante frisar que a ajuda total do Governo, segundo dados do Observatório de Política Fiscal, chegaria a 2% do PIB. Um valor ainda pífio comparado com outras economias no continente americano e europeu. O valor ideal de dispêndio a mais seria entre a 7% a 9% do PIB, muito aquém do que vêm sendo reverberado pelo Governo. A razão pela qual se chega nessa percentagem é o fato de incluir o valor de R$ 10 reais por dia (equivalente a US$ 2 dólares por dia), referentes à força de trabalho que se encontra abaixo e ao redor da linha da pobreza.
A ajuda a micro, pequenas e médias empresas é imprescindível, pois as mesmas são responsáveis por mais de 50% da mão de obra empregada pelo país. Assim, a ajuda oriunda do Governo através do BNDES vem em boa hora, porém há de se evitar o excesso de burocracia na disponibilização do mesmo. O fácil acesso via cartão BNDES com saque em moeda poderia ser uma alternativa interessante, inclusive para o capital de giro das empresas.
Para as companhias abertas na Bolsa de Valores, seria importante seguir algumas diretrizes do mercado de capitais internacionais e suspender o pagamento de dividendos, abrindo mais oportunidades no balanço de cada empresa. Outra alternativa, seria a emissão de debêntures com garantia dos entes monetários, fiscal e para-fiscal (BNDESPar), minorando o risco de mercado.
Do outro lado da moeda, deve-se atentar para amenizar os efeitos da crise é a questão dos informais e o pessoal em idade economicamente ativa. Os primeiros receberão um valor unitário de R$ 600,00 por mês pelos próximos três meses, através dos pontos de atendimento da Caixa Econômica Federal (CEF). Pouco se falou no Banco do Brasil que também possui uma alta capilaridade de suas agências. Todavia, o tempo é curto para a recuperação orçamentária de uma família. Além disso, atingir os informais será um desafio extra que se impõe a uma equipe econômica. Uma forma menos custosa é de se utilizar a malha dos próprios correios para entrega de um cheque nominal. Evita-se aglomerado e dissipação de um possível contágio. O próprio IBGE através da sua tecnologia de censo populacional poderia também ajudar nesta entrega.
Outra alternativa são os cadastros realizados pelas ONGs. Elas possuem um mapeamento das populações mais vulneráveis e com necessidades especiais. Um exemplo é o próprio Observatório das Favelas.
Quando se fala em uma população bancarizada, deve-se, em minha opinião, nas atuais circunstâncias, sugerir o perdão da dívida de pessoas que ganham até dois salários mínimos nas carteiras dos bancos públicos, privados e instituições de crédito. A pessoas que ganham de dois a quatro salários mínimos deverão ser concedidas uma redução de 50% no saldo devedor atualizado, e entre quatro a seis salários mínimos uma redução de 25%. A taxa de juros para os saldos devedores remanescentes deverá seguir valores ao redor do consignado. Isso abriria uma margem para consumo diretamente na ponta, após o pico da pandemia, com uma contribuição significativa das instituições financeiras, cujos spreads nessas operações são elevados e poderão ser reduzidos com esse efeito de escalonamento de perdão e refinanciamento de dívida. Vale lembrar que esta população possui um endividamento médio na casa de 40% de seu orçamento anual, segundo dados do próprio Banco de Central.
De forma geral, não é suficiente a prorrogação de dívidas, rearranjos orçamentários e antecipação de salários e benefícios, pois não é moeda “nova” na circulação da economia. O futuro é incerto e os agentes econômicos necessitam de certeza, porém, no cenário atual, nada é permanente exceto a mudança.
Roberto Ivo
Possui graduação em Ciências Econômicas pela USP, mestrado em Economics for Development – University of Oxford e doutorado em Ciências pela USP. Atualmente é coordenador do curso de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da UFRJ.