Ao longo da história moderna, vários conceitos de justiça foram expostos, de forma que estes variavam (e variam) de acordo com o momento político, o relativismo cultural e a localização geográfica. Dentre alguns conceitos de justiça, destacamos os principais e que guardam alguma relação com o tema de direitos fundamentais através de três pensadores: John Rawls, Robert Nozick e Michael Walzer.
A justiça liberal de John Rawls
Americano, filósofo e oriundo da escola de Harvard, este autor publicou a obra “Uma Teoria da Justiça” no ano de 1971. Por ser adepto do contratualismo moderno, segue a linha de pensamento de Locke, Rousseau e Kant. Desse modo, rechaça a ideia defendida pelo pensamento utilitarista, teoria cujas regras morais da justiça são mais imperativas, embora admitidas algumas exceções, pois, entende que a justiça não é legítima se for existente apenas para uma parcela da população.
A premissa mais marcante em sua obra diz respeito à criação de um ponto de partida originário ideal para se pensar em normas mais justas. O chamado “véu da ignorância” deveria ser incorporado ao legislador e aos juízes como forma de não se deixar influenciar pelos paradigmas sociais e culturais já consolidados.
Nesse ponto é que a concepção de justiça, pensada por Rawls, anda lado a lado com o respeito aos direitos fundamentais, já consagrados pelo direito ocidental. Isso porque este autor pregava que, para que se pudessem formular conceitos justos de justiça, as pessoas, após incorporarem o “véu da ignorância”, deveriam observar o princípio que garantisse um “mínimo de liberdade individual”. Aqui, o autor quis reafirmar a observância dos direitos fundamentais de primeira dimensão, ou seja, os direitos civis e políticos, como, por exemplo: a liberdade de pensamento, consciência, direito de voto e a vedação de prisões arbitrárias.
Na mesma toada, Rawls, visando embasar o seu conceito de justiça à luz dos direitos fundamentais, impõe a observância do Princípio da Diferença como forma de legitimar as desigualdades econômicas e sociais existentes em qualquer sociedade. Por este princípio, a sociedade deve maximizar os benefícios dos que são menos favorecidos na sociedade, como os deficientes físicos e mentais, de forma a alcançar uma norma mais justa.
Este autor, na mesma obra supracitada, ainda pensando nas desigualdades econômicas e sociais preexistentes no Estado, cita a importância da igualdade de condições para se atingir determinada posição social. Neste segundo momento, na concepção de John Rawls, é possível vislumbrar a necessidade de disponibilização dos direitos sociais, culturais e econômicos, ou seja, direitos de segunda dimensão, em qualquer sociedade, a fim de se alcançar normas e justiça mais legítimas.
Segundo Rawls, o que faz com que as pessoas sejam justas ou injustas é o modo pelo qual elas lidam com os fatos sociais, pois os fatos sempre irão existir. Logo, a desigualdade pode até existir, entretanto, na confecção das leis, os desfavorecidos deverão estar em pauta sempre. No seu pensamento, aqueles que possuem maiores oportunidades por virem de uma família que proporciona herança, por exemplo, devem aceitar com maior benevolência a diminuição da sua participação material em lucros no geral, nos salários, bem assim no status social, em favor daqueles que estão totalmente desassistidos socialmente e que, consequentemente, aumentam e maximizam suas expectativas para crescer.
Após essa breve exposição que objetivou vincular o conceito de justiça de Rawls aos direitos dos homens, mostra-se relevante analisar casos atuais à luz dos direitos fundamentais.
A indagação que sugerimos é a seguinte: partindo das ideias da Teoria da Justiça de John Rawls e a evolução dos direitos fundamentais, as cotas raciais e econômicas para o ingresso em universidades e cargos públicos seriam justas? Primeiramente, como é sabido, o Supremo já se pronunciou sobre o assunto, conforme noticiado em seu próprio site na internet [1]:
No julgamento realizado em abril de 2012, os ministros acompanharam por unanimidade o voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski, segundo o qual as cotas da UnB não se mostravam desproporcionais ou irrazoáveis. O ministro considerou que a regra tem o objetivo de superar distorções sociais históricas, empregando meios marcados pela proporcionalidade e pela razoabilidade.
Ao nosso pensar, à luz das ideias de Rawls, as cotas raciais para o ingresso em universidades seriam a concretização das soluções sugeridas em sua obra, na parte em que busca resolver as desigualdades econômicas, culturais e sociais. Isso porque, o autor traz princípios a serem seguidos a fim de se chegar a um conceito legítimo e mais justo de justiça, sempre visando a garantia dos direitos sociais como premissa básica.
A justiça de Robert Nozick
Este autor, em sua obra “Anarquia, Estado e Utopia”, que foi exposta em 1974, visa contrariar a teoria citada no capítulo anterior. Isso é, não caberia ao Estado garantir os Direitos Sociais aos indivíduos porque Nozick defendia a existência de um Estado mínimo ou até ultramínimo, no qual a liberdade de escolha dos indivíduos fosse minimamente afetada.
Em sua obra, é possível notar a pouca preocupação com a disponibilização dos Direitos Sociais do cidadão, uma vez que defende o Estado mínimo a fim de garantir unicamente a proteção voltada a efetividade dos direitos fundamentais mínimos para que a vida digna seja respeitada. Para os libertários, aquilo que ultrapassa o Estado mínimo não é legítimo, uma vez que seria o mesmo que intervir na vida das pessoas de forma a ferir suas liberdades.
Partindo dessa premissa, os Direitos Sociais (direitos fundamentais de segunda dimensão) são disponibilizados apenas para a parcela da população que pudesse arcar, sendo considerado um serviço prestado pelo Estado, e não um direito.
Michael Walzer, justiça e os Direitos Fundamentais
Este autor entende que a sociedade é constituída de segmentos, e estes deverão adotar um conceito próprio de justiça. Esta, inclusive, é a crítica feita ao conceito formulado por Rawls, aduzindo ser generalista, pois trata a sociedade como um todo único.
Walzer, na obra “Esferas da Justiça”, salienta que o conceito de justiça é variável, de modo que será diferente a partir do contexto social tratado. Neste ponto, os direitos fundamentais, objeto deste trabalho, são, do mesmo modo, variáveis. Assim, caso um bem jurídico tenha um estimado valor naquela sociedade, poderá ser elevado ao status de “direitos fundamentais” e ter uma estabilidade constitucional rígida.
O conceito de justiça variável, proposto por este autor, irá influenciar diretamente a concepção de quais são os direitos fundamentais consagrados naquela sociedade.
Este artigo buscou, em um primeiro momento, vincular algumas concepções relevantes de justiça (Rawls, Nozick e Walzer) aos Direitos Fundamentais alcançados pela humanidade, com o intuito de expor a necessidade de efetividade deste direitos diante de qualquer concepção de justiça adotada. Sabe-se que a humanidade conquistou direitos mínimos fundamentais no decorrer da história, o que é corroborado pelos termos da Declaração Univerval dos Direitos Humanos de 1948. Conclui-se que, independente do conceito de justiça a ser adotado pelo Estado, os direitos fundamentais mínimos existenciais devem ser observados, respeitando os direitos universais consagrados.
Leonardo de Aquino Teixeira
É mestrando em Processo Penal pela PUC/SP (2019), especialista em Direito Penal e Processo Penal pela PUC/SP (2017) e bacharel em Direito pelo Centro Universitário CESMAC (2013).
Amanda Ferreira de Souza Nucci
É mestranda em Direito Penal pela PUC/SP (2019) e bacharel em Direito pela Fundação Armando Alvares Penteado (2011).
Notas e bibliografia
[1] Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=278000 acesso em 23 de outubro de 2017.
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