Para encerrar a nossa série, que até aqui procurou sanar de maneira pormenorizada as principais dúvidas de quem pretende fazer uma pós-graduação no exterior, nada melhor que saber mais das experiências de alguém que passou por todo esse processo na prática (no bom e velho learning-by-doing), tendo ainda a pandemia da Covid como um desafio adicional. O entrevistado é Mateus Maciel, doutorando em economia pela Universidade de Frankfurt, que também teve autoria nos demais textos da série.
Confira abaixo a entrevista:
1- Mateus, antes de qualquer coisa, eu queria te pedir para fazer uma “digressão no tempo”, mas exatamente no momento que você decidiu que queria estudar fora do Brasil. Essa decisão ocorreu na pós-graduação mesmo ou foi antes? Foi uma ideia meio repentina ou acabou sendo pensada aos poucos?
Mateus Maciel: Quando entrei na graduação em economia na Uerj, não pensava em seguir na área acadêmica. Na verdade, eu queria trabalhar no mercado financeiro e ganhar muito dinheiro com isso. Mais ou menos na metade da graduação decidi que essa definitivamente não era a minha área e a carreira acadêmica acabou me chamando a atenção.
Conversei com alguns professores sobre a possibilidade de ter uma formação no exterior e, quando eles me disseram que era possível e que bastava seguir um plano, decidi que iria fazer um doutorado fora. Desta forma, acabei seguindo o caminho mais usual: fazer o mestrado aqui e depois seguir para o doutorado fora.
2- Considerando a sua decisão, é quase certo que você deve ter enfrentado inúmeros desafios e inseguranças. Mas, antes de ir para a etapa de concretização em si da sua decisão, qual foi a sua principal(is) insegurança(s)? Esta acabou se concretizando de fato ou acabou se mostrando apenas como um medo sem fundamento?
Mateus Maciel: Eu tive uma sorte danada de contar com professores incríveis que desmistificaram o application para mim, quando estava na graduação. Sou muito grato especialmente aos professores Honório Kume e Pedro Hemsley por isso. Isso não impediu, por outro lado, que inúmeras inseguranças tomassem conta de mim. O lado bom disso é que, quando elas viam, eu corria atrás deles pedindo ajuda.
Acredito que uma das principais preocupações de quem vai aplicar é como se manter lá fora. Na época, tanto a CAPES como o CNPq não estavam mais concedendo bolsas para doutorado no exterior, de forma que seria necessário competir com o mundo inteiro por financiamento. Como há inúmeras universidades e programas que concedem bolsa, acabei por me acalmar em relação ao funding
Uma outra preocupação surgiu no mestrado, uma vez que fiquei com bastante receio de não conseguir ir para um bom centro no exterior fazendo pós-graduação fora do top 4 (Puc-Rio, EESP, EPGE e USP). Vi que a UFRJ tinha enviado alguns alunos para fora e, depois de uma pesquisa mais profunda, notei que o êxito do application não está apenas ligado à instituição onde o candidato fez o mestrado, mas sim a um conjunto de características que o tornam atrativo aos olhos dos comitês de seleção.
Por fim, uma insegurança que sempre vai existir é se você é capaz de levar um programa de doutorado fora do Brasil. Aqui eu tenho família e amigos que me dão um suporte incrível, além dos professores que me ajudaram nessa caminhada. Contudo, tive sorte mais uma vez! Fernanda e Victor, que são meus amigos e me ajudaram na elaboração do guia, estão indo para a Goethe University comigo. Mesmo assim, eu acredito que sempre seja possível fazer novas amizades e obter suporte para encarar um desafio como esse.
3- Falando nisso, houve algum problema que você não tinha pensado, mas que acabou de fato ocorrendo? Se sim, qual foi?
Mateus Maciel: Não sei se você ouviu falar de uma coisa chamada “pandemia” (risos). No começo de 2020, Fernanda e eu estávamos com o plano de application todo montado e com a ideia de fazer o guia, inclusive: cartas, matérias em outros departamentos, material sobre os exames, etc. Aí veio a pandemia e jogou tudo isso por alto. Uma grande incerteza passou a tomar conta do nosso plano, mas, ao invés de desistir, preferimos esperar por uma posição das universidades.
Como todas elas mantiveram os deadlines e demais exigências referentes ao application dos anos anteriores, seguimos com o nosso plano. O que atrapalhou bastante foi o fato de termos ficado bastante tempo esperando nossas aulas no mestrado seguirem para o sistema remoto, de maneira que tivemos que estudar para as matérias que ficaram faltando, GRE, Toefl e ainda rascunhar a dissertação. Foi uma loucura! Tanto que só vamos defender nossas dissertações mês que vem.
4- Muito interessante, inseguranças e problemas parecem estar bem presentes em todo o processo de estudar no exterior. Agora, considerando a sua escolha de destino, você poderia falar sobre o programa que você escolheu? Acerca disso, em específico sobre a escolha do país, esta foi uma variável relevante para você?
Mateus Maciel: Antes de entrar nesse mundo de application, a gente ficava olhando demais os rankings da Tilburg e do IDEAS/RePEc e tentávamos selecionar os melhores departamentos voltados para a microeconomia. Com o tempo, notamos que seguir com essa estratégia nos levaria a excluir bons departamentos da nossa lista. Na verdade, como comentamos no guia, é necessário levar em conta outras variáveis em conta, como: pesquisadores, suas respectivas agendas de pesquisa, etc.
Dessa forma, dentre as 30 universidades para as quais aplicamos, a Universidade de Frankfurt (ou Goethe University) entrou para a nossa lista. Curiosamente, o centro é conhecido por ter um foco em macroeconomia. Porém, há alguns professores ligados à pesquisa em microeconomia, como Roman Inderst que produz trabalhos nas áreas de jogos e contratos, regulação e organização industrial. Estes são campos pelos quais tenho grande interesse.
Além disso, o programa da Goethe segue bastante o estilo dos departamentos dos Estados Unidos: primeiro e segundo ano com foco em teoria. Nos anos posteriores, nos dedicamos à pesquisa. Algo interessante também é que a instituição está localizada em um dos maiores centros financeiros do mundo e há uma série de oportunidades de assistência de pesquisa em vários centros dentro e fora da universidade.
5- Aproveitando para sair um pouco do mainstream rsrs, você poderia falar sobre programas mais heterodoxos que são tão bons ou até mesmo melhores que os mais ortodoxos?
Mateus Maciel: Fiz meu mestrado em um centro majoritariamente heterodoxo e tive muito contato com alunos que querem seguir uma agenda de pesquisa, com base nessa metodologia. O que eu observei é que muitos (por uma série de motivos), por mais que saibam da existência de centros heterodoxos, acabam optando por ficar no Brasil. De qualquer maneira, alguns poucos acabam se aventurando em uma empreitada no exterior.
Há um número razoável de programas heterodoxos fora do país e o aluno que tem alguma formação em centros dessa linha, como Unicamp e UFRJ, acabam sendo beneficiados na hora do application. Isso porque é bastante natural que os professores brasileiros tenham contato com seus pares no exterior, o que torna a carta de recomendação um diferencial substancial.
Para os que quiserem saber mais sobre programas heterodoxos no exterior, eu sempre indico o guia feito pelo pessoal do Heterodox Economics Directory. Acredito que seja o mais detalhado já feito, uma vez que leva em conta tanto cursos de mestrado, como de doutorado. Além disso, fala sobre professores heterodoxos em departamentos mainstream.
Por fim, um programa heterodoxo que é bastante conhecido, uma vez que economistas como Laura Carvalho e Nelson Barbosa fizeram doutorado lá, é o da New School. Sei que obter funding pode ser pouco trivial, mas acredito que seja bastante interessante fazer a pós com eles.
6- Já falamos bastante sobre as dificuldades de todo o processo, mas talvez tenhamos esquecido de uma coisa aparentemente sem importância. E o inglês? É possível estudar no exterior sem ter o domínio ou dá pra se “virar nos trinta” com o idioma?
Mateus Maciel: Eu acho muito difícil, uma vez que todo o candidato terá que fazer a prova do TOEFL. Na verdade, para entrar nos programas, você terá que atingir a nota mínima no exame exigida por eles e esse, como falamos no guia, é um dos filtros iniciais usados pelos comitês de seleção. Agora, pode acontecer de você obter a nota mínima e não se sentir confortável com a rotina do mestrado, ou do doutorado.
Como boa parte dos programas é em inglês, provas, aulas, livros e textos serão em inglês, assim como toda a conversa de corredor. Não saber se comunicar minimamente no idioma em questão pode reduzir o quanto você pode absorver do curso, inclusive (principalmente na hora de tirar dúvidas em sala de aula, ou com o monitor).
Note, contudo, que não estou dizendo que o nível de inglês necessário seja o de um nativo. Sotaque, gaguejar um pouco, ou até mesmo cometer alguns erros na escrita e na fala não vão te impedir de interagir com professores e colegas. Vale lembrar também que, como você estará imerso em um ambiente onde o inglês impera, é natural que você melhore sua proficiência ao longo do programa.
7- Mateus, as dificuldades de fato existem, porém os ganhos são indiscutíveis, como já falado nos textos anteriores dessa série. Então considerando esse mix, o custo benefício de estudar fora compensa?
Mateus Maciel: Olha, por enquanto, eu só vou falar sobre o que acredito e vejo por aí. Há ótimos programas de mestrado e doutorado aqui no Brasil e que vão atender a todos os gostos, bem como agendas de pesquisa diversas. Contudo, notei que profissionais que têm sua formação em centros brasileiros acabam ficando limitados ao Brasil. Tal fato, entretanto, não é uma regra, já que vejo alguns bons economistas formados aqui trabalhando em organizações multilaterais e, até mesmo, em posições em universidades no exterior (o que é bem mais raro).
Acredito que ter uma formação no exterior acaba expandindo a sua fronteira de possibilidades. No campo profissional, você consegue sinalizar melhor para mais empregadores as suas habilidades, assim como consegue ter mais chances de trabalhar em lugares onde dificilmente você teria acesso com apenas a formação no Brasil. No campo pessoal, a experiência pode ser muito diversa. Conversei com pessoas que, ao terminarem o doutorado, voltaram correndo para o Brasil, enquanto outras nunca mais voltaram. Sem contar aquelas que desistiram do programa.
A grande verdade é que os benefícios dessa empreitada devem ser calculados por cada um, já que o retorno esperado é bastante pessoal. Além disso, estar lá conta bastante para você dizer se vale a pena ou não (o que limita bastante a minha resposta aqui). De todo modo, dada toda informação disponível durante o application, acredito que o retorno esperado é positivo.
Para os que querem seguir na academia, creio que ter essa experiência fora pode ser muito relevante. Note que boa parte dos grandes economistas está lá fora e produzindo pesquisa na fronteira do conhecimento. A chance de ter contato com esses pesquisadores e, eventualmente, fazer parte da sua rede é algo cujo valor é imensurável, independente se você vai ficar por lá ou vai retornar ao Brasil.
8- Agora vamos para a “pergunta premium” dedicada especialmente aos pós-graduandos de início de jornada e também aos graduandos. Qual conselho você daria para as pessoas que estão vigorosamente empenhadas em estudar no exterior? Detalhe, um conselho que você gostaria de ter ouvido quando estava nessa mesma situação.
Mateus Maciel: “Tenha calma e confia no plano que você montou”. Sou um cara bastante imediatista e, por isso, gosto de ver os resultados dos projetos o quanto antes. Curiosamente, isso combina muito pouco com quem quer ser acadêmico e se aventurou em um processo de application. A jornada é longa, com várias etapas e possíveis desvios. É importante, com isso, manter a calma e se ater ao plano que você desenhou.
Veja que, nem sempre, é possível seguir estritamente o planejado. Portanto, vale a pena fazer algumas correções. O desespero não pode te dominar, mas note que é perfeitamente comum achar que não vai passar (especialmente quando receber uma chuva de rejects). O que não pode acontecer é se deixar levar inteiramente por esse sentimento.
No limite, há sempre a chance de aplicar novamente. Esta opção, inclusive, pode não ser muito bem vista para quem já fez todo um processo e não colheu os frutos que gostaria. Ainda assim, muitos bons economistas aplicaram uma, duas e até mesmo três vezes até passar para o centro que gostariam. Sempre cito o caso do grande Gil do Vigor. Com uma formação robusta no PIMES/UFPE, boas notas, ótimas cartas de recomendação e uma capacidade de comunicação impressionante, Gil só passou com bolsa para UC Davis na terceira tentativa.
O processo é extremamente competitivo e seus concorrentes não se limitam ao Brasil, ou América Latina. Ótimos alunos da Ásia, África, América do Norte etc. estarão correndo com você por uma vaga. Por favor, não use esse dado como algo para te desmotivar e sim como uma informação para te ajudar a manter os pés no chão. Controle as expectativas, mantenha a calma e dê o seu melhor, mesmo que tenha que tentar mais de uma vez.