Acordo de cavalheiros e oligopólios no Brasil

Você no Terraço | por Victo José

“Que situação paradoxal: os cartéis, esses inimigos fidagais da concorrência, são perseguidos por exercerem de modo muito brutal a livre competição”

– Richard Lewinsohn, Trustes e Cartéis.

OAS, Camargo Corrêa, Odebrecht. Acompanhamos nas notícias os desdobramentos de novas rodadas intermináveis de escândalos de corrupção que atingiram o centro do setor de construção civil nacional. A Petrobrás, monopolista do setor petroquímico, foco inicial das investigações, irradiou para suas co-irmãs do setor privado a enxurrada de denúncias e delações premiadas. Muita atenção foi dada (com razão) aos julgamentos individuais e o público ainda comemora a cada vez em que um presidente da empresa é encarcerado à espera de julgamento. Entretanto, pouca atenção tem sido dispensada, tanto pela mídia, quanto pela sociedade civil, ao fato de que a estrutura econômica que compõe estes setores – oligopólios chancelados pelo Estado – é um dos principais elementos que propiciaram o desvio de recursos, a cartelização das licitações, isso sem mencionar as práticas “dentro da lei” que afetam negativamente as contas públicas e o consumidor. De maneira introdutória, é para esta questão que nos voltaremos neste artigo.

A justificativa para os setores oligopolizados nacionais sempre passou pela ameaça da concorrência internacional. Tanto a construção civil quanto o setor petroquímico e o setor financeiro, constituiram-se em oligopólios ao longo do século XX. A grande entrada de multinacionais que se deu com maior volume a partir do governo Kubitschek (1956-1961), acendeu o sinal de alerta no governo: não convinha permitir a alguns setores estratégicos que seu controle fosse alienado ao estrangeiro.

O surgimento de grandes players nacionais que pudessem concorrer com as empreiteiras internacionais era necessário. O surto de obras do governo militar deu a direção do movimento que se seguiria ao longo do último quarto do século passado: contratos com a União e outros entes da federação seriam o principal negócio de um seleto grupo de empresas de construção civil pesada, que já vinham crescendo amparadas pelo intenso processo de urbanização. Aproveitando o fluxo de caixa garantido pelos contratos firmados, as empreiteiras cresceram tanto que logo foram além, passando a operar internacionalmente (a Odebrecht foi a primeira, já em 1979). A importância das obras só fez aumentar, constituindo grande peça de propaganda do regime militar: Itaipú, Transamazônica, etc.Daí a permissividade – ou em alguns momentos o incentivo – à oligopolização deste mercado.

O processo de “oligopolização” tráz consigo elementos distintos que suscitam um amplo debate. Sem questionar a fundamentação teórica dos oligopólios, queremos observar brevemente as consequências da existência desta estrutura de mercado, em especial no Brasil, onde há relação tão estreita entre o governo e a cúpula deste setor trustificado/cartelizado:

“Eu vou fazer-lhe uma oferta que você não pode recusar”.

Don Vito Corleone, em “O Poderoso Chefão”, simbolo da tráfico de influências e articulação.

Quando um pequeno grupo controla um setor tão estratégico quanto o da construção civil pesada, seu poder de barganha com as necessidades do setor público aumentam. E aí, surge o espaço para estratégias “infames” de negociação, para tomar novamente um termo emprestado de Hobson. A apreciação que este autor faz dos vícios associados à constituição de um truste é tão atual e contemporânea de nossa situação, que me concedo a reprodução de um longo trecho seu:

O único uso do poder, exercido por um truste ou monopólio, em suas transações com um capital concorrente que merece ser colocado numa categoria especial de infâmia, é o emprego do dinheiro para corromper o Poder Legislativo e, dessa forma, assegurar tarifas protecionistas, isenções ou concessões especiais, ou outros privilégios que permitam a uma companhia monopolista sobrepujar suas rivais, conseguir contratos, frear a concorrência exterior e gravar o público consumidor em benefício dos trustes. Nessa categoria podemos também incluir a intromissão na aplicação da Justiça […]: a utilização de dinheiro do truste para assegurar imunidade diante da ação da lei, ou, em último recurso, conseguir, mediante propina, sentenças favoráves nos tribunais.

Já não estamos mais ameaçados pela entrada de competidores internacionais neste setor. Se alguém necessita apoio e dinheiro público são as empreiteiras locais que deveriam, para receber fundos públicos, ter maior responsabilidade no seu processo de contratação de funcionários.

O reforço da ação do CADE pode ser benéfico para a reestruturação de nosso mercado de construção civil pesada em novas bases, mais justas para com a concorência, para com os trabalhadores deste setor e para com o contribuinte. Ou então, como Richard Lewinsohn coloca em sua obra sobre os trustes e cartéis, (após a formal dissolução da Standard Oil os diretores das empresas coligadas continuaram se reunindo informalmente, para verificar se a opinião deles – que era a opinião de Rockefeller – continuava a mesma) tudo continuará funcionando na base de um gentlemen’s agreement.

Victo José, é bacharelando em economia pela Unicamp e bacharel em RI / PUC-SP

[i] Fonte: O Globo – BNDES: divulgação de contratos mostra que Odebrecht ficou com 70% do crédito para obras no exterior. 03/06/2015. [ii] HOBSON, A Evolução do Capitalismo Moderno.  

Importante: As opiniões contidas neste texto são do autor e não necessariamente refletem a opinião do Terraço Econômico.