Os meses de maio no Brasil: não deu pra correr dessa vez, Bino (parte 3)

“Farinha pouca, meu pirão primeiro”

Pois é. A música cessou, a maré baixou, a fonte secou, o crédito barato passou e a farra acabou. Enfim, a conta – ao menos uma delas – chegou.

Quem encarou filas quilométricas em postos de gasolina e presenciou o preço do quilo de hortaliças flertando com o de ações “blue chips” viu bem que, quando a conta chega, chega com violência.

Cenário

É muito difícil entender o cenário olhando para um horizonte de três anos. Vamos iniciar citando três fatos importantíssimos para começarmos a compreender como que uma greve de caminhoneiros foi capaz de fazer tanto estrago em alguns dias.

  • Planejamento desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek que priorizou o modal rodoviário como meio logístico no país; mais barato de se implantar, mas com imensos custos de manutenção frente às suas alternativas (fluvial, ferroviário) ao longo do tempo.
  • Política de subsídios de crédito à compra de caminhões, muito acentuado no Governo Dilma: de repente ficou muito mais fácil comprar um caminhão e, não surpreendentemente, a oferta de fretes subiu consideravelmente.
  • Mudança na política de preços do diesel da Petrobrás como forma de pagar a dívida astronômica causada, em grande parte, pelo controle de preços praticado pelos governos petistas (além das perdas com a corrupção, também imensa).

Iremos repetir: a conta – uma delas – chegou.

O que aconteceu?

Acompanhe conosco a sequência cronológica:

18 de maio: os caminhoneiros, no final do dia, anunciaram greve por tempo indeterminado, tendo o elevado preço do diesel como causa principal. A greve começaria no dia 21, segunda-feira.

19 de maio: a Petrobrás elevou o preço do diesel e da gasolina na refinaria, sendo este ajuste o quinto consecutivo.

20 de maio: a Justiça Federal decidiu proibir o bloqueio de rodovias federais. A multa a ser aplicada foi prevista em R$ 100 mil para cada hora de bloqueio da via.

21 de maio: ocorreram os primeiros bloqueios totais ou parciais das vias por todo o país.


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A partir daí, a situação evoluiu com uma velocidade impressionante e de forma dramática. A crise que, inicialmente, era a “dos caminhoneiros” passou a ser chamada de “dos combustíveis” e, já em um outro estágio, de “do desabastecimento”. Foram registrados aeroportos com ameaça de ficarem sem combustível para decolagem de aeronaves, escolas e universidades com aulas suspensas, hortaliças com preços de artigos de luxo (quando eram encontradas), postos sem combustíveis, fábricas paralisadas e várias outras desventuras.

Por que aconteceu?

Talvez seja o tópico mais extenso de toda a sequência.

Pontos a serem abordados:

  • Nova política de preços da Petrobras: como toda empresa de petróleo, o olhar se dá não apenas sobre a demanda como também em relação aos custos. Esses custos tiveram dois choques: a elevação do preço internacional do petróleo (dentre outros motivos, pela crise venezuelana e por sanções dos EUA ao Irã, dois fatores que reduzem a oferta do produto mundo afora) e a alta do dólar (com a recuperação da economia norte-americana, mais capital se direciona para lá, saindo de países mais vulneráveis como os emergentes, que é o caso do Brasil). Adotada primeiramente com janelas maiores de reajustes em 2016 e de modo praticamente diário a partir do segundo semestre de 2017, a nova política de preços da Petrobras por um lado trouxe realismo aos preços (e o fim da necessidade dos pesados subsídios), mas por outro complicou a previsibilidade de quem tem em seus custos forte presença do preço dos combustíveis (os caminhoneiros são um exemplo notável disso). Independente de tal política ser ou não sadia para a empresa (e foi, dado que fez a empresa multiplicar em cinco seu valor de mercado e reduziu sua dívida em 30% desde a entrada de Parente com tal política), ela se sentia no bolso de todo brasileiro.
  • Bolha de caminhões financiada pelo BNDES: no mundo de experimentalismos econômicos que foi o primeiro governo de Dilma Rousseff, tivemos uma particular “inovação” típica das “grandes ideias brasileiras”, que foi a ampliação do crédito barato para a compra de caminhões. Pelo bem de um suposto aumento de produtividade, ficou mais fácil ter caminhão no Brasil. E, adivinha só? Muita gente comprou. Excelente notícia: agora as indústrias de caminhões cresciam mais, contratavam mais, as revendedoras vendiam mais. O problema é que não só de oferta se faz a economia e, no fim das contas, oferta demais para uma mesma demanda resulta em nada mais nada menos que redução de preços. Ou, trazendo pro caso dos caminhoneiros: existindo uma mesma quantidade de fretes a fazer e uma quantidade cada vez maior de caminhoneiros disponíveis para isso, vencerá o que fizer mais barato (porque o que decidir que fará por um preço mais alto perderá a vez para outro que aparecer e topar um preço menor).
  • Prejuízo causado por medidas populistas de controle de preço nos governos Lula e Dilma: outra prova de que os anos 1980 estavam longe o suficiente para termos esquecido de suas mazelas foi a volta do controle de preços. No caso, dessa vez não foram todos, como costumava ser antigamente, mas os controlados: energia e combustíveis sofreram um virtual congelamento que, a despeito de aumentos reais de custos setoriais, deram a impressão de que tudo estava indo bem. O problema é que todo congelamento de custos altera a estrutura de diversos setores demandando que, certa hora, ou os custos sejam liberados ou a oferta simplesmente começará a inexistir por não haver incentivo. No caso da energia, a queda de investimentos pela quebra de contratos de longo prazo (na sanha populista de reduzir o preço na canetada) fez o preço explodir; no caso dos combustíveis, o subsídio que se pagava por ter de comprar combustível mais caro e vender mais barato “pelo bem do povo” virou, justamente, um aumento a este mesmo público cativo.
  • Alta dependência da logística brasileira na malha rodoviária: segundo a Confederação Nacional do Transporte, 60% do transporte de cargas no país se dá pelo meio rodoviário. Algumas estatísticas apontam que seria mais, outras que seria menos que isso. Mas, qualquer que seja o número que você apoie ou concorde, é inegável que uma imensa parte do nosso modal logístico é rodoviário. Inicialmente, os custos baixos de implantação (abrir estradas e vender caminhões) atraem mais do que os altos custos de implantação de meios alternativos; porém, ao longo do tempo o problema na diluição de custos (imagine quão diluídos podem ser os custos no transporte ferroviário em que pode-se levar com uma composição de trem o mesmo que cem carretas), dentre outras dificuldades, faz cobrar a conta de quem se utiliza do transporte. Qualquer decisão de mudança nesse aspecto deve necessariamente levar em conta que mudar isso leva muito tempo. E que, é claro, foi de decisão de curto prazo em decisão de curto prazo que chegamos até aqui.

E agora?

Um dos autores deste artigo, em um outro texto, refletiu bem sobre a dificuldade desse tópico. O brasileiro, historicamente, insiste em acreditar – com relação às políticas públicas – em soluções rápidas e fáceis. Pena que, quase sempre, elas são ineficientes. Não surpreendentemente, uma das soluções sugeridas para “resolver a questão dos nobres caminhoneiros” é, vejam só, tabelar o frete. Novamente a fixação de preços mínimos rondando o hall de ideias. E tem gente que jura de pé junto que dessa vez vai dar certo…


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Nossa esperança era que o brasileiro percebesse o quão danosa pode ser a intervenção estatal em demandas (crédito barato para compra de caminhões) e em controle de preços (no caso, dos combustíveis). O que nos entristeceu foi ver que, por outro lado, se sucederam reações como o desejo de uma intervenção militar e de, justamente, controle de preços, saindo como vilã da história a política de preços que ajudou a Petrobras a sair de uma situação bastante complicada (e que, caso virasse falência, estatal que é cobraria a conta de todos nós brasileiros) e passando despercebida a sorrateira ação dos estados e da União de aumentar sensivelmente os impostos que incidem sobre os combustíveis. Em realidade, acreditamos que isso abre um caminho muito perigoso. Ao ceder a todas as pautas dos caminhoneiros, o governo se expõe a futuras cobranças por benesses e afrouxamentos fiscais por outros grupos da iniciativa privada do Brasil.

Fica no ar o questionamento: o que é que o(a) próximo(a) presidente do Brasil fará se ocorrer um novo maio de 2018 nos próximos anos?

Conclusão

O objetivo dessa série de três artigos foi de encontrar a insana relação entre turbulências severas no cenário político-econômico brasileiro nos últimos três anos e um mês específico do ano. Parece aberração. Porém, sabiamente já dizia o saudoso Tom Jobim: este país não é para amadores.

Focamos nesta trilogia nos anos de 2016, 2017 e 2018. Porém, se você quer saber, em alguns aspectos é nessa década inteira que temos tenebrosos resultados justamente no mês de maio. Abaixo deixamos um quadro com as variações mensais do Ibovespa cedido pelo amigo Luis Gustavo Medina. Preste muita atenção nos resultados dos meses de maio.

E então, leitor? Ainda considera loucura? Deixaremos essa pergunta para a imaginação dos senhores.

Na dúvida, fique com a seguinte dica: cuidado com os maios brasileiros…

Caio Augusto Editor do Terraço Econômico Eduardo Scovino Editor do Terraço Econômico

Eduardo Scovino

Estuda Engenharia Química na UERJ e é outro economista de coração. Já trabalhou em Operação no meio fabril, mas acabou se rendendo ao jargão “It’s the Economy, stupid!”. Dentre as principais causas que defende, estão a Economia de Mercado, a Destruição Criativa, Finanças Pessoais e Reciclagem. Acredita ainda que é possível uma solução que englobe essas duas últimas. Nas horas vagas, também é remador, frequentador de shows de metal e está sempre pronto para uma roadtrip.
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