Sidiney Ferreira Moraes, ex-bancário aposentado de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, só precisava responder mais uma pergunta para ganhar o tão sonhado prêmio: R$ 1 milhão. O famoso jogo televisivo de perguntas e respostas, Show do Milhão, apresentado por Silvio Santos, finalmente chegava ao ápice em 2009: Sidiney acertava a última pergunta, e com muita comemoração, faturava o prêmio das mãos do dono da emissora.
Mas assim como em outros programas apresentados por ele, um detalhe chamava bastante a atenção: ao entregar o prêmio merecido ao ganhador, Silvio Santos entregava uma maleta cheia da barras de ouro, que, segundo ele, “valiam mais do que dinheiro”. Mas afinal, o que isso significava? Como assim um ativo (ouro) valia mais do que dinheiro?
Mesmo sem saber, havia uma aula de economia por trás dessa frase do maior apresentador da história da TV brasileira.
OURO: reserva de valor
A ideia do ouro como reserva de valor não é recente. Durante muito tempo esse metal serviu como lastro para moedas mundo afora. Na prática, isso significava que a quantidade de moeda em circulação deveria estar intimamente ligada ao montante de ouro que um país possuía, dado que as moedas eram, em alguns casos literalmente, conversíveis em ouro. Vejamos por exemplo o caso desta nota de Um Conto de Reis brasileira:
Reserva de valor, na economia, significa que há manutenção ao longo do tempo do valor daquele item e que, no fim das contas, ele pode ser utilizado como meio de contagem de riqueza. Em termos diretos, a ideia de colocar o ouro como limitador da emissão de moeda demonstra como ele acabou sendo utilizado como reserva de valor.
Apesar de, como no caso brasileiro, já termos tido moedas conversíveis em ouro, a instituição do ouro como reserva de valor de maneira mais ampla globalmente se deu no ano de 1944, nos chamados Acordos de Bretton Woods, ocorridos na cidade homônima nos Estados Unidos e que tinham como objetivo deixar mais alinhado o sistema financeiro internacional, este que estava bastante prejudicado em função da Primeira Guerra Mundial, da Crise de 1929 e da Segunda Guerra Mundial (que ainda estava em curso).
Já o desmantelar dessa característica – do ouro como reserva de valor e lastro para emissão monetária – aconteceu em 1971, quando durante a presidência de Richard Nixon a demanda por ouro subiu consideravelmente e, na prática, já tínhamos os EUA na hegemonia econômica mundial.
Neste momento o que passou a ser a “moeda forte” foi o Dólar, não mais o ouro. No final, as moedas fiduciárias tomaram o lugar do metal dourado.
Mas quanto temos de OURO hoje no mundo? Quem o detém?
Já tivemos muito mais metal dourado disponível no mundo, mas boa parte dele foi transformado em joias, foi utilizado em construção de igrejas ao redor do mundo (inclusive no Brasil), entre outros fins.
Mas ainda temos uma reserva bastante grande de ouro em poder dos governos, conforme mostra a tabela abaixo:
País | Último | Anterior | Referência | Unidade |
Estados Unidos | 8.134 | 8.133 | 2020-03 | Toneladas |
Alemanha | 3.364 | 3.367 | 2020-03 | Toneladas |
Itália | 2.452 | 2.452 | 2020-03 | Toneladas |
França | 2.436 | 2.436 | 2020-03 | Toneladas |
Rússia | 2.299 | 2.242 | 2020-03 | Toneladas |
China | 1.948 | 1.948 | 2020-03 | Toneladas |
Suíça | 1.040 | 1.040 | 2020-03 | Toneladas |
Japão | 765 | 765 | 2020-03 | Toneladas |
Índia | 642 | 618 | 2020-03 | Toneladas |
Holanda | 612 | 612 | 2020-03 | Toneladas |
Fonte: Trading Economics.
Não é um grande choque descobrir que os EUA são o país com a maior reserva de ouro no mundo, liderando com folga.. Vale destacar ainda, para os mais curiosos, que boa parte das toneladas de ouro da tabela acima está sob a tutela dos americanos, mas os locais exatos não são de conhecimento público (por motivos óbvios), embora parte esteja nos cofres do FED.
Assim, juntando toda essa reserva de ouro de governos e indivíduos, o valor de mercado de todo o ouro do mundo fica próximo de US$ 9 trilhões. É o equivalente ao PIB do Japão e Alemanha juntos em 2019. E esse valor bem alto tem muito a ver com a valorização do metal nos últimos anos, com ênfase na subida frenética no início de 2020.
Perceba que os momentos de subida do ouro coincidem com o ápice das crises financeiras/econômicas, como foi o caso em 2008, na crise do subprime, e agora a mais recente provocada a partir das medidas adotadas para a contenção do novo coronavírus.
Como é um ativo seguro, os investidores correm para comprar um pouco em caso de aprofundamento da crise; como resultado, o preço do ouro sobe, ainda mais tendo em vista que o estoque do metal é limitado (escassez).
Ouro é um ativo real, mas é classificado como alternativo?
O ativo mais seguro do mundo, pelo menos na visão de muitos investidores, é visto no mainstream dos investimentos. Isso quer dizer que grandes investidores já o possuem em suas carteiras e consideram comprar mais (ou se desfazer de posições compradas) conforme as oscilações de mercado. Há bastante liquidez nesse mercado.
Inclusive, há papéis lastreados no ouro, mas que não obrigam o investidor a receber o metal fisicamente, transformando o papel em financeiro. Na realidade, há poucos investidores que têm barras de ouro em casa, debaixo do colchão. A grande maioria, portanto, transaciona ativos financeiros lastreados em ouro.
Isso, por si só, afasta esse mercado dos ativos alternativos clássicos, que possuem baixa liquidez e baixa correlação com os mercados financeiros.
Contudo, uma coisa é fato: Silvio Santos não escondia nada quando entregava a maleta para os sortudos em seus programas televisivos. Afinal, para momentos de incerteza e indefinições econômicas, o ouro “valia mais do que dinheiro” – e, como podemos observar nos dias atuais, essa “fuga para a segurança” ainda envolve muito a aquisição de ativos lastreados deste metal nobre.