O desempenho de um Banco Central requer seu posicionamento acima da batalha competitiva entre as demais instituições financeiras. Seu objetivo não é a maximização dos lucros, mas entregar valor para a sociedade – seja em forma de estabilidade do sistema financeiro, controle da inflação ou da construção de um sistema financeiro hígido e eficiente. Nesse sentido, a missão do Banco Central do Brasil (BCB), que nesta data completa 57 anos do início de suas operações, é lúcida e consistente: “garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade.”.
A pergunta de relevo é: o BCB tem conseguido entregar o que se propõe? Acreditamos que sim! Nos últimos anos, o BCB lançou diversas frentes de trabalho que procuravam modernizar o sistema de financeiro nacional: Open Banking, Real Digital, melhorias dos processos de supervisão, atualizações regulatórias, controle das reservas cambiais e, ainda, promoção de ações de educação financeira. Com efeito, a mais emblemática das entregas feitas nos últimos anos, o Pix – um sistema de pagamento instantâneo implementado de forma primorosa por servidores públicos dedicados – mostra qual é o valor percebido pela sociedade das soluções implementadas pela Instituição.
Poderíamos escrever diversos parágrafos enumerando as entregas do Banco Central, sem deixar de citar seu papel no controle da inflação (vital para sustentar o poder aquisitivo dos mais humildes). É importante, contudo, enfatizar que esses resultados não seriam possíveis sem o comprometimento dos diversos servidores que trabalham nessa missão. Nossa força de trabalho é constituída por aproximadamente 3460 funcionários, dos quais 2149 tem pós-graduação. São mais de 750 (21,7%) mestres e 250 (7,2%) doutores nas mais diversas áreas e universidades do Brasil e do exterior. Ex-presidentes e diretores da Instituição já ressaltaram a qualidade técnica do seu corpo funcional.
Armínio Fraga, por exemplo, em seu discurso na transmissão do cargo de presidente em 2003, afirmou: “nada teria sido possível sem a contribuição dos servidores do BC, a quem agradeço pelo sacrifício e por quem registro mais uma vez minha admiração. Agradeço também àqueles com quem convivi diariamente, por terem ido sempre muito além de suas obrigações, com carinho.”
Seu sucessor, Henrique Meirelles, ao ser questionando sobre a organização da instituição, respondeu: “o Banco Central é uma instituição extremamente bem-organizada e consolidada faz bastante tempo.” Reconhecido por defender a instituição, Meirelles comentou certa vez: “… na medida em que a instituição começa, de fato, a desempenhar um papel importante e bem-sucedido, os efeitos são irradiados para todas as áreas, e isso é fundamental para que o servidor público se sinta motivado. Quem trabalha no setor privado tem mais oportunidades de promoções, de receber bônus, de aumentar o salário; mas a grande motivação do servidor público é a importância e a influência que ele pode ter sobre o destino do país, é ter a percepção de que o papel que está desempenhando por meio da instituição da qual faz parte é relevante.”
A gestão atual, em que pese ter alcançado a tão sonhada autonomia, infelizmente não tem realizado a mesma defesa de seu corpo funcional como os exemplos citados acima. A autonomia do Banco Central é uma peça central para o funcionamento da democracia; ela limita a influência da agenda político-partidária sobre decisões que devem ser primariamente de natureza técnica, em especial a definição da política monetária. Porém, a operação dos processos para obtenção dos propósitos de uma instituição é feita por pessoas e essas devem receber os devidos incentivos para permanecerem motivadas.
O Banco Central foi criado pela Lei nº 4.595/1964 e começou suas operações em 31 de março do ano seguinte. Hoje, comemoramos mais um ano de uma instituição que é referência, nacional e internacional, na entrega que serviços relevantes para a sociedade. Essas entregas estão sendo ameaçadas pela falta de reconhecimento da categoria por parte do governo que, durante anos, não criou nenhum canal de comunicação para que os servidores pudessem apresentar suas demandas. Em paralelo, o corpo funcional vê crescerem e se aprofundarem diversas assimetrias internas e externas à instituição.
No cenário atual, o salário dos servidores do BCB já está degradado pela inflação em cerca de 30%. A situação se agrava ao notarmos que existe um fosso salarial dentro do próprio Banco Central: a carreira de Procurador de BCB recebe, em média, 44% a mais do que a principal carreira da casa – a de Especialista do BCB. E não é só isso: se observarmos outras carreiras do serviço público, diversas assimetrias remuneratórias foram construídas ao longo do tempo, nos trazendo para uma situação em que observamos uma crescente fuga de capital humano do BCB.
Isso nos leva a um problema de quantitativo de pessoal, e portanto, à necessidade de reestruturação da carreira. Há quase uma década sem concurso, o Banco Central observa seus quadros minguarem em áreas chaves, colocando em risco a operação de sistemas importantes (como, por exemplo: Pix, STR, Câmbio), a regulação, o monitoramento de riscos e a supervisão do Sistema Financeiro Nacional (SFN), ao mesmo tempo em que sobrecarrega os atuais servidores no exercício das suas atribuições. Por essas razões, urge que o governo abra um canal de comunicação para que o sucateamento do BCB seja revertido, para que seus quadros sejam valorizados e para que o Banco continue entregando valor à sociedade como tem feito nas últimas décadas.
Parabéns ao Banco Central! Hoje é dia de comemorar! Entretanto, vale lembrar que a sexta, dia 01/04 estaremos em greve por tempo indeterminado para que os servidores deste Banco possam ser efetivamente reconhecidos pelas suas ações.
Henrique Seganfredo
Associação Nacional dos Analistas do Banco Central do Brasil (ANBCB)