Fernando Nogueira da Costa
Prosseguindo na busca de respostas a duas perguntas aparentemente simples – Por que a taxa real básica de juros no Brasil é tão elevada? Por que, apesar da taxa nominal básica de juros ser tão elevada, a taxa da inflação permanece muito elevada? – vamos, neste artigo final da série, concluir o exame desta última questão.
A experiência de combate ao regime de alta inflação colocou menos ênfase nas causas primárias e mais na inércia inflacionária, provocada por comportamento racional defensivo, pelas demandas salariais se transformarem de questões econômicas em questões políticas e sociais e pelo poder de fixação de preços.
Desde então, a terapêutica antiinflacionária, qualquer que seja a causa primária, tem consistido então em tentar neutralizar, via controle da demanda agregada, a ação dos mecanismos de reajustes, espontâneos ou não, de preços, salários, câmbio, taxas de empréstimos, etc. Porém, nesse ajuste recessivo, tipo stop-and-go, ocorrendo quedas das margens de lucro, também cai a taxa de investimento e aumenta o desemprego.
Sob o ponto-de-vista da análise da inflação, interessa o comportamento em curto prazo dos distintos markups. A hipótese de constância dos markups reduz o mercado de preços administrados ao papel de transmissor passivo de impulsos inflacionários gerados em outras partes do sistema econômico. Nesse caso, a discussão volta a se concentrar sobre os fatores determinantes desses impulsos primários.
Em oposição a esta visão do fenômeno inflacionário com base em repasses de custos, via mark-up fixo, pode se supor um papel ativo dos oligopólios: as decisões de preços das empresas jogam um papel autônomo no processo inflacionário através de variações em curto prazo dos markups. Estes se tornam flexíveis.
Sendo assim, haveria independência dos markups das empresas oligopolistas em relação às variações da demanda. Em contrapartida, as decisões de preços não seriam uma função exclusiva de custos, mas sim levariam em conta:
- a informação disponível sobre decisões dos fornecedores e concorrentes;
- o nível de incerteza sobre a taxa de inflação futura;
- as considerações de risco de renda (perda de clientes) e de risco de capital (custo de oportunidade na formação de estoques e do preço – a vista e a prazo).
A taxa de juros básica acaba atuando como custo de oportunidade para a formação do juro mercantil na venda a prazo.
Se essas variáveis experimentam mudanças significativas, as decisões de preço se dão através da variação em curtos prazos dos markups, incluindo, além da margem de lucro, uma margem de segurança que busca antecipar a inflação futura para a reposição de estoques de insumos. Entretanto, o poder de decisão não é distribuído de forma igualitária. Como os poderes de mercado, os comportamentos e as expectativas são heterogêneos e divergentes, a resultante é a incerteza derivada da complexidade econômica.
Recentemente, tem sido realizado um esforço de teorizar a Economia Complexa, abandonando-se o modelo mental de equilíbrio estável de preços relativos. Na verdade, não se encontra nenhum “centro de gravidade”, devido ao desbalanceamento de forças e à incompatibilidade de planos dos múltiplos agentes ao longo do tempo.
Nas diversas etapas do mecanismo de transmissão, cada agente escolhe um mecanismo de reação, que lhe diz o que fazer nessa nova interação, em função do que ele e outros agentes econômicos fizeram em interações prévias. Ele podeiterar ou repetir uma sequência de operações, mas cada qual se dará em novo contexto resultante das interações precedentes. As condições iniciais não se repetem e as dependências de trajetórias caóticas não podem ser predeterminadas.
Nesta análise dacomplexidade do mecanismo de transmissão monetário, com base em decisões descentralizadas, descoordenadas, desinformadas uma das outras, porém interdependentes, a aspiração do analista é descrever trajetórias dinâmicas – e não buscar determinar níveis em torno de um centro de gravitação – das variáveis econômicas. Repudia a noção de convergência para um equilíbrio nesse jogo competitivo, não cooperativo ou antagônico.
Observa a interação entre os agentes. Sem a análise das conexões em níveis diferenciados de escala, não se pode compreender o fenômeno macrossocial. A despeito da complexidade dos fenômenos observados, é possível distinguir padrões ou classes de comportamento em casos reais, seja na natureza, seja na sociedade.
A Economia Complexa não condena o analista ao niilismo teórico. Por exemplo, o desemprego em longo prazo e mesmo o persistente desalinhamento inflacionário de preços relativos seriam resultantes dos comportamentos incongruentes motivados pelas expectativas divergentes dos agentes econômicos que tomam decisões.
Equilíbrio, segundo a sabedoria convencional, é o estado no qual os planos dos agentes estão consistentes entre si e com a disponibilidade de recursos produtivos. Nessa “visão equilibrista”, nenhuma sociedade poderia funcionar se os planos de todos os agentes fossem sempre frustrados, pois a frustração universal dos planos provocaria o caos econômico. Mas não há Teoria do Caos na Física? Por que não adequar sua metodologia à Economia da Complexidade?
Alguns economistas ortodoxos acham que, para evitar o estado de caos, a cooperação e a coordenação só podem ser centralmente impostas por instituições sociais respaldadas pela força governamental. No caso brasileiro, imagina-se que o anúncio de uma meta de crescimento da taxa de inflação, conjuntamente com a flexibilidade cambial e o ajuste fiscal, constituiriam a melhor condução para se atingir o Equilíbrio Monetário. Supostamente, neste “tateio para realinhamento do tripé”, investimento e poupança se equilibrariam, dispensando qualquer crédito excessivo dos bancos públicos…
No entanto, o modelo de interação e iteração indica a ineficácia desse método de pensamento equilibrista para se atingir a coordenação de uma economia cujos agentes interagem de maneira descentralizada e resistem às regras compulsórias via inovações. O ato de jogar o jogo capitalista modifica suas regras!
Pequenas diferenças que se afastam das condições iniciais resultam, através do efeito borboleta, representados por cálculos cumulativos em série (“em cascata ou em cadeia”) de sistemas abertos não lineares, em estados posterioresextremamente diferentes dos previstos nos modelos de equilíbrio. A meta do analista da complexidade é descrever o mínimo necessário, mensurando a essência do fenômeno observado em cada escala de análise. A recusa do capitalismo em se repetir, permanecendo inerte em certo estado estacionário, resulta na incapacidade dos economistas de apreendê-lo e prevê-lo com certeza.
É verdade que a redução da demanda agregada provocará só liquidação de estoques e queda dos preços? Esse nivelamento por baixo, com objetivo de alcançar “a paz dos cemitérios” – não se restringe a essa meta. Uma recessão provoca também a desqualificação da mão de obra que fica desempregada e a deterioração dos equipamentos das empresas de tal forma que a economia estará mais frágil do que antes para conseguir uma retomada de maneira autônoma…
Ninguém sabe como zerar a taxa de inflação sem prejudicar as demais prioridades sociais: crescimento da renda e emprego. Sendo assim, busca-se controlar a taxa da inflação com alta taxa de juros em eterno tateio para realinhamento com taxa de câmbio, tarifas e impostos, taxa de crescimento do emprego e taxa de salário.
A verdade é que não há verdade! O importante é percorrer o eterno caminho em busca da verdade inalcançável. O caminho se faz ao caminhar. Temporariamente, passo a passo, atingiremos verdades parciais e transitórias. Até falseá-las e prosseguirmos na busca.
Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular da UNICAMP, com especialidade em Teoria Monetária e Financeira.
As opiniões aqui expressas são as do autor e não refletem necessariamente as do Terraço Econômico.
Fernando realmente é um pensador da economia.
Parabéns ao Terraço, espero novas contribuições.
“Not even wrong”
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