A corrupção na política é um mal que, como estamos vendo nas atuais investigações, além de ser amplo e antigo, acarreta em muitos danos de longo prazo. Boa parte do que se planeja não ocorre, enquanto uma quantidade exorbitante de dinheiro deixa de ir para o fim que deveria. A maior intenção deste escoamento de dinheiro quando a origem é ilícita ou não declarada por parte das empresas (ou seja, a propina em si) é o direcionamento político ou mais diretamente: o objetivo é o de comprar as decisões dos políticos, no mínimo influencia-las fortemente. Sendo assim, passam a surgir ideias de mudança deste panorama, compondo a famigerada reforma política – esta que aparece de tempos em tempos. Dois pontos que aumentam sensivelmente o interesse pela profissão política e estão nesta reforma serão aqui ressaltados: i) a mudança no financiamento de campanha e ii) a imunidade neste período a quem estiver concorrendo ao pleito.
Estamos no ano véspera de eleições gerais. Financiamento privado de campanha, feito por empresas é algo que está proibido. Só se permite dinheiro de pessoas físicas. E qual a solução apontada por esta reforma política? Criar um fundo público de campanhas de, no mínimo, três bilhões de reais [1]. Atualmente existe uma fonte de financiamento dos partidos políticos, que é o chamado fundo partidário [2], mas este funciona para os partidos em operação e que obedecem a regras estabelecidas pelo TSE, não puramente para a execução de campanhas eleitorais como agora se pretende com esta nova ideia.
Um parênteses: imagine que você tem em sua empresa uma parte importante das receitas advinda de uma atividade que, de repente, torna-se ilegal. Se esse é o seu meio de vida, de onde você tira o sustento da sua família, o que você faz a seguir? Das duas, uma: troca de atividade ou busca provar que essa ilegalidade é uma falácia. A não ser que você seja um político, porque aí surge a terceira opção: dizer que o processo do qual você participa não existe sem recursos públicos, e portanto estes devem ser majorados.
A problemática não se dá com a existência de um fundo de campanhas público em si, mas com a figura deste como sendo a única maneira de financiar o processo eleitoral – principalmente considerando que este já costuma ser fonte da criação de partidos que nem expressão social apresentam [2]. Já parou para pensar que prático se, apenas para concorrer a um cargo eletivo, você já receba recursos? Possivelmente existirão contrapartidas e prestações de conta sobre estes repasses do fundo público – e é no mínimo necessário que existam –, mas é ou não é o melhor negócio do mundo poder prometer o que você pode e o que você não pode cumprir, sendo que se ganhar terá todo um conjunto de benefícios e, caso contrário, sairá com custo zero? O incentivo para ser político, caso esta medida passe, distancia-se ainda mais do que se tem para empreender neste país.
“Mas é uma atividade pública, precisa de recursos para que ocorra; se eles não podem mais vir de via privada, de onde virão?”. Trata-se de uma questão polêmica e que foge ao senso comum: embora os recursos presentes em campanhas políticas que sejam advindos de empresas possam representar um viés nas decisões dos que os recebem, é obrigação dos próprios políticos conseguir recursos para suas campanhas, não deve ser do Estado – uma vez que ninguém é obrigado a ser político, mas sim o faz por interesse privado, coletivo ou ambos.
Colocar este encargo como obrigação do Estado é algo que significa impetrar que a máquina pública tem a obrigação inclusive de manter a renovação de seus representantes eleitos – e, do que se conhece deste tipo de parceria (entre políticos), uma vez possível, são baixíssimas as possibilidades de que deixe de existir.
Em um momento de racionalidade, em que observamos por exemplo a apresentação de um teto para os gastos públicos, faz algum sentido que sejam alocados recursos que poderiam ser investidos em áreas como educação, saúde e segurança estarem destinados como benefícios a uma classe que já se beneficia e escolhe suas benesses praticamente o tempo todo?
Outro ponto polêmico desta reforma política é a curiosa possibilidade de que o indivíduo que esteja concorrendo a um cargo político, meses antes do pleito – oito, para ser mais exato – fique ausente de responsabilidades criminais e longe de qualquer possibilidade de prisão. Atualmente, este período existe e é de quinze dias antes da eleição [4]. Imagine a situação em que o candidato não precise se preocupar com como arrumar recursos para realizar sua campanha e nem se será punido por algum crime que venha a cometer em um longo período antes dela. Pois é, o combo de ideias mirabolantes para políticos cuja iniciativa parte dos próprios políticos parece uma piada – de muito mal gosto.
No curto prazo, nas proximidades de um próximo período eleitoral, o que deveria ocorrer em relação ao financiamento de campanhas é uma efetividade maior da fiscalização sobre a origem dos recursos, e não o cerceamento destes baseado em sua origem pura e simplesmente. Aumentar o rigor e as justificativas sobre as doações, independente de sua origem, é consideravelmente mais justificável do que separar uma parte do orçamento público – já apertado – para que se realizem as campanhas. Sobre a esdrúxula ideia da “imunidade para indivíduos em campanha oito meses antes do pleito”, esta deveria ser simplesmente vetada.
A verdade é que a questão é muito mais ampla do que proibir o recebimento de recursos dependendo de sua fonte – até porque, em 2016, o impedimento existia e não vimos o problema deste encaminhamento financeiro deixar de ocorrer [5]. Por mais difícil que pareça, o importante é, ao longo do tempo, aumentar o poder das decisões sobre as pessoas e reduzir este poder por parte do Estado. Já reparou que em praticamente tudo que você precisa realizar em sua vida há a necessidade de uma homologação, carimbo, autorização ou direcionamento por parte do governo em alguma de suas instâncias? Pois bem, fique certo que é justamente sobre essas dificuldades que a “facilidade da propina” surge; é para reduzir a morosidade em um processo ou mesmo fechar um mercado que os “cafezinhos” aos políticos e demais entes públicos passam a existir. Se eles tivessem menos controle sobre o que se compra e o que se vende, certamente teriam menos motivos para serem comprados e vendidos.
Para os que gostam de uma boa teoria da conspiração: já pararam para pensar que em algum momento das investigações da Lava Jato alguns políticos não iniciaram um movimento de “bom-mocismo em prol do fim de doações privadas” justamente para ter uma fonte inesgotável de recursos para si sem dificuldades extras? Em um país como o nosso, de surpresas diárias – tais quais a propina sendo, pasmem, algo inventado para prejudicar os pobres políticos [6] –, não é impossível imaginar que isso tenha algum fundamento.
Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico Notas [1] http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/537979-RELATOR-APRESENTA-NOVO-TEXTO-DA-REFORMA-POLITICA-QUE-PREVE-R$-3,5-BI-PARA-FINANCIAR-ELEICOES-DE-2018.html [2] http://www.politize.com.br/fundo-partidario-como-funciona/ [3] http://bibliotecadigital.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/2571 [4] http://exame.abril.com.br/brasil/deputado-quer-barrar-prisao-de-candidato-8-meses-antes-da-eleicao/ [5] https://terracoeconomico.com.br/eleicoes-tirar-o-financiamento-empresarial-nao-mudou-o-problema [6] https://oglobo.globo.com/brasil/lula-diz-que-empresarios-inventaram-propina-para-prejudicar-politicos-21624283?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo