Convidados Especiais | Fernando Nogueira da Costa
Um colega de profissão dirigiu-me duas perguntas aparentemente simples: Por que a taxa real básica de juros no Brasil é tão elevada? Por que, apesar da taxa nominal básica de juros ser tão elevada, a taxa da inflação permanece muito elevada? De imediato, em vez de dizer clichês a respeito, respondi-lhe que não se pode tratar com simples palavras questões complexas.
Fui buscar evidências empíricas para tentar dar uma resposta mais consistente. De fato, o Brasil aparece nos primeiros lugares dos rankings internacionais, seja em taxa de juros nominal, seja em taxa de juros real, há pelo menos vinte anos, desde o fim do regime de alta inflação. Quanto à taxa de juros nominal, a média da Selic do período 1995-2002 (26,6%) é bem superior às dos períodos 2003-2010 (14,8%) e 2011-2013 (9,4%).
Recentemente, entre meados de 2011 e 2013, houve um “laboratório” para os economistas brasileiros experimentarem um período de menor “banda de juros”. Entre 2000 e 2002, a taxa de juros real tinha estado entre 12% e 24% aa; entre 2003 e 2006, ficou entre 8% e 14% aa; em 2007 e 2008, oscilou entre 6% e 10% aa; entre 2009 e 2011, flutuou entre 4% a 8%. Finalmente, com a “Cruzada da Dilma”, a taxa de juro real anual esperada para os próximos 12 meses (swap pré-DI versus expectativa da inflação) foi de 2% a 6% aa. Mesmo com essa tendência gradual de queda dos limites de flutuação, o País não saiu dos primeiros lugares dos rankings internacionais!
No debate entre os doutores brasileiros da Ciência Econômica surgiram as seguintes hipóteses explicativas.
Hipótese 1: a taxa real básica de juros no Brasil é tão elevada por causa da dívida pública. Durante a “Cruzada da Dilma” contra os altos juros, embora os gastos com os encargos financeiros do endividamento público tenham caído de 2011 para 2012, em valores correntes, de R$ 236,7 bilhões para R$ 206,8 bilhões, no ano seguinte, os juros nominais já atingiram R$ 248,9 bilhões (5,14% do PIB) e, em 2014, R$ 311,4 bilhões (6,07% do PIB). Essa correlação causal despertou a imaginação criativa dos colegas para inverter a relação causa-efeito.
Um neoliberal foi logo denunciando “a nova matriz macroeconômica” como ilusória, pois a “taxa de juros implícita” não caiu no período, pelo contrário, ela se elevou com a atuação anticíclica dos bancos públicos, capitalizados pelo Tesouro Nacional. Essa taxa de juros implícita seria o resultado da diferença entre os juros pagos sobre os passivos do setor público (cuja proxy é a Selic) e os juros recebidos pelos ativos (remuneração das reservas cambiais e dos créditos do BNDES ao setor privado), que são bem mais baixos.
Outros colegas novos-desenvolvimentistas partiram para o ataque à essa suposta causa primária, invertendo a realidade de causalidade do diagnóstico que correlacionava juros altos-encargos elevados. A receita seria antes buscar a queda da relação dívida/PIB, seja via superávit primário para resgatar títulos de dívida pública, seja via crescimento do PIB com incentivos aos investimentos, mesmo com apertos na política fiscal e monetária! Esta façanha de inversão causa-efeito que possibilitaria a redução da taxa básica de juros, devido à melhoria do poder de barganha da STN face aos carregadores da dívida pública nos leilões primários. Esses colegas focam esses leilões como determinantes do juro alto em vez de considerar os leilões secundários (open-market), realizados pelo Banco Central para colocar a Selic-mercado no nível da Selic-meta.
Outros fiscalistas propuseram o gradual alongamento do prazo médio da dívida pública, reduzindo então o risco de refinanciamento. Com isso se criaria um círculo virtuoso, pois a consequente redução da SELIC, dada a menor necessidade de emissão de novos títulos curtos, geraria novas ampliações no prazo da dívida pública federal.
Pronunciaram ainda os acadêmicos mais voluntaristas que propuseram uma radical mudança da composição da dívida pública com eliminação das LFTs. Esta atitude restauraria o “efeito (perda de) riqueza”, isto é, a perda de capital com o aumento dos juros “marcando-a-mercado” os títulos prefixados, e reduziria então a pressão para elevar a taxa de juros básica. Entusiasmados com a eutanásia dos rentistas, destacaram ainda outra vantagem da eliminação das LFTs: tornar a curva a termo da taxa de juros “normal” no Brasil, uma vez que aplicações pós-fixadas tornavam tal curva invertida, já que o custo com SELIC em curto prazo era maior do que com TJLP. Esta prefixação da dívida pública favoreceria o desenvolvimento do mercado de títulos privados de longo prazo como os debêntures pós-fixados (% de CDI)!
Hipótese 2: a taxa real básica de juros no Brasil é tão elevada por causa da dependência do resultado não operacional ou renda do capital. Ao contrário do diagnóstico do monetarista Milton Friedman – uma economia inflacionaria é viciada em política keynesiana de “dinheiro farto e barato” –, na economia brasileira o vício seria em “dinheiro raro e caro”, isto é, em juro alto. Todos os investidores brasileiros, seja PF, seja PJ, viciaram-se nessa droga que produz o efeito-riqueza, isto é, a agradável sensação de enriquecimento sem fazer força. Qualquer um que tivesse aplicado R$ 230.000 em dezembro de 2002 e deixasse seu dinheiro capitalizando com juros compostos à base de 100% da Selic nominal teria, no final de 2014, doze anos após, se tornado milionário com R$ 1.001.618,00! Em termos de juros reais, seu poder aquisitivo teria se elevado em 124%!
A economia brasileira teria se viciado em operar com juros elevados, tornando-se dependente dessa droga, cuja desintoxicação é penosa, mas imprescindível para se levar uma vida normal. O setor produtivo, estrategicamente, opera com elevados recursos líquidos em caixa para autofinanciamento. A receita financeira de curto prazo pode ter contribuído para a viabilidade de muitos negócios. No entanto, exigia das empresas não apenas a gestão do caixa, mas também agestão estratégica para o caso de perderem essa fonte de receita não operacional, como ocorreu entre 2012-13.
Esses diagnósticos e receitas heterodoxos provocaram “eutanásia de rentistas-trabalhadores” de fundos de investimentos de renda fixa, fundos de pensão e FGTS. Alongar e mudar composição da dívida pública é contraditória em si mesma, uma vez que, historicamente, as LTNs apresentam um prazo médio bastante inferior ao prazo médio de outros títulos, como as NTN-Fs e as LFTs. Eliminar LFTs aumenta o risco sistêmico no momento de reversão da política monetária de tendência de baixa para a de alta nos juros, ou eleva o custo para o Tesouro compensar esse risco de perda de valor de mercado dos títulos prefixados, no caso dessa reversão.
Fernando Nogueira da Costa é Professor Titular da UNICAMP, com especialidade em Teoria Monetária e Financeira.
A pergunta? Simples; a resposta? Verborrágica.
Ótima analise
Parabéns pelo convite desse grande economista.
Enriquece muito a qualidade do site.
Quando tem **neoliberal** no texto dá até desânimo de ler o resto, por mais que a proposta seja interessante. Quando o pessoal vai entender que “neo”liberal não existe??
Realmente não sei da onde tiraram “neoliberal” não existe nenhuma literatura falando sobre isso. Pai Hayek desanima ao ver esse “neoliberal”
Texto interessante, apesar que certos pontos discordo.
Bom paara enriquecimento acerca demais reflexões.