Muito se fala sobre o mau desempenho das universidades brasileiras. Quer seja em função de seus resultados em rankings internacionais[1], quer seja sob uma perspectiva de inovação e geração de patentes, ou, ainda, de acordo com o prisma da democratização e acesso, o fato é que o sistema universitário brasileiro parece não agradar ninguém. Por quê?
Para responder essa pergunta, é necessário, antes, responder uma preliminar: o que se espera de uma universidade? Dito de outra forma: o que pode ser considerado uma boa universidade? Não há uma única resposta para tal questionamento, o que dá uma pista sobre o problema.
O que o Brasil, enquanto União, espera de suas universidades? A Constituição Federal trata apenas brevemente da matéria (só há quatro menções às universidades no texto constitucional), focando na autonomia universitária (art. 207) e estabelecendo um único princípio: a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão – conhecido como “tripé universitário”.
O mesmo “tripé” é reafirmado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, lei 9.394/1996), onde os objetivos do ensino superior são elencados de forma mais ampla. Estimular a criação cultural e científica, formar profissionais, fomentar a pesquisa, divulgar conhecimentos, instigar o desejo de aperfeiçoamento cultural e profissional, promover a participação da sociedade em sua produção e formar professores da educação básica são as metas da educação superior a serem atingidas pelas atividades de pesquisa, ensino e extensão (art. 43 da LDB).
Nesse sentido, o Ministério da Educação (MEC), por meio do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais “Anísio Teixeira” (Inep), verifica o desempenho das instituições de ensino superior por meio do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES)[2], do qual o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade)[3] faz parte. O quadro, até aqui, diz respeito majoritariamente aos cursos de graduação. No entanto, há mais mecanismos de avaliação envolvidos.
Ao SINAES, soma-se a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) na avaliação da pós-graduação no Brasil. Nessa avaliação, cada programa é examinado individualmente, segundo critérios de ensino e, principalmente, produtividade científica: quantidade de teses, produção de artigos e livros, etc[4].
Aos objetivos gerais trazidos pela CF e pela LDB, sobrepõe-se a avaliação da Capes, que determina a possibilidade de abertura de programas de pós-graduação e a permanência e renovação dos já existentes. A temporalidade da Capes é curto prazo (as avaliações são trienais), ao passo que o horizonte temporal previsto pela legislação mencionada é mais amplo. É necessário, portanto, equacionar – no tempo, no espaço e no orçamento – medidas que sejam capazes de produzir efeitos pontuais e rápidos, bem como duradouros e permanentes. Não se trata de uma tarefa fácil.
Para dificultar ainda mais, concorrem na avaliação da pesquisa órgãos como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) de cada estado. Ao julgar projetos individuais e coletivos de pesquisa, essas instituições elaboram padrões e implementam critérios que as instituições de ensino superior devem cumprir se desejarem obter financiamento complementar – financiamento este que pode influenciar sua capacidade de atender aos critérios já elencados até aqui.
Por fim, na lista de instâncias avaliativas internas há as próprias universidades. Exercendo a autonomia que lhes foi concedida pela CF (art. 207), cada universidade pode estabelecer sistemas internos de avaliação da atividade de pesquisa e docência. Para ficar com o exemplo mais recente, a Universidade de São Paulo (USP) acaba de aprovar um novo mecanismo de avaliação de seu corpo docente, que pretende sincronizar planos departamentais, de suas unidades e um plano central[5]. Por mais legítimo e positivo que o movimento possa ser, há de se convir que acrescentar mais uma instância avaliativa que pode acarretar consequências graves – no caso, a perda do regime de dedicação exclusiva do ou da docente – é dar mais um passo rumo à confusão e a sobreposição de critérios.
Como se tudo isso não bastasse, há ainda formas externas de avaliação. O exemplo mais patente é o dos rankings universitários nacionais[6] e internacionais[7], cada um deles com metodologia própria. Essas métricas são utilizadas política e midiaticamente para julgar o desempenho das universidades brasileiras, e também para reivindicar ou justificar contingenciamentos em seus orçamentos. Mais uma vez, são conjuntos de indicadores que nem sempre estão de acordo com os elencados até aqui.
Em suma, o quadro é caótico. Diversas camadas de avaliação sobrepostas, nem sempre consistentes e coerentes entre si, e uma situação de infraestrutura insuficiente para atender sequer a alguma delas. Temos um cobertor individual que se pretende que sirva para quatro pessoas espremidas numa cama de casal. Para apresentar uma analogia mais factível, temos o mesmo que ocorre no sistema tributário: há atividades sobre as quais incidem diversos tributos, cobrados por entes diferentes, uma complexidade que gera confusão nos agentes econômicos. Da mesma forma, pode-se falar numa complexidade avaliativa que gera confusão nos membros da comunidade acadêmica.
Por que as universidades brasileiras são um fracasso? Porque não sabemos o que queremos delas. Porque ainda não decidimos, enquanto sociedade, o que queremos delas. Antes de qualquer discussão sobre implementação, aperfeiçoamento, etc, é preciso definir critérios claros e factíveis. Enquanto não fizermos isso, continuaremos girando em falso.
Rafael Barros de Oliveira – Colaborador do Terraço Econômico
[1] https://terracoeconomico.com.br/quem-servem-os-rankings-universitarios [2] http://portal.inep.gov.br/sinaes [3] http://portal.inep.gov.br/enade [4] http://www.capes.gov.br/avaliacao [5] http://revistapesquisa.fapesp.br/2017/02/09/engrenagem-em-movimento/ [6] http://ruf.folha.uol.com.br/2016/ [7] https://terracoeconomico.com.br/quem-servem-os-rankings-universitarios