Essa pergunta tem rodado, de uma forma irônica, em diversos setores de oposição. A ironia, na verdade, esconde uma profunda ignorância no assunto. A comparação clássica é feita entre Brasil e Japão, na qual o primeiro tem algo próximo de 70% do seu PIB em dívida bruta e o segundo mais de 200% do PIB. Assim, por qual razão não podemos ter a dívida do Japão?
Bom, a resposta mais direta é óbvia é: são países extremamente diferentes, para não se dizer exatamente opostos. Veja a evolução recente da dívida do Japão em A explosão da dívida pública no Japão em um gráfico.
Primeiro, o Brasil tem uma história muito mais rica de instabilidade política, diversos calotes da dívida e um passado recente de hiperinflação, componentes estes que ficam impressos no currículo fiscal do país e tem um peso bem maior na hora dos cálculos de risco do país em detrimento de um país “pacato” em termos de turbulência política e econômica como o Japão.
Segundo, a poupança japonesa é muito maior que a brasileira. Conforme o FMI, enquanto o Brasil poupa apenas 15,9% do seu PIB, os nossos amigos nipônicos estão 10p.p. na nossa frente, poupando 25% de todo o seu PIB. Isso também é levado em conta na hora de se avaliar dívidas públicas e solvências de um país.
[caption id="attachment_8563" align="aligncenter" width="591"] Fonte: FMI. Elaboração própria.[/caption]Terceiro, como consequência da elevada poupança (somada a outros fatores, como a baixa inflação), a taxa de juro do Japão é muito menor que a do Brasil. Os japoneses trabalham com uma taxa de juro zerada (e até negativa) ao passo que temos uma taxa de 13,75% atualmente, sendo o juro real em torno de 6%. Esta taxa também incide sobre a dívida e complica a sua dinâmica futura (embora a própria taxa de juro seja elevada pela dívida e a política fiscais serem frouxas).
Quarto, o Japão é um país com riqueza maior que o Brasil. Este ponto é fundamental e pouco avaliado. O sujeito A pode se desfazer de muito mais coisas para quitar a dívida, mesmo que essa supere sua renda anual. O banco prefere emprestar mais dinheiro para um rico, mesmo que extremamente endividado, a uma pessoa pobre, com menor dívida, mas com baixa riqueza e diversas instabilidades (como o desemprego mais frequente, e, trazendo ao nível nacional, crises políticas e etc).
Resumindo a ópera: mesmo com dívida maior, a capacidade de A pagar é maior do que B. Isso explica por que é pior para o Brasil ter dívida de 70% do que Japão de 200%. Explica também, dentre outros fatores, por que a taxa de juros do país é maior.
A tabela abaixo, elaborada pelo Gustavo Franco munido dos dados de Thomas Piketty, nos mostra que quando avaliado a proporção da dívida sobre a riqueza, os países ricos apresentam forte redução, ao passo que a dívida do Brasil segue elevada.
[caption id="attachment_8564" align="aligncenter" width="641"] Fonte: Apresentação Dilemas Macro – Temas estruturais para 2015 e adiante – Gustavo Franco (2015).[/caption]Não temos muito para onde correr a não ser inverter a trajetória da dívida, coisa que a já aprovada PEC 55 fará de forma lenta e gradual, ao invés de um ajuste mais rígido e de curto prazo. O argumento de que há um “pecado de origem” no ajuste devido ao suposto baixo nível da dívida não passa de desonestidade intelectual ou ignorância.
Não há estabilização sem lágrimas.
Editor do Terraço Econômico